Quem se fecha aos sentidos abre o céu.
Eu era criança lavada de choro.
Minha mãe, com a cabeça envolvida numa rodilha, disfarçava a enxaqueca herdada da avó e me mantinha colado ao peito.
Ali, eu me sabia ainda no paraíso — e sentia que o parto, pela costura do tempo, não tinha me expulsado por inteiro.
O céu, descobri cedo, era minha mãe.
Certa noite de um 13 de maio, como este de agora, minha rede foi armada na porta da Sala das Imagens.
Através dos vãos do tecido, eu via minha mãe, minha avó, meus irmãos, minhas tias — e o oratório com a imagem da Virgem da Conceição, de olhos doces e anjos dourados.
Era um primeiro sábado. Cantavam o Ofício.
E eu via os anjos se moverem na tessitura da música, mudando de cor a cada piscada.
Riam comigo — e eu, com eles.
Depois da ladainha e da música da aparição de Fátima, veio o café. De um cheiro como nunca mais encontrei.
Foi ali, no calor do bule e das línguas soltas, que uma das rezadeiras contou a história — entre um riso escondido e um olhar de censura.
“Uma prima da Casa do Alto, exibida como ela só, ajoelhou-se pra receber a hóstia na missa, levantou-se já de olhos fechados e saiu tão contrita, andando em linha reta, que passou pela nave, saiu da igreja, desceu as escadas sem tocar o chão… e desapareceu.”
A história era contada entre risos contidos e olhos arregalados.
Diziam que ela queria se mostrar — e Deus puxou.
Outras sugeriam que tinha coisa mal contada naquela fé exagerada: fuxicos, histórias antigas, desrespeito à moral da família.
Na roda do Riachão, cada tia contava a história de um jeito. As meninas de Sá Mariinha disputavam com as da Tia Sana a exclusividade do milagre — ou da chacota.
Na igreja, cobertas com véus, pareciam aparentadas. Mas fora dela, se separavam até no tom do amém.
Eu, nos abraços de minha mãe, me sentia como o Cristo da imagem do Perpétuo Socorro. Desde essas missas, eu perco sandálias.
O fato é que ninguém a viu descer.
Ninguém a viu fora da igreja.
Nem grito, nem queda, nem rastro.
Diz-se que ela escafedeu-se. Que voltou pro céu.
Alguns juram ter visto cruzes novas na colina de trás. Outros falam de filhos seus, adotados em São Paulo, ela casada com antigas histórias que andam sozinhas.
Mas nada disso se provou.
Minha irmã, Marah, estava lá.
Disse que viu. Disse que foi real.
Mas terminou com os olhos úmidos, rindo entre o sagrado e o deboche:
“Deus não se repete…
…só deixa sinais pra alimentar a fé.”

Por Irapuan Sobral