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E se eu os perder?( Thomas Bruno Oliveira)

ELA SE PREPARA para sair mais cedo do trabalho. A conversa com o chefe é antecedida de pedidos das colegas de trabalho. Sem que ela soubesse, algumas de suas amigas pediram encarecidamente que a liberassem duas aulas mais cedo hoje, pois sua filha mais nova está completando quinze anos e ultimamente ela anda muito depressiva.

 

– Senhor Diretor, gostaria de comemorar os quinze anos de minha filha hoje à noite. O senhor poderia me liberar das duas últimas aulas? Depois as reponho com prazer. “Tudo bem”, ele respondeu e a desejou uma bela noite.

 

Toda contente, ela vai à padaria, compra alguns salgados, segue para casa cheia de bagagem, além do bolo e salgados, portava uma bolsa cheia de provas e outra com seus pertences e ainda uma coleção de livros que deveria analisar. Sim, tarefa nobre para uma das professoras mais competentes da escola.

 

Era umas 17h15 e o trânsito já demonstrava o seu nervosismo. Anda um pouco e para, gastando aquele precioso tempo em que já poderia estar em casa. Naquele instante, seu espírito é tomado por um pensamento reflexivo, muitos momentos de sua vida, e daqueles quinze anos principalmente, eram tangidos por sua mente compondo imagens que se sobrepunham assim como um filme. Lembrou da ansiedade no dia de ter sua primeira filha, da escolha do nome, de quando era feliz com seu ex-marido (que foi seu segundo namorado). É, tem dois anos que eles não se encontram, não trocam palavras, separação abrupta e sem qualquer chance de retorno. De amável e compreensivo, ele se tornou violento e egoísta. Antes da separação, disse que não aguentava mais sentir o cheiro dela, a voz o irritava e a passividade com que ela levou tudo isso, fez ele tripudiar e até dizer para família e amigos que não sabia que havia casado com uma mosca morta. Em pensamento respondeu: “Mas fomos felizes por um período, bons tempos”, um misto de dor e saudade que se desfaz ao lembrar que na atualidade o pai do casal está em um esforço profundo para afastá-la de seus filhos com artimanhas diversas.

 

Seu filho mais novo está no momento de escolher seu time de futebol e o pai o tem levado até para treinamentos. Inscreveu o garoto na escolinha do clube, engraçado que eu, minha família e até os irmãos dele torcem pelo Treze, mas ele é raposeiro e está forçando de todas as maneiras para que o filho também seja. Depois da separação, ele tem ido buscar e deixar a filha na escola, coisa que nunca fez, e ainda a matriculou na natação. Aquele justo sentimento de pertença aos filhos estava esgotando sua saúde mental. Já eram quase dois anos de agonia, de medo de um (ou os dois) resolver morar com o pai, porque ele é mais legal, porque tá fazendo tudo o que ela como professora não tinha dinheiro nem tempo. O pensamento se esvaiu quando chegou em casa. Pediu ao taxista que esperasse. Correu, pôs o bolo e salgados na mesa, os filhos estavam em seus quartos, o cheiro de perfume induziu a pensar que tinham acabado de tomado banho. Ela volta ao taxi, pega suas coisas e entra.

 

No sofá da sala, põe sua bagagem, retira as sandálias e o blusão, quando a filha sai do quarto toda arrumada com a roupa que ela deu no São João, falava ao celular. Seu filho também saia do quarto se ensacando. Ela se ajoelha e ajeita a roupa do rapazinho. A ligação termina e ela pergunta a filha: “e vão sair???”; “Sim, vamos jantar com painho, ele já está aí na frente!”. A porta se fecha e um precipício se abre em seus pés. Olha para o bolo e deixa cair um choro tão terno e justo. A desolação era dilacerante. Levanta e resolve tomar uma atitude drástica. No cantinho embaixo da pia, pega veneno de rato e mistura a um suco concentrado de caju que havia decantado na porta da geladeira. Enche o copo e vai até a mesa. Come um canudinho, olha para o bolo com um tímido sorriso. Põe o copo na altura dos olhos, mistura algumas vezes, mais adiante a luz morna que clareia a mesa dependurada do teto. “Mas meu Deus, o que estou prestes a fazer? Mas vai ser melhor para todo mundo, os meninos vão morar com ele e pronto”. Olha para a sala e seu olhar se fecha em um chaveiro em sua bolsa, do Centro de Valorização da Vida, o famoso CVV. Ganhou de uma amiga professora e ela resolve ligar para o 188. Aos prantos, descarrega sua alma de tudo aquilo que estava a sufocando, antes disse a atendente do veneno no suco e uma longa conversa tem início.

 

Depois de ouvir piadas, sorrir, e mesmo antes de desligar, se dá conta da tragédia que ia cometer. Jogou tudo fora! Pôs o telefone no gancho, uma leveza espiritual a fez tomar um banho e ir corrigir provas. Não foi ao escritório, preferiu a mesa e aquela iluminação amena. Abriu um vinho, pediu uma pizza e entendeu que tinha que ser ela mesma, que não podia fazer coisas impossíveis e que o encantamento era simplesmente viver. Os filhos chegaram, contentes, descreveram o passeio. Ajudou-os a ir para cama, os enrolou, beijou a testa e foi dormir com a alma tranquila por perceber que como mãe os teria para sempre.

 

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FONTE: TURISMO E HISTÓRIA