São são raras as mulheres beijem outras por pura curtição. Muitas têm namorado ou parceiro fixo, mas querem aproveitar o momento sem culpa ou preconceitos. É o caso de Clara do “BBB14”, que, logo no início do programa, revelou aos companheiros de confinamento que o marido tinha lhe dado “autorização” para ficar com garotas no reality show.
Sinal verde dado, a stripper já admitiu interesse por Letícia –que, por sua vez, trocou selinhos com a eliminada Bella– e vem se mostrando cada vez mais empolgada durante os amassos com Vanessa. Recentemente, a chamou para fazer sexo sob o edredom, mas teve o convite recusado.
Mais comum entre as adolescentes e as mais jovens, a pegação nem sempre termina na cama. E, segundo especialistas em comportamento, o hábito não deve ser alvo de rótulos ou classificações, mas merece ser analisado como um sinal dos avanços de uma crescente liberação sexual feminina.
Na percepção de Juliana Bonetti, psicóloga especializada em sexualidade, a liberdade sexual da mulher vem sendo exercida com o passar das gerações de uma maneira diferente. Ela diz que, com o surgimento da pílula anticoncepcional e a assimilação do uso da camisinha, a possibilidade de conhecer a própria sexualidade, antes reprimida, se tornou possível.
“Atualmente, percebo que a nova geração transita melhor no que diz respeito às questões de gêneros e se permitem experimentar; dão mais vazão às fantasias de vivências sexuais com pessoas do mesmo gênero”, afirma.
O psicólogo Klecius Borges, especialista em terapia afirmativa para gays, lésbicas, bissexuais e seus familiares, diz que a diversidade sexual está deixando de ser um tabu para as gerações mais novas, pelo menos nos grandes centros urbanos, por se alinhar aos ideais de liberdade e de individualidade. “Para algumas, tudo não passa de diversão, sem nenhum significado afetivo-sexual, enquanto para outras pode ser uma porta de entrada para experiências homoafetivas”, afirma.
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Exibicionismo e provocação
Em um programa como o “BBB”, cujo prêmio final é destinado a quem fizer a melhor propaganda de si mesmo, não se pode desprezar o caráter exibicionista das ações dos participantes. Mesmo sem levar a soma milionária para casa, a exposição rende uma quantidade considerável de convites para eventos, trabalhos publicitários, ensaios fotográficos.
“A troca de carinhos entre mulheres, nesse caso, tem outros objetivos e intenções, entre os quais, provocar. Elas se beijam para aparecer, por vaidade, para estimular a fantasia do espectador e ganhar torcida”, opina Juliana. Para o sexólogo e psicoterapeuta Ricardo Desidério, o ser humano necessita sentir-se desejado, não importa por quem. “Então, nessas horas, tudo é válido, ainda mais no campo das vaidades”, afirma.
O exibicionismo, o desejo de quebrar as regras sociais e a vontade de despertar a excitação alheia também motivam garotas que se beijam na balada. Afinal, uma das principais fantasias sexuais masculinas é transar com duas mulheres ao mesmo tempo. No reality show, Junior já se mostrou bem animado a participar das estripulias eróticas entre Clara e Vanessa.
“No imaginário social, a imagem de um casal feminino se beijando tem uma carga emocional menos negativa. Ao contrário: é excitante para os homens heterossexuais”, diz Klecius, autor do livro “Muito Além do Arco-Íris – Amor, Sexo e Relacionamentos na Terapia Homoafetiva” (Edições GLS).
De acordo com a psicóloga e sexóloga Jussania Oliveira, as mulheres se sentem mais à vontade para colocar as brincadeiras eróticas em prática, pois sofrem bem menos rejeição. “Pode haver o preconceito, mas dificilmente elas serão vítimas de reações homofóbicas com agressões físicas”, fala. “É muito mais fácil a sociedade aceitar duas mulheres de mãos dadas do que dois homens. O próprio machismo não os permite, muitas vezes, expressar os seus desejos e sentimentos”, diz Ricardo Desidério.
