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No dia do meu aniversário ( Fábio Mozart)

No meu 69º aniversário, ainda me preocupo pela satisfação dos interesses coletivos, mas como estou perigosamente com o prazo de validade vencido, já dobrando o famoso cabo da boa esperança, permito-me apenas recordar o passado, lastimar as dores da velhice e o empobrecimento ilícito a que sou submetido pelo Governo, algoz dos aposentados. Nos aniversários, é bom a gente fazer assepsia na alma. Nossa parte imortal, para quem acredita, é como os filtros: com o passar dos anos acumula impurezas.

No verdor dos anos, costumava comemorar no prostíbulo (palavra bela!) de Nevinha Pobre (sim, havia uma Nevinha Rica), com um magote de irreverenciosos amigos, na minha Itabaiana querida. A tal Nevinha foi a viga mestra da prostituição na rua do Carretel. Não era apenas uma comerciante carnal que só pensava nos lucros do lenocínio, era uma espécie de mãe e conselheira, amiga de suas meninas, a quem chamava de afilhadas. Para nós, uma mestra dos prazeres, merecedora do respeito e deferência dos rapazes. O romancista português Carlos Oliveira define a prostituta como “um bem coletivo”.

Hoje, fazendo uma retrospectiva da vida, vejo que não posso mudar o que passou, mas posso deixar pra lá. Plantar uma árvore, ter um filho, escrever um livro. Essa, em tese, seria a realização de um homem na sua passagem pela vida. Estou, nesse caso, de curriculum mais do que preenchido, até com um certo exagero. Plantei quase uma floresta em Bananeiras, ao longo do curso de agronomia no Colégio Vidal de Negreiros. Só não replantei a Mata Atlântica inteira porque fui expulso devido a um entrevero com um capitão do Exército, mas isso é outra história. Tive seis filhotes, vingando cinco, e escrevi oito livretos, sendo que um deles, “História de Itabaiana em Versos”, foi adotado pelas escolas de Itabaiana, o que atesta sua qualidade.

De qualquer forma, conforme a cultura dos números, segundo a qual somente os terminados em zero devem ser comemorados, resolvi não festejar meus 69 anos de vida boa aperreada. No máximo, farei uma festinha simples no interior de mim mesmo.

Prefiro lembrar das coisas divertidas de minha existência, que vou desfiando aqui na Toca do Leão, para o deleitamento dos meus seis ou sete leitores fiéis. Faço minhas as palavras do General Newton Estillac Leal: “Andei em muitas guerras, delas nem sempre trouxe uma vitória, mas de todas trouxe uma anedota”.

Citando ainda o grande Joaquim Nabuco, que em seu diário escreveu: “Sinto-me em ordem de marcha para o desconhecido. Quando se é jovem, os amigos, prolongamentos de nós mesmos, são jovens como nós e têm a vida diante de si. Na mocidade olha-se para diante e não para trás, e os camaradas pisam nos caídos sem o sentir. No declínio, está-se entre os feridos abandonados no campo de batalha, ouvindo os gemidos a que não se pode atender e esperando nossa vez de descansar…”

No ano que vem, pretendo fazer uma grande festa comemorativa dos setenta anos. Uma festinha dos provectos, sarau da máxima idade onde certamente me espera grande decepção. Afinal de contas, em folguedo de “pé na cova” poucos comparecem. Os velhos camaradas que sobraram, há muito desistiram de sair de casa, nem mesmo para abraçar um dos raros amigos vivos. Os colegas novatos preferem mandar mensagens nas redes sociais, onde se contém o melhor da dissimulação e insinceridade virtual. Conforme lamenta o companheiro Ulisses Barbosa, nos festivais doces das vacas gordas, a mocidade comparecia em massa para empanturrar-se do açúcar juvenil, olhando para o resto do mundo com um ar de hegemonia e triunfo. Quando chega o quilo de sal da derrocada, poucos comparecem e os que se preocupam em aparecer, não trazem colher para comer o sal da senilidade. Esse pensamento me veio pela frase de Carlos Drummond de Andrade: “Há duas épocas na vida, infância e velhice, em que a felicidade está numa caixa de bombons”.