Escola no Rio de Janeiro se preparou para a volta às aulas com aumento do distanciamento entre as mesas nas salas

Roberto Moreyra / Agência O Globo

Escolas brasileiras ainda não estão preparadas para retomada segura

A pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-CoV-2), expôs desafios que a educação brasileira precisa enfrentar e colocou em pé de guerra vários setores da sociedade, seja os que defendem a retomada do ensino presencial ou seja aqueles preferem o retorno quando as mortes e contaminações estiverem controladas.

Após o prefeito de São Paulo, Bruno Covas (PSDB), dizer que a  volta às salas de aula no município só será definida em setembro a partir de uma nova testagem dos alunos, a avaliação de especialistas é de que é preciso fugir de uma “discussão binária” para tratar do assunto.

Essa é a avaliação é do diretor de políticas educacionais da Todos pela Educação, Olavo Nogueira Filho, que alerta que o poder público deve fazer de tudo ao seu alcance para retomar as aulas, desde que sejam respeitados os critérios sanitários.

“Nós vemos que vai gerar um impacto muito danoso para o estudantes que não pode ser negado. Se o tempo de suspensão das aulas fosse de dois a três meses seria uma situação que daria para recuperar o tempo perdido. Mas agora, com o surgimento de discussões de retorno só no ano que vem, começamos a chegar em um ponto em que fica irrecuperável”, afirma.

Nos bastidores, a Prefeitura de São Paulo já considera a retomada das aulas presenciais ainda para esse ano pouco prováveis. Isso porque auxiliares do governo municipal temem que as crianças possam ser contaminadas e levar o novo coronavírus para dentro de suas casas, colocando em perigo pessoas do grupo de risco que eventualmente possam morar com elas.

De acordo com o último inquérito sorológico realizado pela Prefeitura, entre os dias 6 e 10 de agosto, as crianças possuem altas chances de serem assintomáticas, o que mostra como a volta do ensino mesmo seguindo os protocolos de segurança sanitária, pode ser arriscada.

O resultado apontou que 18,3% dos estudantes de 4 a 14 anos da rede municipal têm anticorpos, o equivalente a 123.694 crianças e adolescentes. Desse total, 69,5% foram assintomáticos, percentual considerado alto e que classifica esses jovens como vetores silenciosos.

Esse cenário, por sua vez, faz o diretor da Todos pela Educação manifestar preocupação com relação aos critérios definidos do que são atividades essenciais em meio à pandemia.

“A gente precisa ter uma prioridade de reaberturas e, quando nós vemos a autorização para bares, shoppings e comércios , não ficam claros quais são os critérios escolhidos. Quais seriam esses critérios? Isso só vai diminuir as chances de controle da pandemia e o debate sobre isso está sendo pouco sério”, diz Nogueira Filho.

Como consequência, o especialista aponta duas faixas etárias que terão impactos mais graves entre os jovens em idade de estudo. O primeiro grupo são aqueles que estão na fase da educação básica, época em que as crianças estão no processo de alfabetização.

“É nesse período que as crianças de precisam de um acompanhamento próximo, que é crucial nessa idade. São esses primeiros anos que vão determinar toda a trajetória educacional das crianças nos próximos anos”, alerta o diretor.

Ele ainda lembra que cerca de 30% dos alunos de escola básica ficaram sem ter contato com os professores durante esse período de suspensão.

O segundo grupo que mais terá impactos negativos é o dos estudantes do Ensino Médio, que estão às portas de prestar vestibulares para ingresso em universidades.

Nogueira Filho, no entanto, também enumera pelo menos mais quatro problemas que atingem essa faixa etária: a quebra de vínculo com a escola, a perda de ritmo de estudo, a má nutrição e danos à saúde mental.

“O resultado disso, na maioria das vezes, é a evasão escolar, já que muitas famílias precisam complementar a suas rendas e preferem colocar os filhos para trabalhar, o que leva a uma desigualdade ainda maior no acesso ao ensino superior”, completa o diretor.

Quem deve voltar primeiro

De olho nessa questão, a professora Maria Izabel Azevedo Noronha, presidente do Sindicato dos Professores do Ensino Oficial de São Paulo (Apeoesp), defende que a prioridade para retorno das aulas para esses alunos, juntamente com a retomada para os estudantes da Educação de Jovens e Adultos (EJA).

“No caso das crianças, elas ainda vão ter todos os próximos anos para tirar esse atraso. Além disso, as mães que precisam trabalhar já deram um jeito de deixar os filhos com alguém, seja com os avós ou algum conhecido de confiança”, diz.

O avaliação de Noronha, porém, é a de que as escolas estaduais ainda não estão preparadas para receber os alunos. Segundo ela, desde o dia 23 de março, data em que elas foram fechadas, não houve nenhum calendário de reformas ou adaptação para seguir as orientações de distanciamento e higiene das autoridades sanitárias.

“Nós temos salas sem ventilação, salas de aula improvisadas em bibliotecas e escolas com poucos banheiros. Como a gente vai fazer? Vai poder ficar fazendo fila para usar o banheiro?”, questiona a professora.

O professor Benjamin Ribeiro da Silva, presidente do Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino de São Paulo (Sieeesp), tem uma visão contrária. Ele defende que o foco principal das discussões em torno da retomada do ensino deve ser na educação básica e que as aulas devem retornar o quanto antes.

“O nosso compromisso é com o aluno. Esses professores da rede pública só estão preocupados com o salário deles. O que precisa acabar é essa gestão hipócrita do [Bruno] Covas, desses demagogos que querem aterrorizar as famílias. É legítima a preocupação dos pais em levar os filhos para as escolas, mas nós temos parcerias com a Associação Paulista de Medicina e com o [hospital] Albert Einstein. Nós seguimos todos os protocolos de segurança”, afirma Silva.

O presidente do Sieeesp reconhece que o retorno não poderá ser 100%, por isso ele destaca a importância da implantação de um ensino misto de aulas presenciais e virtuais. “As aulas híbridas são uma coisa que veio para ficar. A pandemia não vai passar e nós vamos ter que lidar com ela”, diz.

Discussão foi para a Justiça

Na semana passada, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) negou um pedido de liminar do Sieeesp para que as escolas pudessem voltar a ter aulas presenciais no dia 8 de setembro.

Em sua decisão, o juiz Torres de Carvalho, relator do caso, disse que não via demonstrado “o bom direito necessário à concessão da liminar”. Segundo o magistrado, embora o Plano São Paulo do governo estadual já permita a reabertura a partir do dia 8, as cidades podem decidir por tomar medidas mais rígidas e escolher uma data posterior.

“O Plano São Paulo estabelece uma proteção mínima frente a situação de calamidade enfrentada, não impedindo que o município estabelece proteção maior, em razão de situações peculiares”, escreveu o magistrado. De acordo com o presidente do Sieeesp, a entidade já protocolou recurso e aguarda uma nova decisão da Justiça.