Pular para o conteúdo

  Julgar só com evidência do crime (Damião Ramos Cavalcanti)

 

           Palavras nos noticiários dos feminicídios: “Minha filha foi sempre ameaçada, espancada e agora brutalmente morta, espero que se faça justiça”. Já a mãe do assassino deseja o contrário: “Deus ilumine o Juiz para que ele o perdoe das falsas acusações, como bom filho, nunca foi capaz de matar”. Cabe ao Juiz, porém, dar sentença justa e apenas uma, nunca duas e contrárias, como A e ~A, do que nem Salomão seria capaz… De uma coisa temos certeza: Quem julga não agrada aos aliados do condenado, tampouco ao condenado. Restam sempre muitos resquícios de mágoa. Isso bem explica, o caráter da intencionalidade do réu, durante e posteriormente o seu julgamento.
          Julgamento, do verbo judicare, é ação de julgar, assumida pelo juiz, incumbência na estrutura organizacional do Estado, dada ao juiz como se fosse ou o é, da faculdade de julgar, o que distantemente difere de apenas um ponto de vista, de uma opinião ou de um sentimento crítico. Nesse sentido, o julgamento de um juiz se distingue, em natureza e substância de um julgamento de um psiquiatra, de um engenheiro, de um arquiteto, de um padre ou de um pastor, o que insinua a fazer uma comparação crítica entre juízo e opinião, acentuando a presença total ou parcial de veracidade em cada um desses conceitos, critérios fundamentais para que se conheça a separação e o discernimento do ato de julgar e do ato de opinar.
        Ao estudar Filosofia, a disciplina Critica (do grego kritikós ou apto a julgar), logo compreendi o que significa uma opinião, que se pronuncia apenas com a evidência parcial da coisa, também se configura mais carregada de subjetividade do que de objetividade, sobre a realidade em termos de ideias, de argumentos, de fatos, de fenômenos, sobretudo que na visão e compreensão dessas coisas, sejam essas, em falta de evidência e de certeza, como observação incerta de eventual cometa, meteoro, drone, avião ou disco voador,  e mensure-se  a incerteza ou o insuficiente grau da sua objetiva evidência.
           Ao contrário, o juízo deve ser só quando houver evidência suficiente, sem predomínio da subjetividade, à conclusão de que A é A, de modo que ~A, como na lógica simbólica, seja falsa. Enfim, o bom juiz se torna refém da objetividade do fato a se julgar. Enquanto não houver clara evidência, ele ainda se faz incompetente de proceder o julgamento, e jamais substituir provas por diatribes.  Assim, aquele que tem a missão de julgar ou de fazer juízo perante a Justiça, livre do caráter opinativo, deve julgar só com evidência do crime. Na Antropologia Filosófica, numa visão aristotélica tomista, o homem tem uma causa final, mesmo por ter livre arbítrio, sua busca por essa evidência é uma necessidade moral e não apenas uma imposição lógica.
          Em Mateus 7:1-2, quando Jesus Cristo adverte “Não julgueis para não serdes julgados”, há uma relação com o trecho, do Evangelho segundo João 8,7, quando os fariseus e sacerdotes do Templo interrogaram Jesus sobre o dever bíblico de apedrejar uma mulher adúltera, e assim Ele respondeu: “Quem dentre vós estiver sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma pedra”; palavras então desafiantes à hipocrisia e ao vil julgamento. Em ambos os casos, não existe referência alguma a quem é investido do múnus público de julgar. Contudo, a esses, parece restar, mesmo se forem justos e imparciais, o caráter de antipatia ou de aversão da parte daqueles que desejavam uma sentença contrária à promulgada

Damião Ramos Cavalcanti

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *