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Blog do Vavá da Luz

Patrimônio nacional, forró agora vai em busca do título mundial

Patrimônio nacional, forró agora vai em busca do título mundial

Patrimônio nacional, forró agora vai em busca do título mundial

Joana Alves – ou a Dona Joana, como o Brasil forrozeiro acostumou-se a chamá-la – surpreendeu a todos que estavam na Sala de Concerto Maestro José Siqueira, do Espaço Cultural, em João Pessoa:

“Estou entregando aqui o documento ao Iphan para que seja solicitada à Unesco a inclusão do nosso forró como Patrimônio Mundial”.

(Acima, Joana Alves exibe o título de patrimônio imaterial concedido ao forró / Foto: Zeca Wallach-Festar)

Foi um gesto que ilustra o comportamento irrequieto dessa senhora que liderou por uma década a luta que naquele momento estava atingindo uma já histórica conquista, a concessão ao forró do título de patrimônio imaterial da cultura brasileira.

O anúncio arrancou mais aplausos da plateia, e o documento foi entregue ao representante estadual do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Emanuel Braga. Agora, seguirá os trâmites a partir do governo federal brasileiro até a chancelaria da Organização das Nações Unidas.

“Esse será mais um capítulo dessa luta”, decretou a ativista cultural, produtora e incentivadora do forró tradicional, Joana Alves, durante a abertura do 4º Encontro de Forró de Raiz e o 3º Fórum do Forró de Raiz, que começaram na manhã dessa segunda-feira (13) e seguem até a sexta-feira (17/12), em dependências do Espaço Cultural e da Usina Energisa. Os eventos são patrocinados, principalmente, pelo Governo do Estado da Paraíba, Prefeitura de João Pessoa e a Usina Energisa.

Diante de pesquisadores, gestores, artistas, empresários do entretenimento forró tradicional e ativistas culturais de todo o Brasil, Joana fez um discurso que conclama a nação forrozeira a manter a guarda e seguir na luta:

“Precisamos de mais união da categoria e carecemos de uma casa de forró em cada uma das nossas cidades”, disse Joana Alves, dando o tom do novo capítulo da mobilização, que é a salvaguarda do forró.

“O título de patrimônio nós oficializamos, porque todos nós já tínhamos o forró como patrimônio. Mas é preciso que não fique apenas nisso. Vamos desenvolver projetos e fixar políticas públicas que garantam a permanência dessas matrizes e estabeleçam proteção aos trabalhadores da ampla cadeia produtiva em torno do ritmo”, completou Joana.

Energia desse tipo coloca Joana Alves como o elemento principal e, pelo menos até agora, insubstituível na busca do forró por reconhecimento, espaço na indústria musical e o carinho do público, sobretudo o mais jovem, que desconhece história e conteúdo desse gênero.

Na plateia, nomes da velha guarda, pilares do forró, como Anastácia (a Rainha do Forró), gente da nova geração, como Chambinho do Acordeon, e da novíssima geração, como Lucas Gabriel (banda Caacttus).

Anastácia e Biliu de Campina
Geovane Jr e João Paulo Jr.

Ainda estavam por lá Luizinho Calixto, Preto Guarabira, Geovane Jr, Biliu de Campina, Carlos Perê, Biu Cumaru, João Paulo Jr e vários outros.

Luizinho Calixto
Bira Delgado interpretando ‘Joia Rara’
Forró invadiu o palco após a entrega oficial do título

Abertura

A abertura oficial foi feita pelo secretário de Estado da Cultura, Damião Ramos Cavalcanti, que representou o Governo Estadual na solenidade. Ele se referiu ao Fórum e ao Encontro Nacional como momento histórico para a cultura nacional, o que, segundo ele, coloca a Paraíba numa posição privilegiada por ter liderado o país nessa conquista.

Secretário Damião Ramos Cavalcanti (SecultPB)

O presidente da Fundação Cultural de João Pessoa (Funjope), Marcos Alves, disse que a Prefeitura da Capital se compromete em promover ações que estimulem as expressões da cultura popular e renovem sua força através das escolas.

Marcus Alves, presidente da Funjope

Sem precedentes

Emanuel Braga (Iphan) disse que não há precedentes na mobilização que levou o forró a receber o título de patrimônio imaterial do país. Lembrou o primeiro momento em que essa possibilidade foi aventada, e garantiu que a proposta surgiu da base, entre artistas, ativistas e produtores. “Saiu dali, daquele encontro informal, e ganhou o Brasil, empatia em cada estado”.

