Para a maioria das pessoas, passar dos 100 anos de idade parece um feito improvável. Mas em Bauru, no interior de São Paulo, um homem completa 126 anos nesta segunda-feira e pode ser o mais velho do mundo. José Aguinelo dos Santos nasceu em um quilombo em Pedra Branca, no interior do Ceará, em 7 de julho de 1888, quase dois meses depois que a Lei Áurea extinguiu a escravidão no Brasil.
Apesar da idade avançada, ele se recorda da família, dos pais e da juventude no quilombo. Com dificuldades na fala, “Zé” como é chamado pelos funcionários do asilo Vila Vicentina, onde vive desde dezembro de 1973, conta que não teve filhos e que nunca se casou. “O tempo passou”, disse.
O asilo não tem informações sobre possíveis familiares do idoso, como irmãos ou sobrinhos. A psicóloga que o acompanha, Mariana Canassa da Silva, explica que na época em que ele foi morar no asilo não era preciso citar esse tipo de informação. Mariana trabalha na Vila Vicentina há pouco mais de um ano e convive diariamente com o idoso. Ela conta que, em alguns momentos de maior lucidez, José Aguinelo relembra o passado.
“Não sabemos se os pais dele foram escravos, mas ele sempre conta que nasceu num quilombo. Que lá eles plantavam milho, mandioca. De lá ele veio para São Paulo para trabalhar na lavoura de café, mas ele não se recorda como essa viagem foi feita, nem quando. Só se lembra que morou em Jacuba (bairro rural de Arealva, município vizinho a Bauru)”, explica.
“A gente até tenta puxar conversa com ele, pergunto como vão as coisas, onde ele morava, mas ele não gosta muito de conversar”, conta o aposentado Arthur Bertaglia, de 84 anos, também morador do asilo.
Apesar de não receber visitas de familiares, segundo a psicóloga, o idoso não apresenta quadro depressivo, e apesar de ser fumante, tem uma “saúde de ferro”, tendo apenas problemas típicos da idade, como dificuldades na memória recente. “Ele não tem nenhuma doença característica da idade. Apenas recebe medicamentos para que não desenvolva a diabetes. A alegria que ele demonstra no dia-a-dia faz a gente acreditar que ele é feliz aqui, que aqui realmente é a casa dele”, avalia.
Na rotina diária do aposentado estão banhos de sol pela manhã e caminhadas pelas dependências do asilo, mas é no quarto que ele passa boa parte do dia, tendo como um dos passatempos o cigarro. Ele consome um maço por dia que é adquirido com o dinheiro da aposentadoria. O idoso divide o mesmo quarto com outro homem há 15 anos. A psicóloga também enfatiza que José Aguinelo faz quase tudo sozinho, apenas o banho é monitorado. “Ele também interage com os outros idosos no salão de convivência, dança e canta, do jeito dele, mas canta”, brinca.
“Na hora do almoço o Zé é o primeiro a chegar no refeitório”, disse a nutricionista da instituição Lilian Ferrari. No cardápio, alimentos como saladas e doces não são bem aceitos. “Café ele adora. De manhã toma café com leite e açúcar e pão puro. Ao todo são cinco refeições diárias”, disse. Questionado sobre o que mais gosta de comer, José Aguinelo é rápido. “Arroz e feijão”.
A nutricionista acredita que a alimentação saudável e regrada, além da prática de atividade física, do trabalho que o idoso desenvolvia na lavoura de café, podem ter contribuído para a longevidade. “Antigamente não se tinha alimentos industrializados como temos hoje. A alimentação era mais natural e saudável. Para se ter uma ideia, usava-se só banha de porco e sal para conservar os alimentos”, explicou.
Centenários O último Censo demográfico, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e estatística (IBGE) em 2010, constatou que 24.236 pessoas têm 100 anos ou mais no país. São 7.247 homens e 16.989 mulheres. Naquele ano a população brasileira era de 190.755.799, segundo o instituto.
Porém, a assessoria de imprensa do IBGE afirma que o recenseamento é feito por faixas etárias, por isso não há dados individualizados, ou seja, não é possível saber se há outra pessoa no país com idade igual ou superior a de José Aguinelo. Quarenta e oito idosos vivem na Vila Vicentina em Bauru. Além do aposentado, outras três mulheres já ultrapassaram os 100 anos.
Recorde mundial O homem antes considerado o mais velho do mundo, segundo registro do Guinness World Records, morreu no mês passado com 111 anos. O polonês Alexander Imich era químico e parapsicólogo aposentado, e morava nos Estados Unidos. Com isso, a direção da Vila Vicentina estuda entrar em contato com os organizadores do livro para que o novo recorde possa ser registrado.
“Não por uma questão de status, mas pelo cunho científico. Para que o caso do seo José Aguinelo seja estudado, por exemplo. As pessoas que chegam nessa idade são poucas”, avalia o vice-diretor da instituição, César Siqueira Campos.
A gerente de relações públicas do Guinnes World Records em Nova York, nos EUA, Jamie Antoniou, informou à reportagem do Terra que, com a recente morte do polonês tido até então como homem mais velho do mundo, outros casos similares estão sendo investigados. Porém, informações como a idade ou o país onde essas pessoas vivem não foram divulgadas.
“O problema é que essas pessoas geralmente não têm prova de início da vida, de nascimento válida. Precisamos ser capazes de ter provas. Documentos tais como cartões de segurança social, carteiras de motorista, passaportes, etc, são todos considerados documentação “de fim de vida” e não são suficientes para que possamos ser capazes de verificar”, disse.
A gerente orientou que a direção da instituição onde o idoso vive faça um pedido formal ao Guinness para que o caso passe a ser estudado. A investigação leva cerca de seis meses e não tem custo. Antoniou informou ainda que o consultor sênior de gerontologia do Guinness irá dar atenção ao caso do brasileiro.
O livro dos recordes é publicado anualmente com 4 mil registros de recordes, dos mais variados tipos. O banco de dados do Guinness tem atualmente cerca de 40 mil registros de recordes mundiais. Cerca de 50 mil pedidos de quebra de recordes são feitos à instituição todos os anos.
Terra