BRASÍLIA – A gestão Bolsonaro (2019-2022) ocupou espaço central na cerimônia promovida pelo Palácio do Planalto, nesta quinta-feira, 3, para divulgar o balanço das entregas federais nos dois primeiros anos de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A prestação de contas teve tom de campanha política no momento em que Lula enfrenta forte queda de popularidade.
O ato foi planejado para passar a mensagem de que o governo Lula é bem melhor do que a percepção popular. Onze das 36 medidas anunciadas como entregas da administração petista fazem referência explícita a melhorias em relação aos quatro anos sob Jair Bolsonaro (PL).
Intitulada “Brasil dando a volta por cima”, a solenidade durou uma hora e contou com três telões exibindo números com realizações do governo, além de depoimentos de beneficiados por programas sociais, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília.
Sob a batuta do ministro da Secretaria de Comunicação Social (Secom), Sidônio Palmeira – marqueteiro da campanha do PT em 2022 –, o governo anunciou que, nos últimos dois anos, o Brasil cresceu duas vezes mais do que “a média registrada entre 2019 e 2022”. Para enaltecer o crescimento do salário mínimo, a aposta foi comparar o atual valor à estagnação do piso sob Bolsonaro.
“Ao longo deste evento, apresentamos um breve balanço daquilo que fomos capazes de realizar em apenas dois anos, a começar pela reconstrução de um país deixado em ruínas pelo governo anterior”, disse Lula em seu discurso, sem citar o nome do ex-presidente. “Ainda há muito a ser feito. Precisamos da união de todos para derrotar o ódio e a mentira.”
A cartilha entregue aos participantes já anunciava que “a principal tarefa dos primeiros dois anos foi a reconstrução do que havia sido destruído”. E emendava: “Só que reconstruir é ainda mais difícil do que construir porque, antes de começar, você precisa retirar os escombros e limpar o terreno”.
Lula aproveitou o discurso para mandar indiretas a Bolsonaro ao dizer que seu governo “não tolera ameaças à democracia, não abre mão de sua soberania” e “não bate continência para nenhuma outra bandeira que não seja a verde-e-amarela”. Foi aplaudido. Pouco antes, a plateia gritava “Sem anistia!”, “Sem anistia!”.
Resvalando na seara internacional, Lula respondeu à decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de taxar as importações do Brasil em 10%. Afirmou que o Brasil “fala de igual para igual e respeita todos os países, mas exige reciprocidade” no tratamento.
“Defendemos o multilateralismo e o livre comércio, e responderemos a qualquer tentativa de impor um protecionismo que não cabe mais hoje no mundo. Diante da decisão dos Estados Unidos de impor uma sobretaxa aos produtos brasileiros, tomaremos todas as medidas cabíveis para defender nossas empresas e nossos trabalhadores”, avisou o presidente.
Propaganda marca solenidade
Na prática, a cerimônia foi um ato de propaganda do governo, marcado pelo clima de campanha de Lula à reeleição. O presidente chegou ao Centro de Convenções aos gritos do bordão de todas as suas disputas eleitorais. “Olê, olê, olê, olá, Lula, Lula”, entoava a plateia. Com capacidade para 3 mil pessoas, o auditório estava lotado.
Cidadãos que viram suas vidas transformadas por programas sociais dos governos petistas, como o Bolsa Família e Farmácia Popular, subiram ao palco para contar suas histórias.
Lula disse que o Minha Casa, Minha Vida passará agora a atender famílias de classe média, anunciou que “vem aí a TV 3.0?, sem dar mais detalhes, assinou um decreto que antecipa o pagamento das parcelas do 13.º de aposentados e pensionistas para abril e maio e destacou a “atualização do programa Celular Seguro”. Em todas as pesquisas, a segurança pública aparece como uma das principais preocupações da população.
Foi lançada ali a campanha “O Brasil é dos brasileiros”, que será exibida na TV, no rádio e nas redes sociais. O slogan é uma contraposição ao mote “Faça a América Grande de Novo”, usado por Trump. O Brasil foi apresentado na cerimônia como “o país da prosperidade”, termo central no léxico evangélico. Trata-se de um eleitorado que, em sua maioria, rejeita Lula e do qual ele vem tentando se aproximar.
Diante da popularidade do presidente em queda livre desde o início do ano, a tônica do ato foi de responsabilização da gestão passada. Pesquisa Genial/Quaest divulgada nesta quarta-feira, 2, mostrou uma avaliação negativa recorde do governo Lula, de 41% , enquanto a positiva ficou em 27%.
Pelos números da Quaest, o índice dos que não gostam da gestão do presidente saltou de 49% em janeiro para 56% em março. No mesmo período, a aprovação de Lula caiu de 47% para 41%. Além disso, na opinião de 56% dos entrevistados, o Brasil está na direção errada.
Sidônio negou que a cerimônia tivesse tom eleitoral. “O principal objetivo do evento é divulgar as realizações do governo. E aqui claramente está tendo um problema: tem muita coisa acontecendo e não existe uma associação com o governo federal”, destacou o ministro. “Fazer um ato como esse é um dever do governo para informar a população”. Depois, dirigindo-se aos jornalistas, perguntou: “Vocês acham que é político informar o trabalho do governo?”
Como mostrou o Estadão, Sidônio afirmou que não se isenta nem assume a culpa pela impopularidade do governo. “Impopularidade tem responsabilidade de todos os ministros, todas as áreas”, admitiu.
Há tempos, porém, aliados do presidente não escondem a preocupação com o que julgam ser um descolamento da avaliação da sociedade sobre as entregas do governo e os números da economia. Pior: pesquisas mostram que a insatisfação agora atinge antigos eleitores de Lula, como os mais pobres e moradores do Nordeste.
“Isso nos incomoda. Tem um problema de percepção”, argumentou o deputado Lindbergh Farias (PT-RJ), líder do governo na Câmara. “A nossa sensação é que, apesar de tudo o que a gente está entregando, há um descolamento.