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Eu acuso a imprensa de ser também culpada (Por Mario Sabino)

“Não estamos no negócio da “verdade”, ao menos não com o V maiúsculo. Nosso trabalho é coletar e apresentar fatos relevantes ou boas evidências. Além desse ponto, a verdade rapidamente se transforma em questão de interpretação pessoal, ‘experiência vivida’, julgamento morais e outras considerações subjetivas que afetam todos os jornalistas, mas que não devem enquadrar as suas coberturas. O único lugar no qual a verdade não objetiva pode ter um papel de valor na imprensa é na seção de opinião.”

 

“O fato é que essa objetividade difícil de colocar em prática não invalida que seja o objetivo desejável. Ao contrário, o padrão da objetividade é de grande ajuda aos editores que tentam impedir que os repórteres deem sua própria opinião sobre as coisas ou excluam da cobertura pessoas e argumentos de que não gostam.”

 

A subjetividade como filtro objetivo

 

Ao analisar como a imprensa vem tratando os conservadores, os adeptos do homeschooling, os portadores de armas e os apoiadores de Donald Trump, Bret Stephens diz:

 

“Neste momento, grande parte do jornalismo convencional está falhando nessa tarefa (de ser objetivo e imparcial), tratando essa parte dos Estados Unidos com condescendência e xingamentos (“racista, “desinformado”, “fóbico” e assim por diante). Um dos propósitos da objetividade na reportagem é que ela pode forçar a imprensa a ouvir todos os tipos de pessoas, sem lançar calúnias morais — ao mesmo tempo que permite que essas pessoas se vejam e se ouçam representadas na mídia de uma forma que não seja o menosprezo e a depreciação. Essa é outra boa maneira de reconstruir a confiança.”

 

Vale para os Estados Unidos e vale para o Brasil. Vale para a esquerda e vale para a direita. Estamos nos achando tão donos da verdade que perdemos o pudor para utilizar a nossa subjetividade como se fosse filtro objetivo, por considerarmos que estamos “do lado certo”. Que começamos a justificar censura a quem está “do lado errado”. Que já aceitamos a autocensura. A polarização — e com a maior porção dos jornalistas do lado esquerdo da Força — deixou os defeitos jornalísticos ainda mais evidentes. Erodimos a confiança na imprensa ao empilhar fatos fora do contexto, como fazem igualmente os idiotas da objetividade. Ao misturar informação com opinião, de forma sorrateira. Ao achar que é lícito contaminar a apuração de uma reportagem com militância, de forma dissimulada ou não, seja em favor de uma personalidade, de um partido ou de uma causa (e ela pode até ser nobre). Ao usar o “outroladismo” como simulacro de equilíbrio. Ao apoiar liberticidas quando nos convém, a pretexto de combater golpistas e terroristas que devem ser enfrentados sem efeitos colaterais na sociedade.

 

Já cometi alguns desses pecados elencados acima, tanto como repórter, como na função de editor, em quase 40 anos de carreira. Se tenho atenuante, é que nunca fui muito bom nessa coisa de esconder o que penso e ainda tenho essa tendência de externar os meus erros. Não vejo problema em ser odiado pelos motivos certos, ao contrário de tantas vestais que esqueceram o que fizeram no verão passado, mas que se esforçam para ser amadas pelos motivos errados. Por isso mesmo, digo com tranquilidade que a culpa pelas dificuldades por que a imprensa passa, para além daquelas inerentes à profissão e às suas circunstâncias, é também dos jornalistas. Na minha opinião.

 

Fonte : Metrópoles