Consumidores reclamam de deixar o salário no supermercado e relatam redução de, pelo menos, 50% do poder de compra
A alta dos preços tem feito os brasileiros mudar os hábitos no supermercado para garantir o arroz e o feijão. Sem conseguirem comprar carne bovina, os consumidores passaram a trocar o produto pela proteína suína, frango ou ovos. Com o poder de compra reduzido pela inflação, o consumidor é obrigado de comer menos e reclama de ter de comprar marcas mais baratas e deixar quase todo o salário no supermercado.
A inflação acumula nos últimos 12 meses aumento de 11,89%. Somente em junho, o índice acelerou 0,67%, a maior taxa para o mês em quatro anos, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Itens de alimentação e bebidas lideraram a alta dos preços no mês (0,8%). Em um um ano, o aumento registrado pelo grupo é de 13,93%.
A disparada dos preços tornou impossível para boa parte das pessoas consumir carne bovina. “É bem visível que tudo aumentou muito. Senti bastante a alta da carne, eu substituí pelo ovo, que também está caro. Deixei ainda de levar outras coisas, como ‘besteirinhas’, alguma proteína mais cara, para poder comprar arroz e feijão, que não tem como cortar”, conta Renata Vitoria, estudante de 20 anos, que trabalha como atendente em uma papelaria.
“Ficou quase impossível comprar carne de boi. Eu como carne de porco e frango, que é mais barata”, comenta a cuidadora de idosos Solange Matheus Andrade, de 60 anos.
Para Pial Santana, de 53 anos, dono de restaurante, o aumento dos preços é persistente e tem acontecido há bastante tempo. “Isso não é recente. Hoje, eu como frango, porque a carne bovina subiu muito. O contrafilé que era R$ 18 o quilo, eu pago hoje R$ 50. Até porque também deu para sentir bastante o aumento do arroz e feijão”, afirma. Além de ter que comprar alimentos para consumir em casa, Pial precisa dos produtos para seu restaurante, que sofre com os efeitos da inflação. “Não tenho como repassar todo esse aumento para o cliente. Se fizer isso, não vendo mais. O meu lucro diminuiu bastante”, relata.
Na tentativa de economizar, a busca por ofertas cresceu. Solange tem usado essa estratégia nos últimos meses, mas é raro as vezes em que realmente encontra algum produto por um valor mais em conta. “Os mercados até mostram umas ofertinhas, mas os preços mesmo assim estão três vezes maiores. As coisas estão muito caras, é um absurdo. Não é nem mais comprar o que nós gostamos, mas o que tem de oferta. Sempre rodando e procurando promoção”, explica.
A comerciante Orlandina Nunes Trindade, de 48 anos, também compara preços para economizar. “Eu pesquiso pelos aplicativos, olho o que está mais em conta. É o jeito, a gente tenta se virar como pode”, diz.
Segundo Sônia Talietta, “há produtos que não tem como diminuir o consumo ou substituir, como o leite. Então eu busco por promoções”, ressalta a fisioterapeuta de 58 anos.
Com a elevação da inflação, o poder de compra diminuiu e os consumidores reclamam de gastar todo o salário no supermercado. Para a estudante Renata Vitoria, o dinheiro desvalorizou muito nos últimos anos. “Para mim que sou jovem, os preços dos alimentos pesam muito. É o pior começo. O que você faz com R$ 1.500 hoje em dia? Pouquíssima coisa, e esse é o valor que uma pessoa da minha idade ganha normalmente”, afirma.
“Boa parte do meu salário fica no supermercado, porque a gente tem que ajudar em casa, se não ajudar o salário dos nossos pais não dá para pagar as contas com esses preços. Não tem mais como sair da casa dos pais, ficar independente está bem mais difícil”, completa a jovem.
Já a cuidadora Solange relata que, além de reduzir à metade o que conseguia comprar com o mesmo salário anteriormente, precisa usar o cartão de crédito para poder pagar depois. Já a aposentada Nanci Minguin, de 66 anos, acredita que a diminuição no poder de compra foi maior ainda. “Meu dinheiro com a inflação, com certeza, desvalorizou uns 60% no supermercado de uns anos pra cá”, afirma.
Segundo Orlandina Trindade, foi preciso cortar muita coisa da lista do supermercado. “Se der para levar, eu levo; se não der, a gente fica só na vontade. Eu gasto mais do que o dobro na minha compra mensal do que alguns anos atrás. O supermercado tem comido 100% da minha renda, praticamente tudo. Os salários estão incompatíveis com esses preços. Como uma pessoa que paga aluguel, conta de luz e água vem ao supermercado pagar isso? Não tem como”, ressalta.
Quando a troca por alimentos e marcas mais baratos não é suficiente, a saída é comer menos. “Faz dois meses que não faço a compra que eu fazia antes, não dá para fazer mais. Os preços estão um absurdo, é assustador, a gente teve que reduzir o consumo”, conta Solange.
A consumidora, que estava acompanhada do filho, de 32 anos, que trabalha como barbeiro, e dois netos, de 5 e 1 ano, conta que lidar com a inflação fica ainda mais complicado nas férias escolares. “Quando traz criança, a gente tenta comprar alguma coisa a mais, porque elas passam mais tempo em casa neste mês. Fica mais difícil”, destaca.
Sônia conta que primeiro procura itens semelhantes e marcas mais baratas, mas, quando não os encontra, ela diz que precisa “diminuir a quantidade de alguns produtos. “Eu passei a comprar menos”, garante.
A compra de alguns alimentos ficou mais difícil para os brasileiros. O leite é um dos mais citados. O produto subiu 37,61% no último ano, segundo o IPCA, calculado pelo IBGE. “Com R$ 10, hoje eu compro praticamente um litro de leite só”, afirma Pial, que também reclama do valor de outros itens no supermercado. “Sinto muita diferença no queijo e café. Dois anos atrás, eu pagava R$ 17 no quilo de muçarela, agora custa R$ 70”, completa. No mesmo período, o queijo subiu 19,18%, e o café, 61,83%.
O óleo e a manteiga estão com preço “absurdo”, de acordo com Solange. Em um ano, o IPCA mostra que o valor do óleo de soja cresceu 29,34% e o da manteiga, 14,29%.
Para Orlandina, ficou mais difícil comprar frutas, verduras e legumes. “Eu escolho aqueles [produtos] de época para ficar mais barato”, relata. De acordo com o acumulado em 12 meses, esses itens estão entre os recordistas de aumento, como pepino (95,81%) cenoura (83,99%), abobrinha (82,99%), melão (78,37%), batata-inglesa (76,01%), morango (75,03%), mamão (74,55%), tomate (67,04%) e cebola (60,39%).