Pular para o conteúdo

INGÁ NA HISTORIA : O ALGODÃO DO INGÁ DE ONTEM E DE HOJE

Usina de beneficiamento de algodão Anderson Clayton & Cia, localizado no município de Ingá – Paraíba. Em Ingá, a instalação da Anderson Clayton no ano de 1936, com máquinas modernas e as isenções do governo, provocou aos poucos o desaparecimento dos pequenos vapores. A Anderson Clayton contratava um preposto, geralmente fazendeiro da região que servia de intermediário comercial, comprando o algodão dos outros produtores para ser beneficiado por seus motores. Aproximadamente no ano de 1956 a usina da Anderson Clayton foi desativada em Ingá, deixando uma imensa lacuna na economia ingaense. Todo o maquinário e vários funcionários foram transferidos para outras usinas, especialmente na cidade de Acari ou São Tomé no estado vizinho do Rio Grande do Norte. A referida montagem no Sketchup 8 trata-se da Anderson Clayton no início dos anos cinquenta.

Em Ingá (PB), Algodão Agroecológico Fomenta Autonomia no Campo e Agricultura Sem Veneno

No interior da Paraíba, produção de algodão agroecológico ganha força e número de agricultores e agricultoras e hectares plantados segue aumentando. Plantar algodão tem ajudado famílias a terem renda frente às alterações do clima.

Maria do Socorro, mais conhecida como Dona Nenê, planta algodão agroecológico num roçado só seu há dois anos. Ela é uma das agricultoras cultivando a fibra em esquema consorciado de produção orgânica em Ingá, no interior da Paraíba. Nascida e criada no município com pouco mais de 18 mil habitantes, Dona Nenê, assim como a maior parte das agricultoras na região, começou cedo a trabalhar com os pais no roçado e não foi alfabetizada, integrando as estimativas de 11 milhões de brasileiros analfabetos no país segundo dados do IBGE. 

Até pouco tempo, Nenê não tinha nem CPF, documento que precisou tirar para abrir conta em banco e receber pela própria produção. Só agora, com cerca de 60 anos, ela conquistou certa autonomia cívica. Sua idade é estimada, pois ela faz parte do grupo de 3 milhões de brasileiros sem registro civil de nascimento. De  poucas palavras, meio tímida e meio ressabiada, ela conta que divide os cerca de quatro hectares de plantação com o marido, “mas o dinheiro é nosso, tenho minha conta e meu roçado, mas é dele também”, fala com orgulho. As novas perspectivas no campo, possibilitadas pelo algodão agroecológico, têm atraído mulheres em busca de autonomia de volta para a agricultura. Hoje são 17 agricultoras e 21 agricultores plantando algodão agroecológico em 57 hectares. 

Marta Janete (67) é uma das agricultoras que deve voltar a plantar e ajudar a alcançar os objetivos do grupo de ampliar a produção. Para ela, não vai ser a primeira vez trabalhando com o algodão, mas vai ser a primeira vez trabalhando sem veneno. “Eu andava com o veneno nas costas e saia pulverizando. No fim do dia minhas pernas estavam vermelhas e inchadas. Eu acho que devia ser pelo agrotóxico, porque a gente espirrava e o vento trazia de volta pra gente”, relembra. O que impediu Marta de começar antes foi a dificuldade do transporte, como as casas ficam longe do roçado é preciso achar uma forma de ir e vir; as plantações estão dentro de fazendas particulares cuja terra está emprestada aos agricultores para a produção do algodão.

A retomada da produção em escala industrial acontece em meio a dificuldades, traumas e incentivos. Isso porque todo mundo ali trabalhava com algodão. Até o início dos anos 80, quando a chamada “praga do bicudo” dizimou as plantações e quebrou os agricultores. “O bicudo fez companheiras e companheiros irem buscar empregos em outros lugares, muitos nunca mais voltaram”, conta Severino Vicente da Silva (70), mais conhecido como Biu. “Quando começamos a plantar algodão novamente, muitos companheiros falavam que estávamos trabalhando para o bicudo e não acreditavam na possibilidade do algodão agroecológico”.

Biu parou de plantar algodão em 1983, mas em 2020 foi um dos 5 agricultores que toparam voltar a produzir por meio do projeto encabeçado por um grupo composto por marcas, tecelagens e a prefeitura de Ingá, e que envolve as comunidades de Pedra D’água, Distrito de Pontina, Sítio Pontina, Sítio Cutias, Fazenda São Paulo, Sítio Cururu, Fazenda Umatai, Sítio Pedra Lavrada e Sítio Piaba.

Maria do Socorro (Dona Nenê)
Severino Vicente da Silva (Biu)
Maria Janete

Como Presidente do Sindicato da Agricultura Familiar, Biu tem a missão de estimular a comunidade a voltar a plantar algodão, mas tal tarefa ficou mais fácil quando ele mesmo ficou totalmente convencido com os frutos de sua primeira colheita. “Plantei somente 5 hectares, mas tive uma ótima safra e ganhei dinheiro. Este ano, já estamos em 46 hectares. Das 43 famílias associadas, 38 já vão colher algodão orgânico em setembro, inclusive a minha família”, comemora.