Emanuel Braga (Iphan)

Segundo Emanuel, é importante que a comunidade em geral tenha ciência de que o super gênero forró é uma espécie de grande guarda chuva que abriga, além da música, as nuances da dança, da comida, moda e toda uma rede de saberes que formam poderosa cadeia criativa. “Essa proteção ao forró também se estende à história do cangaço e ao ofício do vaqueiro, por exemplo”, diz.

Audiência pública

Após o ato de abertura dos eventos, nova mesa foi formada para a realização da audiência pública da Assembleia Legislativa da Paraíba, sobre ‘Ações de salvaguarda do forró’. Sob a coordenação do deputado estadual Anísio Maia, a audiência serviu para reunir, sugestões, projetos, ideias e solicitações que possam ser úteis na construção de ações permanentes para a manutenção da cultura do forró de raiz.

Planteia antes (foto no alto) e durante a audiência pública

Apesar da importância desse momento – passo mais agudo no pós-concessão do título – o auditório foi esvaziado, em grande parte pelos principais personagens dessa discussão, os forrozeiros. Tudo bem que a fome apertava – já era meio-dia – mas as palavras, críticas, ideias, parcerias intelectuais, solicitações que foram levantadas nas falas seguintes teriam que ser ouvidas pelos trabalhadores da cultura.

Ficaram alguns forrozeiros, mas a maior massa na plateia foi mesmo de coordenadores dos movimentos, pesquisadores e gestores. Boa parte da base perdeu um grande momento para aprender a se organizar, se produzir, construir conhecimento e dar profissionalismo, conteúdo e longevidade à carreira.

Deputado Anísio Maia, ladeado por Joana Silva e o deputado federal Daniel Almeida (BA)

O primeiro a falar foi o dirigente da mesa, Anísio Maia, que explicou o objetivo da audiência pública, que é o de coletar informes e ideias para subsidiar propostas de políticas públicas que dêem segurança ao forró, em todos os aspectos.

14 Estados

Joana Alves falou novamente, destacando que a mobilização pelo forró tem ao seu lado muitos representantes: “São delegações de 14 Estados segurando a minha mão nessa luta. Portanto, é uma construção coletiva, e nossa força está nisso”. Ele pregou a militância pelo forró, algo que é preciso ser absorvido imediatamente pela cadeia de trabalhadores do forró para que o esforço até agora tenha valido a pena. E conquiste mais.

Um dos que percebem a importância dessas discussões é o deputado federal baiano Daniel Almeida, que dividiu-se entre a participação online em discussões importantes no Congresso Nacional e a presença incentivadora nos eventos do forró de raiz na Paraíba.

Deputado federal Daniel Almeida saúda Joana Alves

“Vim para ver a senhora, Dona Joana. Tinha que presenciar esse momento”, disse o parlamentar, que é grande entusiasta pela campanha de incentivo ao forró e parceiro na realização de vários fóruns estaduais do gênero.

Representando a Secretaria de Estado da Educação, o compositor Milton Dornellas lembrou lutas ainda presentes na Paraíba e em outros Estados nordestinos, “atropelados pela indústria de entretenimento na sua festa mais original, o São João”.

Foco no trabalhador do forró

O vereador de João Pessoa, Marcos Henrique, defendeu que a categoria forrozeira, os políticos e gestores pensem numa forma de dar garantias permanentes aos trabalhadores dessa cadeia criativa. “Essas pessoas precisam ter uma proteção social, uma garantia para o trabalhador do forró. Para que, sua velhice, essa pessoa conte com apoio necessário à sobrevivência de descanso digno”.

Vereador Marcos Henrique

Não é só um título na parede

Coordenadora do Fórum de Dança, Isabel Santos usou uma frase e sua força para resumir o que será necessário a partir de agora: “Esse título não pode ficar apenas como um quadro na parede”. Ela expressou a necessidade de arregaçar as mangas e partir para fechar o firo, estabelecer leis que garantam efetivamente a sobrevivência do forró e sua ampla cadeia.

Isabel Santos, dirigente do Fórum de Dança e pesquisadora cultural

Ao final de sua fala, propôs o que, posteriormente, muitos repetiram: “Sugiro que a Paraíba faça um documentário sobre a Dona Joana”.

Câmara setorial

Fábio Henrique, que representou a governadora do Rio Grande do Norte, Fátima Bezerra, disse que em seu Estado foi criada a câmara setorial do forró, um colegiado por onde passam demandas culturais dirigidas ao gênero musical e discute o que é melhor para o setor. Ele sugeriu que organismos semelhantes sejam criados nos outros Estados.

