Toda vez que eu perco alguém muito próximo sinto que o meu mundo vai encolhendo. Foi isso que experimentei quando soube da morte de Marciano Soares, um desses amigos-irmãos que nos chega por gravitação, segundo a lei de Newton, ao longo da vida. Sem ele o meu espaço perdeu um bom pedaço. Conhecia-o desde quando veio de Campina Grande para morar em Jaguaribe. Havia casado há pouco tempo com Ditinha, sua companheira de mais de 50 anos. Vi-o alegrar-se muitas vezes com as vitórias do Treze e o vi chorar uma vez quando perdeu o irmão Márcio, mais jovem que ele. Conhecia muito bem seus pais e sua irmã, era uma bela família. Vi seus dois filhos nascerem, crescerem e tomarem novos rumos para consolidar as gerações descendentes; e como ele os amava. Vi a sua alegria diante dos netos Certo dia cheguei de Brasília e soube que ele havia perdido um filho e tentei consolá-lo com a triste experiência de quem já havia sentido a mesma dor. Depois cheguei do Rio de Janeiro e soube da morte do outro filho, e não tive palavras para aliviar o seu padecimento. Era demais, ele, Ditinha e os netos, faltando o suporte do meio. No início do ano passei em sua casa e ele estava dormindo. Ditinha me contou que ele entrara em parafuso, não conseguia superar a dor da ausência dos rapazes. Soube também que ele havia desenvolvido uma cirrose em consequência da bebida onde procurava envenenar seus dias e afogar a dor, a aflição e as mágoas do seu suplício. Não conseguiu desarmar a bomba-relógio, desencantou-se com o mundo e perdeu o prazer dos valores pelos quais vale a pena lutar. Quando me disseram que ele estava na UTI não tive força de vê-lo entubado; preferi guardar a sua imagem exuberante, alegre e descontraída dos momentos que passamos juntos como bons amigos que éramos nas transmissões de jogos, no dia-a-dia da rádio e nas dezenas de viagens que fizemos pelo interior do estado e por este Brasil afora para levar a alegria do futebol aos seus torcedores.
O meu ambicionado projeto desde pequenino era ser jornalista e ele me abriu as portas quando dirigia a equipe de esportes da rádio Tabajara, na década de 60. Chamou-me e disse que no primeiro dia eu teria a missão de informar apenas a escalação do Botafogo, no microfone. Por uma dessas peças que o destino nos prega, o repórter titular daquele jogo, Manoel Batista, era aluno do curso de arbitragem da Federação Paraibana de Futebol e foi escalado de última hora para apitar a partida. Mesmo sem a experiência de trabalhar com um microfone na mão coube-me a missão de substituí-lo no confronto do Botafogo contra o Esporte de Recife, nos idos de 1965. Deram-me um microfone sem fio que eu só aprendi a usar as suas teclas quando já me encontrava atrás da baliza. No fim da partida recebi o abraço de toda a equipe, havia nascido para a imprensa e sabia. Nos meses seguintes assumi a titularidade do posto, transferi-me do Banco Industrial para a rádio Tabajara e ganhei dele o slogan: Gilvan de Brito, o camisa 10, em alusão ao número de Pelé. Do esporte para o jornal foi um pulo, enquanto Marciano, que gostava muito do futebol, preferiu continuar na equipe esportiva onde era, naquela época, tido e havido como o melhor narrador esportivo da Paraíba ao lado de Ivan Thomás. Então eu segui fazendo imprensa escrita, em caminho paralelo. Estou relatando esses fatos para lhe fazer justiça pela chance que me deu, permitindo realizar um sonho, ao abrir as portas que me levariam a ocupar anos após todos os postos de vários jornais (Correio da Paraíba, O Momento, A União, Edição Extra, Diário de Pernambuco e Jornal de Brasília), desde a reportagem, passando pela redação, chefia de reportagem e de redação, chefia de sucursal, colunista, correspondente, editoria de política e, enfim, editoria geral. A além disso a Secretaria Parlamentar da Câmara dos Deputados e a coordenação geral do Ministério da Indústria, Comércio e Turismo, em Brasília, durante 12 anos. Sou-lhe eternamente grato e disso nunca fiz segredo. Inclusive prestei-lhe homenagem num de meus livros, “Relatos de Viagem”, que conta desventuras do Botafogo da Paraíba numa excursão à Europa em 1984. Também dividi com ele espaço durante quatro anos no Serviço de Alimentação da Previdência Social e outros quatro anos na bancada de imprensa da Assembleia Legislativa, a qual presidiu na década de noventa.
Da nossa época da Tabajara muitos já se foram, como Virgílio Trindade, Ernani Norat, Ivan Thomás, Geraldo Cavalcante, Jair Santana, Rijose Pereira, Hitler Cantalice, Martins Neto, Enedino Nascimento, Waldemar Paulo e agora Marciano Soares, mas outros estão ai para contar a história da nossa equipe – como o autor deste e mais, Ivan Bezerra, Marden Goes, Erialdo Pereira, Bernardo Filho, Marcos Aurélio, Wandal Dionísio, José Maria Fontinelli, Marcônio Edson, Rildo Meneses, Damásio Sousa, Eudes Meneses, João Camurça, Eudes Toscano, Ginaldo Silva, José da Penha, Wilson e Clodoaldo dentre outros que formaram, sem qualquer dúvida, a maior e melhor equipe de esportes do rádio paraibano de todos os tempos.
Marciano se foi, mas sempre será lembrado pelos seus amigos como aquela figura amiga, terna, afetuosa, solidária e fraterna que nunca deixou de oferecer o seu apoio ou uma palavra de incentivo àqueles que o rodeavam. Sei que jamais o verei porque não acredito na fantasia de mundos paralelos ou na existência de vida após a morte. Mas acredito, sim, que nós chegamos aqui para cumprir uma missão, e ele realizou a sua de forma competente e de louvores summa cum laude, no rastro dos belos exemplos que semeou pelo caminho, enquanto teve paz de espírito para nortea-lo. Por isso quero pedir um minuto de silencio de seus amigos para homenageá-lo.
MARCIANO SOARES
Gilvan de Brito*
* Gilvan de Brito é Jornalista, advogado, escritor e dramaturgo.