Meu colega recruta Zé Ramalho.
Reconhecem este aí da foto?
É o soldado Ramalho n° 1035 da 3º Cia de Fuzileiros do ano de 1969.
Assim não dá para conhecer não é ?
Vamos ajudar!
Conhecem algum cantor de nome ZÉ RAMALHO?
Ele mesmo, foi um entre os famosos que passaram pelas fileiras do então glorioso 15 Regimento de Infantaria.
Corria o ano de 1969, em plena Ditadura Militar. E eis que chegara o momento, ao completar 18 anos, de me apresentar no 15º Regimento de Infantaria, aqui mesmo em João Pessoa, para servir a Pátria – circunstância que era um verdadeiro terror para os jovens acostumados com a boa vida.
Mesmo torcendo para ser dispensado por algum problema físico ou por excesso de contingente, não teve jeito: me tornei o recruta Macedo n° 1050.
Naquele ano, com a chegada àquela unidade do capitão Jacques, afamado instrutor da AMAN – Academia Militar de Agulhas Negras, o comando do Regimento resolveu que todos os recrutas com o 2º grau concluído seriam lotados na 3ª Companhia de Fuzileiros e ali funcionaria o C.F – Curso de Cabo, onde todos estariam automaticamente inscritos independente da vontade de cada um.
Para minha surpresa, logo no primeiro dia, encontrei ali, bastante contrariado, José Ramalho, jovem que já conhecia do Bairro de Miramar, pois era vizinho da minha namorada – e hoje esposa – Ana Maria.
O recruta Ramalho, a exemplo de muitos, havia sido convocado para servir e, pior, mesmo contra a vontade foi obrigado a se submeter ao rigoroso curso de cabo, com os seus diários e estafantes exercícios físicos.
Nem é preciso dizer que, para Ramalho, que já tinha com veia artística pulsando, foi muito mais difícil ficar preso a disciplina e aos rigores da caserna, o que trouxe para ele, ao longo daquele ano, momentos bem difíceis. Como uma briga que ele iniciou na cidade de Souza, onde nos encontrávamos participando de uma manobra militar.
Tudo começou porque Ramalho, ao lavar o rosto com sabonete, resolveu tirar a espuma na torneira do caminhão pipa, exatamente na hora em que o soldado cozinheiro Gama recolhia água para fazer o café dos oficiais. Inadvertidamente, com os olhos fechados, Ramalho acabou terminando de lavar o rosto na torneira acima do balde de Gama, já praticamente cheio, estragando toda água ali acumulada.
Foi o bastante para que se iniciasse um desforço físico entre um Ramalho extremamente franzino e o avantajado cozinheiro, que covardemente o esmurrou, o que me obrigou, mesmo também esquelético, a entrar na briga. Que foi logo contida pelos sargentos e oficiais, mas acabou gerando para os três brigões uma punição, lida em boletim, de sete dias de detenção no quartel.
Naquele ano, o presidente era Arthur da Costa e Silva e o país atravessava um dos seus piores momentos, com manifestações populares, atentados terroristas e muitas prisões, razão pela qual vivíamos constantemente de prontidão.
Em outras palavras, éramos obrigados a dormir no quartel, nos apresentando para revista até as 21 horas, o que prejudicava sobremaneira aqueles que estudavam, bem como aqueles que tinham namoradas. Às 21 horas, devidamente perfilados, respondíamos à revista, ou seja, o sargento chamava cada um pelo nome e respondíamos gritando o nosso número e batendo uma bota contra a outra, em posição de sentido.
Numa dessas noites, quando o presidente Costa e Silva se encontrava bastante enfermo e o país era governado por uma rigorosa junta militar, éramos obrigados a dormir todos no quartel, devidamente fardados, sendo que o máximo permitido era tirar as botas.
Eis que uma noite, por volta das 3 horas da madrugada, fomos violentamente despertados por estrondos e enorme claridade que tornava dia o quartel e a sirene de alarme soando sem parar. Instantaneamente correu a noticia que se tratava de uma invasão de terroristas e que todos deveriam se dirigir rapidamente aos respectivos pelotões para, pegar cada um o seu rifle Fall e o capacete de aço e aguardar as instruções.
Minutos depois, debaixo das explosões que se ouvia praticamente por toda cidade, fomos informados que todo aquele barulho nada tinha a ver com terrorismo, o que acontecera é que, devido ao calor, a munição que estava guardada no almoxarifado do 2ª Companhia superaqueceu e passou a explodir, acionando inclusive granadas, que também estavam ali guardadas. Felizmente, tudo não passara de um falso alarme.
Mas nem tudo era tensão e preocupação na caserna, pois ocorriam também momentos de brincadeiras e muita alegria. Como a formação de um grupo musical composto por Zé Ramalho ao violão, eu na maracá, Oliveira no pandeiro e Adriano e Deusimar ajudando na voz. Esse grupo, composto apenas de recrutas, fazia muito sucesso na caserna, tendo inclusive se apresentado numa matinê num clube na cidade de Itabaiana, onde foi bastante aplaudido, pelo público presente no clube e principalmente pelo Capitão Jaques comandante da nossa companhia e idealizador do grupo musical.
Nem é preciso dizer, que o sucesso do grupo se devia unicamente ao recruta Ramalho, cujo talento, já naquela época, saltava aos olhos de todos.
Ao terminar o curso de cabo, estava para ser criada a 1ª Companhia de Choque, cujo nome já denunciava que era para enfrentar eventuais distúrbios nas ruas. Com 14 vagas de cabos, os primeiros classificados no curso poderiam, se assim desejassem, engajar por oito anos, o que naquela época era um excelente negócio, considerando a grave crise de ofertas de empregos no longínquo ano de 1969.
Mesmo classificado para uma das vagas e convidado pelo Major Talião, então subcomandante daquele Regimento, declinei do convite, alegando falta de vocação e pedi dispensa da caserna, pois servir como recruta em tempos tão difíceis de nossa história tinha sido demais para aquele jovem recruta que, no final das contas, almejava outros caminhos para si e para o nosso Brasil.
Outro que rapidamente se desligou foi Zé Ramalho, pois a enorme vocação já lhe empurrava para o meio musical. O final é conhecido de todos, pois poucos anos depois, explodia no Rio de Janeiro com a música que fez para seu avô e pai – que eu tambem conheci – denominada Avoai.
O Exército perdeu um cabo, mas o mundo ganhou o excelente cantor e compositor José Ramalho, que orgulha e honra a nossa Paraíba.
Pedro M.Macedo Marinho