Outro fator a ser levado em consideração é que as expectativas das garotas costumam ser menos condicionadas pela urgência do sexo e mais pelo estímulo e pelo prazer da brincadeira. “Comportamentos pró-sexuais não são exatamente o que homens buscam no sexo. O sexo genital é o objetivo, e não somente os beijos”, fala o psicólogo e terapeuta sexual Oswaldo Rodrigues Martins Jr., diretor do Inpasex (Instituto Paulista de Sexualidade).
Desejos de difícil nominação
As cenas do “BBB” suscitam dúvidas: Clara é bissexual, já que é casada com um homem? Só está curtindo? Ou só pode ser chamada de lésbica se for para a cama com Vanessa? São questões que levantam inúmeras hipóteses e discussões. Para Klecius Borges, as definições de identidade sexual têm se tornado cada vez mais fluidas e menos binárias (hétero ou homo).
“Já a orientação do desejo varia e pode variar com o tempo. A maioria das pessoas experimenta ao longo de suas vidas diferentes graus de desejo hétero ou homoafetivos, o que não significa que se identifiquem como sendo bissexuais. O desejo pode ser bissexual, mas a identidade sexual tende a ser hétero ou homo para a maioria das pessoas. A bissexualidade, como identidade sexual, ainda é, erroneamente, vista como uma fase pré-homossexualidade. Pode e é para muitos uma orientação e uma identidade sexual”, explica Klecius.
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Oswaldo Rodrigues, do Inpasex, é da opinião de que as mulheres que não apresentam um comportamento exclusivista para com outras são bissexuais. “O problema é que em nossa cultura o termo bissexual é mal visto e até desconsiderado por militantes homossexuais, que tendem a compreender que os ‘bi’ são homossexuais que ainda ‘não saíram do armário’. No entanto, as pessoas que se sentem confortáveis com a classificação de bissexuais sabem que não são homossexuais que ainda não se decidiram”, explica.
O especialista comenta, anda, que existem graus variáveis de bissexualidade, conduzindo porcentagens de preferências para mais homem ou para mais mulher. Se a fase bissexual ficar na adolescência, antes de uma estabilização de identidade social, implica na fase de experimentações típicas da faixa etária, sem possível retorno na vida futura. “Claro que variações individuais se aplicam a essa regra, com épocas ‘lésbicas’ ao longo da vida”, diz Oswaldo.
Todos somos bissexuais?
Emocionalmente, todos nós somos bissexuais conforme os estudos e pesquisas do psicólogo Claudio Picazio, autor de “Uma Outra Verdade: Perguntas e Respostas para Pais e Educadores sobre Homossexualidade na Adolescência” (Editora GLS). Isso porque na nossa trajetória já amamos uma homem e uma mulher, que podem ter sido a figura do pai ou da mãe, irmã ou irmão, primo(a), amigos. Para ele, é complicado classificar.
“O desejo erótico é uma descoberta pessoal e intransferível, e não influenciável nem uma opção como erroneamente se diz. Não creio na heterossexualidade como compulsória, assim como a homossexualidade não é. Para alguns o desejo não é tão padronizado, pode ser vivido conforme sua vontade e seu momento. O importante não é diagnosticarmos o outro, mas cada um saber da sua forma melhor de viver o que sente”, conta.
Para Ricardo Desidério, mais importante do que julgar ou classificar é aproveitar as cenas mostradas em um reality show como o “BBB” e discutir e rever os próprios conceitos –e os preconceitos. “Que os pais possam dialogar com seus filhos, em vez de se calarem diante de determinadas cenas e, no silêncio, acabarem transmitindo a mensagem de o sexo é feio e sujo e que, portanto, trata-se de um assunto que não deve ser abordado. Pelo contrário, devemos falar, sim, e sempre”, afirma o psicólogo.
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