O grupo recebe assessoria técnica para  agricultura inovadora e agroecológica por meio da Empresa Paraibana de Pesquisa Extensão Rural e Regularização Fundiária  (EMPAER). Desta forma, eles aprendem não só o que é preciso para conseguir certificar devidamente a produção, como também as melhores formas de lidar com o bicudo e isso envolve tanto técnicas de caráter substitutivo, ou seja, usar melado de cana com óleo de algodão ao invés de agrotóxicos, como também plantar nas janelas temporais corretas para que o bicudo não se prolifere. 

Para além do bicudo, a seca

Ingá, assim como outras regiões do semiárido, foi recém castigada com uma estiagem de quase onze anos – até o mês passado, quando choveu demais. “Era cerca de 700, 800 ml de chuva por ano, o que são 800 ml de chuva?”, pontua Antonio Barbosa da Silva (79), conhecido também como Seu Calú. “Aqui a gente tá acostumado com a seca, mas ela durava 4, 5 anos. Desde que nasci, essa foi a primeira vez que ficou tanto tempo sem chover”. Menos pior a seca ter acontecido após a implementação do programa Cisternas, iniciado em 2003 na gestão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), responsável por levar 1 milhão de cisternas para o semiárido brasileiro, e que foi paralisado desde o início da gestão do presidente Jair Bolsonaro (PSL). Menores, as cisternas do programa eram exclusivamente para beber e cozinhar, com 16 mil litros. Agora, o objetivo é ampliar o número de cisternas com capacidade de 50 mil litros destinadas à produção agrícola. 

Assim como Marta Janete, Seu Calú já tinha trabalhado com o algodão e com veneno. “Muita gente ficou doente e muita gente morreu, sinceramente, a gente acha que foi pelo agrotóxico”, relembra. Agora, ele é presidente da Cooperativa dos Agricultores Familiares do Município de Ingá e Região (Itacoop), responsável por agrupar as diversas associações existentes num sistema cooperativista que envolve desde a plantação do algodão até o processamento futuro do óleo de algodão. A próxima missão da cooperativa é conquistar a certificação orgânica para o milho, o feijão e a fava com objetivo de aumentar a renda dos agricultores na hora da venda dos alimentos não utilizados para subsistência, o que ajuda a garantir maior resiliência econômica frente às alterações do clima. 

O longo período de estiagem, por exemplo, veio acompanhado de uma chuva posterior tão intensa quanto inédita Os açudes ficaram cheios novamente e o algodão abriu, mas a maior parte dos agricultores perdeu a produção de feijão. É por isso que o cultivo do algodão consorciado com alimentos é importante. Além de funcionar como barreira de proteção, faz parte da estratégia da segurança alimentar. “Se chover muito, perde o feijão e o milho. Se não chover quase nada, perde a fava. De qualquer forma, o algodão floresce e tem fibra. E com o dinheiro da colheita podemos sustentar a família”, diz Biu. 

Agricultor de algodão agroecológico em Ingá (PB)
Antonio Barbosa da Silva (Seu Calú)
Agricultor de algodão agroecológico em Ingá (PB)
Severino Pedro Nunes
Agricultores de algodão agroecológico em Ingá (PB)
Severino Amaro e Carlos Antônio

Para Severino Pedro Nunes (72), apesar da seca, nunca faltou fava, produção da qual ele se orgulha: “sempre deu para colher alguma coisa, se você ver agora meu roçado, a fava tá linda”. Severino faz parte da turma dos menos convencidos, mas deve aumentar sua produção de algodão para o próximo ano. “Tem que cuidar do roçado e ficar de olho no bicudo, se aparecer tem que enterrar fundo ou queimar”, explica ele. Ele é um dos poucos agricultores cujo filho ficou em Ingá. A maior parte dos jovens saiu da agricultura e foi buscar emprego em outro lugar. Ampliar a renda da agricultura familiar por meio da produção de algodão também é uma forma de reter ou atrair de volta os jovens que saíram da agricultura.

Dois pontos importantes precisam ser destacados no projeto, que se mostram cruciais para manter e ampliar a produção do algodão agroecológico no Brasil. O primeiro é o arranjo produtivo com contrato de compra garantida. Ou seja, toda a safra já está vendida para tecelagens e confecções da Paraíba e de outros Estados e não há risco do agricultor plantar e não ter para quem vender. No caso dos agricultores de Ingá, o valor pago ao agricultor pelo quilo do algodão é o maior do país. Outro ponto é que o grupo tem o próprio banco de sementes com total independência.

Fonte : Modifica

Texto
  • Marina Colerato
Imagens

Victoria Lobo (capa)

Marina Colerato