Setores da PF deram início às articulações para combater o lobby do MP contrário à aprovação da emenda que dá autonomia à corporação; policiais federais dizem que a gestão dos recursos é garantia de investigações mais isentas
As entidades de classe da Polícia Federal iniciaram um corpo a corpo no Congresso a partir desta semana para tentar aprovar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 412, que prevê autonomia financeira e administrativa do órgão. A campanha tem o objetivo de furar as articulações já realizadas por representantes do Ministério Público Federal (MPF), que é contra, e convencer o governo e o Legislativo de que se um dos temas prioritários da agenda política é o combate a corrupção, a melhor ferramenta é uma Polícia Federal desvinculada do poder e com liberdade orçamentária.
Se aprovada, a PEC 412 dará à Polícia Federal prerrogativa de gerir seus próprios recursos e, com liberdade funcional, organizar uma estratégia permanente, com operações mais robustas, contra as quadrilhas envolvidas no desvio de recursos públicos, como a detectada pela Operação Lava Jato na Petrobras. As entidades também querem que o diretor geral da PF, que atualmente é indicado pelo ministro da Justiça, seja sabatinado e aprovado pelo Senado.
Um dos principais obstáculos à pretensão da PF é justamente o MPF, especialmente depois que as duas instituições entraram em guerra aberta na disputa pelo comando das investigações contra os políticos contra os quais foram abertos inquéritos a pedido do procurador Geral da República, Rodrigo Janot.
Na semana passada, Janot suspendeu depoimentos de políticos que haviam sido marcados pela PF e teve sua decisão apoiada pelo ministro Teori Zavascki, do Supremo Tribunal Federal (STF), relator da Lava Jato.
O delegado Edson Garutti, diretor da Associação Nacional dos Delegados da Policia Federal (ADPF), acha que a decisão de Janot foi tomada para atender setores do MPF que querem controlar a PF. “O objetivo foi neutralizar a ação da polícia para classificar a PEC 412 como uma guerra classista”, disse.
Segundo Garutti, o combate a corrupção, que vigorou com força entre 2002 e 2010, deixou de ser prioridade no atual governo. “O que nós precisamos é de previsibilidade. E isso só será possível com orçamento próprio”, acrescenta outro delegado, Matheus Rodrigues, da mesma entidade.
Corte
Na avaliação da entidade, durante o governo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, as operações da PF foram usadas eleitoralmente e depois deixaram de ser prioridade. A estratégia aplicada no governo da presidente Dilma Rousseff, segundo os delegados, foi cortar recursos previstos no orçamento, causando sensível redução nas operações contra a corrupção.
Enquanto a PF é tratada a pão e água, o Ministério Público Federal, por ter o controle sobre seus gastos e independência do governo, se fortaleceu, incorporando atividades que eram atribuição exclusiva da polícia, como investigar. Atualmente, além do controle da ação penal, procuradores e promotores investigam em inquéritos paralelos por meio de um polêmico expediente conhecido como Procedimento Investigatório Criminal (PIC).
Há mais de uma centena de ações no STF questionando a legalidade dos inquéritos autônomos do Ministério Público, mas a avaliação é sistematicamente postergada porque a eventual derrubada dos PICs provocaria um abalo no sistema jurídico, com a anulação de uma infinidade de processos.
O MP se fortaleceu também com a rejeição da PEC 37, que previa o cumprimento do que diz a Constituição sobre o papel de cada órgão do sistema judicial, ou seja: polícia investiga, procurador denuncia e o juiz julga, sem um interferir no trabalho do outro. A PEC 37 foi derrubada no embalo das manifestações de 2013 graças ao lobby do Ministério Público, que aproveitou os protestos para convencer a Câmara dos Deputados de que a emenda favorecia a corrupção.
Os delegados reclamam que há uma flagrante discrepância entre os dois órgãos, mesmo quando atuam conjuntamente, como acontece atualmente na força tarefa organizada no Paraná para investigar os desvios na Petrobras.
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Enquanto um policial que é deslocado de outra região para atuar na Lava Jato custa ao governo R$ 6.600 mensal (diárias, alimentação e hospedagem), um procurador recebe R$ 28.320,00.
Para os delegados, a vinculação da PF ao Ministério da Justiça tolhe a liberdade para investigar. Citam como exemplo, a obrigatoriedade de informar ao ministro sempre que é necessário deslocar mais de dez policiais de uma determinada região para uma operação, o que significa que o governo pode deduzir que há uma investigação em andamento.
A tese que os delegados da PF sustentam é que a autonomia daria ao órgão condições de estancar a corrupção, o que melhoraria o caixa do próprio governo, já que recursos públicos deixariam de ser desviados e ainda poderiam ser recuperados. Só na Petrobras estima-se que as quadrilhas se apropriaram de mais de R$ 10 bilhões. “A polícia tem uma doutrina de investigação e se especializou no combate a corrupção”, diz a delegada Tânia Fernanda Prado Pereira, da ADPF.