Fábio Henrique

Também afirmou que a luta do forró é parte da mobilização geral que precisa ser organizada no país para reconstruir o Ministério do Turismo e a política cultural nacional, “ambos destruídos”.

Pelo coletivo

O pesquisador Henrique Sampaio (Nuplar/UFPB) destacou a importância da ação coletiva nesse caminhar de reafirmação do forró no Brasil: “Num ambiente dominado pela individualidade e vaidade, o lema de Dona Joana de nos dar as mãos é fundamental”. Também defendeu a inserção da cultura popular nas escolas, buscando maneiras mais efetivas desse tema estar na sala de aula.

Henrique Sampaio (Nuplar / UFPB)

Pedro Santos, presidente da Fundação Espaço Cultural (Funesc), que abriu vários ambientes para a realização dos eventos do forró de raiz, disse que Joana Alves conseguiu acessar estruturas de governo que pouca gente conseguiu, mostrando maneiras de superar a burocracia e fazer acontecer.

Pedro Santos, presidente da Funesc

Ele afirmou que a Funesc e o Governo do Estado têm ciência do seu papel na potencialização da cultura popular.

O presidente do Fórum Nacional de Secretários de Cultura, Fabrício Noronha, parabenizou pela organização da festa do forró e agradeceu aos parlamentares e instituições que contribuíram com emendas e patrocínios.

Fabrício Noronha, presidente do Fórum Nacional de Secretários de Cultura

O compositor e cantor Del Feliz, outro nome muito presente nessa mobilização do forró de raiz, disse que a concessão do título de patrimônio imaterial brasileiro ao forró não encerra um ciclo, “na verdade inicia outro”, seguindo a onda que começa a se formar em torno de uma mobilização que manterá o foco no forró, mas abrirá frentes mais aguda na vida do trabalhador do setor.

Cantor e compositor Del Feliz

Aí virão bandeiras como: aposentadoria, precificação justa de artistas e dos shows, profissionalização do portfólio (uma necessidade geral na categoria), acesso às ferramentas digitais (disseminação desse conhecimento) e construção de ferramentas e ações que provoquem, rapidamente, a retomada da formação de público para o forró tradicional.

Plenária pegou fogo

A audiência seguiu com a participação da plenária, ouvindo coordenadores, pesquisadores e produtores culturais, que expuseram suas opiniões e sugeriram ações para a salvaguarda do forró.

O coordenador municipal do Fórum de Forró de Raiz de Campina Grande, Alfranque Amaral, informou que apresentou à Câmara Municipal da terra do ‘Maior São João do Mundo’, o texto de um projeto de lei que destina 60% da verba da festa para serem gastos com a ‘cultura de raiz’, onde se encaixaria o forró tradicional. Segundo ele, isso asseguraria a valorização dos artistas locais desse gênero e faria com que a festa campinense retomasse as características do verdadeiro São João nordestino.

Alfranque Amaral, coordenador do Fórum do Forró de Raiz de Campina Grande

Hoje privatizado, o São João de Campina Grande importa artistas da música sertaneja (sul e centro-sul), das bandas que tocam a chamada ‘sofrência’ e o pandêmico ‘forró de plástico’.

O cantor e compositor Carlos Perê citou versos seus sobre o desmonte da festa junina em Campina e deu dramaticidade à fala de Alfranque: “São João safadão, eita tiro no pé”.

Carlos Perê, músico e poeta

Comprando voto com dinheiro do forró

Engrossando esse discurso, Marcelino, representante de Sergipe, denunciou que parlamentares federais usam do poder de emendas e destinam dinheiro público às suas prefeituras de base eleitoral, a fim de financiarem festas juninas que, invariavelmente, seguem a mesma receita adotada por Campina Grande.

Marcelino, da delegação de Sergipe

“Nossas festas juninas importam artistas de outras regiões, alheios aos nosso ritmo tradicional, e exportam o dinheiro dessas emendas, porque se vão em cachês milionários”.

Cartilha do Forró

Na parte da tarde, ocorreu a entrega simbólica à rede municipal de ensino de João Pessoa da cartilha ‘O que é o forró – Um pequeno apanhado da história do forró’ (Ivan Dias e Sandrinho Dupan), que aborda origens, instrumentos, sons e gêneros que compõem o super gênero forró.

O músico e pesquisador Sandrinho Dupan entrega simbolicamente a cartilha ‘O que é o forró’ à rede escolar de João Pessoa

 

 

(Por José Carlos dos Anjos Wallach)