Positivo ou negativo, o relacionamento entre pai e filha pode determinar como ela lidará com o amor e com a autoestima no futuro
A memória mais marcante que a advogada Marina* tem de seus oito anos de idade não é o bolo de aniversário nem algum presente que tenha ganho, mas o fato de seu pai ter saído de casa no dia seguinte à festinha feita em casa. “Ele e minha mãe estavam separados de fato havia alguns meses, fiquei sabendo bem depois. Mas esperaram passar meu aniversário para não criar climão para mim, que era filha única”, conta.
Ela lembra que a conversa dos pais com ela foi a mais convencional possível: “Eles disseram o básico, que não se amavam mais, mas continuavam me amando, e que tudo continuaria normal, só com o papai morando em outra casa”. Na prática, a realidade foi diferente. O pai, que já estava com outra, nem sempre aparecia nos dias em que deveria ficar com a filha e “praticamente sumiu” quando nasceu seu filho deste relacionamento.
O resultado do afastamento do pai foi uma “armadura imaginária” que Marina construiu para si durante a adolescência e boa parte da vida adulta no que diz respeito aos relacionamentos amorosos. “Só percebi isso quando fui fazer análise, aos 29 anos, por causa de um princípio de esgotamento mental. O assunto amor veio à tona e me dei conta do estrago que meu pai havia me causado. Eu achava que todos os casamentos acabariam em infelicidade, então não me envolvia com ninguém. Até os 30 anos, o namoro mais longo que tive durou cinco meses. Ainda bem que consegui superar”, diz ela, que hoje tem 36 anos e está casada há um ano e meio com Pedro*, seu colega de profissão.
Padrões negativos
De acordo com a psicóloga Carmen Cerqueira César, a forma como Marina se comportou por muitos anos é um dos caminhos mais comuns entre as mulheres que se veem deixadas de lado pelos pais. “Se o pai é péssimo, a menina achará que o modelo é esse, que casamento é sinônimo de desavenças. Ela ou se resignará, achando que é normal que todo relacionamento seja triste, ou rejeitará qualquer aproximação afetiva”, afirma.
A autoestima dessas moças também fica comprometida, como explica o psicólogo comportamental Luciano Passianotto: “Por causa de um pai omisso, que esquece datas e não comparece a eventos, elas têm dificuldade para acreditar que o suporte de um parceiro seja possível. Passam também a se ver como pessoas desimportantes, ficam com a confiança abalada, principalmente da adolescência em diante”.
Influências positivas
Por outro lado, pais com atitudes parentais positivas ajudam suas filhas a encarar o mundo com mais segurança e a entrar de cabeça em bons relacionamentos. “O pai surge na vida da menina como um separador do relacionamento fusional dela com a mãe. Uma garota que se sinta amada pelo pai estará apta para o resto do mundo, para a sociedade e para amar seus parceiros futuramente”, defende Célia.
“E nem é preciso o pai e a mãe morarem na mesma casa”, argumenta Luciano, que prossegue: “Hoje, as famílias existem nos mais diversos modelos: casados, separados, famílias mosaico (quando o pai e a mãe, separados, casam pela segunda vez e têm filhos desses novos relacionamentos e todos se dão bem). O que importa é o convívio entre o pai e a filha ser bom e sólido, assim como é interessante o pai e a mãe mostrarem que são parceiros em relação à criação da menina, independentemente de serem casados”.
Carmen concorda. “Uma coisa é o ex-marido, e outra é o pai. Pode ter sido um péssimo marido, mas não deixar nada a desejar como pai. Cabe à mãe, pela saúde emocional da filha, não passar a carga negativa que tem em relação a esse homem, não fazer a garota tomar suas dores. A filha pode saber a verdade sobre o que levou a uma separação, mas não ser colocada contra ele. Se ela vir um bom relacionamento entre os dois, terá mais chances de lidar bem com os vínculos amorosos, terá mais chances de ser feliz”, finaliza a psicóloga.
Dicas para os pais melhorarem o relacionamento com as filhas:
Por não fazerem parte do universo feminino e, muitas vezes, não terem tido espaço para se aprofundar nele – especialmente se vieram de criações machistas –, alguns homens não sabem exatamente como afinar a relação com as filhas. Por isso, o psicólogo Luciano Passianotto dá algumas dicas para ajudar esses homens.
– Busque fazer muitas atividades com ela
E não se importe se é “programa para meninos”. Meninas podem ir a jogos de futebol, andar de skate no parque, pescar. O importante é ela se sentir confortável. E pode ter certeza: para ela, mais vale estar na companhia do pai do que a atividade em si.
– Inteire-se sobre o universo feminino
Principalmente à medida que a menina cresce, seus interesses ficam bastante específicos. Leia as revistas que ela lê, ouça as músicas da banda favorita dela (e saiba quem são os integrantes), acompanhe o esporte favorito da sua filha. Isso fará você entende-la melhor. De bônus, vocês terão mais assunto para conversar.
– Não fuja de nenhum assunto
Menstruação? Sutiã? Namorado? Não importa o assunto, entre no papo quando sua filha quiser compartilhar algo mais pessoal que a atormente. Para isso, é bom estudar um pouco antes: entender como funciona o ciclo menstrual feminino, por exemplo, é uma boa. Uma busca na internet resolve facilmente essa questão.
– Não esconda suas emoções
Nada de ser machão na frente de sua filha. Se algo que ela fizer lhe emocionar, pode chorar. Durante a adolescência, ela provavelmente dirá que você está pagando o maior mico, mas no fundo ela estará bem feliz com o pai participativo que tem.
*Os nomes foram alterados para resguardar a identidade da entrevistada.