Pular para o conteúdo

Há 70 anos, Hiroshima sofria com a explosão da bomba atômica

6 de agosto de 1945: o dia que ainda não acabou no Japão

Reportagem resume dor e crueldade impostas aos japoneses — não só num esforço para acabar com a guerra, mas numa demonstração inequívoca de força dos Estados Unidos

EDUARDO PIERRE

Rio – Que é crueldade? O que se passou em Hiroshima a 6 de agosto de 1945 com certeza resume o sentimento. Este quarto capítulo da série especial do DIA sobre os 70 anos das bombas atômicas sobre o Japão começa propondo um exercício: tentar, por um momento, isolar aquela cidade do contexto do conflito — suas estratégias, as necessidades, os interesses. Imaginar apenas os cidadãos, crianças, adultos, idosos, numa manhã de segunda-feira.Há, contudo, que se situar Hiroshima. Era um importante porto e base militar durante a guerra — mas que havia sido poupada até então. Tóquio, por exemplo, estava reduzida a cinzas após ‘chuvas’ de bombas incendiárias nos últimos meses— as celebradas cerejeiras florescem toda primavera sobre túmulo coletivo com cerca de 100 mil vítimas dos ataques dos B-29s. A trégua não tinha motivos nobres como o que poupou Kioto, famosa pelos palácios milenares. Os Estados Unidos não destruíram Hiroshima antes porque queriam medir todo o potencial da arma recém-concluída.

Foto:  Arte: O Dia

De volta ao dia 6. O Enola Gay do comandante Tibbets lançou a Little Boy às 8h15, mirando a Ponte Aioi, com a peculiar forma em ‘T’. A queda durou 44 segundos. A 504 metros do solo, a carga de pólvora ativou as partes de urânio. E o que se seguiu foi a morte.

Outro exercício. Agora, tentar frear o tempo e imaginar separadamente o que aconteceu em poucos minutos. Primeiro, o clarão: uma luz branca tão brilhante quanto o Sol não só cegou quem a mirou, mas também vaporizou quem estava perto dela. A temperatura no hipocentro chegou a seis mil graus Celsius. Depois, a onda de choque. A explosão deslocou quantidades absurdas de ar, que a 1.600 km/h derrubaram prédios e arrastaram pessoas como se fossem bonecos de plástico em frágeis castelos de cartas. Aí veio o fogo, lambendo o mesmo círculo já arrasado, terminando o que seria apenas a primeira parte da destruição. Até esse momento, já eram quase 170 mil mortos.

Mas havia mais. A bomba, atômica, reservava um mal ainda maior: a radioatividade. E ela veio em dois tempos. A primeira onda surgiu na forma de viscosa chuva negra, resultado da imensa nuvem em forma de cogumelo que se formou sobre Hiroshima. Sedentas, as pessoas bebiam daquele líquido sem saber que se tratava de veneno. E se contaminavam de radioatividade que não tardaria a se manifestar. De 1946 em diante, estimam-se mais 160 mil mortes em decorrência de doenças.

Muitos depoimentos ficaram gravados na história. De todos eles, este especial destaca o de Sakue Shimohira, dado à HBO. “A luz entrou e iluminou a sala. De repente, eu e minha irmã sentimos a onda da explosão e fomos atiradas para o ar. Caímos contra a parede. Desmaiei. Despertei e, à minha volta, pessoas com os olhos pendurados, completamente queimadas, com a pele dependurada. Vi dois corpos queimados, não muito longe. Um deles tinha buracos nos lugares onde antes eram os olhos e tinha um dente de ouro. Era nossa mãe. O corpo se desmanchou em cinzas tão logo o tocamos.” A irmã dela se suicidou, jogando-se contra um bonde.

Sakue lembra que, nos meses seguintes, médicos americanos apareceram. “Fomos usados como cobaias. Se tínhamos manchas roxas ou diarreia, examinavam-nos, mas não nos tratavam. Não podíamos viver nem morrer como seres humanos.” Cruel. “Toda esta dor que carregamos nos nossos corações e nos nossos corpos tem que terminar conosco.”