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Com fome? Que tal macarrão com farinha de grilo e larva torrada?

Nos EUA, empreendedores criam insetos e pesquisam pratos de olho em quem procura alternativa ao glúten; preço alto impede expansão dos negócios

NYT

Em outubro de 2012, Megan Miller saiu de uma loja de animais de estimação de San Francisco carregando uma sacola cheia de larvas contorcendo-se na terra. Quando chegou ao seu apartamento, levou-as diretamente para a cozinha.

Já que as larvas assumem o sabor de qualquer coisa que elas comam, inclusive do solo, Megan as separou da terra e as colocou em uma tigela de aveia e maçãs e as deixou lá se alimentando por vários dias.

NYT/The New York Times

Nos EUA, Megan (à esquerda) ajuda a preparar cookies com farinha de grilo

Depois, seguindo instruções encontradas na internet, escaldou as larvas com água quente, tostou e colocou no liquidificador junto com ameixas desidratadas, canela, óleo de coco e banana. Ela formou barras e as colocou no refrigerador. Logo, fez também testes com grilos vivos.

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“Eu realmente tive de criar coragem”, conta sobre a experiência. “São milhares de insetos rastejando uns sobre os outros”.

Farinha de grilo

Megan tinha provado grilos e larvas durante viagens ao México e ao Sudeste da Ásia, mas essa foi a sua primeira investida na gastronomia de insetos. E não seria a última.
No verão seguinte, ela e um sócio fundaram a empresa Chirp Farms; eles se separaram depois de vários meses quando ele se interessou mais em criar grilos do que assá-los.

NYT/The New York Times

Fundador da Big Crickets Farms, Kevin Bachhuber mostra criadouro de grilos

Em dezembro, Megan deixou o seu trabalho como chefe de pesquisa e desenvolvimento da filial americana da Bonnier AB, empresa de comunicação global, e começou a trabalhar em tempo integral no campo iniciante da gastronomia de insetos. Junto com dois sócios, Leslie Ziegler e Eric Woods, fundou a Bitty Foods, empresa que mói grilos e os mistura com mandioca e coco. O resultado é uma farinha que a empresa vende online, juntamente com biscoitos feitos com a farinha.

Megan e outros empresários americanos nesse setor acreditam que os insetos ricos em proteínas, e os grilos em particular, estão prestes a iniciar uma moda alimentar parecida com a quinoa.

Cardápio de insetos é variado

Existem quase 2 mil tipos de insetos comestíveis, mas Miller decidiu cozinhar grilos, em parte, pela razão prática de já existir a criação comercial deles nos Estados Unidos. E embora as larvas torradas tenham um sabor parecido com nozes, as criaturas tendem a provocar reflexos de vômito nos americanos. Por outro lado, os grilos são associados às “noites agradáveis de verão e aos estrídulos”, afirma a empresária.

Marky Ramone: Se você busca sucesso, crie algo completamente novo”

Megan espera que a Bitty Foods atraia os adeptos da chamada dieta paleolítica, que evita os carboidratos e depende de carnes, frutas e legumes. Ela também está vendendo seus grilos para pessoas que evitam o glúten, que gastaram US$ 10,5 bilhões feitos para eles em 2013 e a previsão é de que desembolsem US$ 15 bilhões em 2016, segundo a empresa de pesquisa de mercado Mintel.

Uma xícara da farinha de grilo da Bitty Foods contém 28 gramas de proteínas, e Miller acredita que ela possa substituir a farinha de trigo em tudo, desde o macarrão, até pães e bolos

“A minha visão é que iremos reforçar a quantidade de proteína de todos os alimentos básicos que consumimos”, afirma a empresária. “E precisaremos de uma fonte de proteína realmente sustentável e abundante para fazer isso”.

Megan e outros empresários dos insetos comestíveis também acham que os grilos possam atrair as pessoas que se preocupam com a sustentabilidade. Os insetos levam apenas entre seis a oito semanas para alcançar a maturidade e, porque não precisam de muita comida, de água ou de espaço e porque produzem baixos níveis de emissões dos gases causadores do efeito estufa, eles têm um rastro de carbono menor do que, digamos, uma vaca.

Apoio da ONU

Um relatório de 2013 da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação que enalteceu o potencial dos insetos em ajudar a estabilizar o fornecimento global de alimentos, de fato, ajudou a impulsionar a indústria dos insetos comestíveis.

Após a divulgação do relatório, “de repente, surgiu um monte de pessoas super interessadas nos insetos comestíveis”, diz Kevin Bachhuber, que em maio inaugurou a Fazenda Grande Grilo em Youngstown, no estado norte-americano de Ohio. A fazenda dedica-se exclusivamente à criação de grilos para alimentação humana (ele segue procedimentos sanitários mais rígidos do que as fazendas fornecedoras dos grilos das lojas de animais de estimação para alimentar lagartos).

A fim de impulsionar seu negócio, Bachhuber visitou a Tiny Farms, empresa de consultoria sobre insetos comestíveis com sede em San Francisco que o auxiliou na criação dos insetos, na pesquisa entomológica e na modelagem das despesas.
O armazém de 465 metros quadrados de Bachhuber consegue produzir 22.680 quilos de grilo por mês. Chegam pedidos de chefes de cozinha profissionais, cozinheiros domésticos curiosos e de organizações não governamentais interessadas em incrementar seu pacote de comidas prontas.

Preço salgado

Por enquanto, os grilos e a farinha de grilo ainda são relativamente caros. Bachhuber vende os seus grilos, que envia congelados para os clientes, por quatro dólares e cinquenta centavos por meio quilo, podendo chegar a nove dólares.

Segundo Megan, uma xícara da farinha de grilo da Bitty Foods precisa de cerca de 4 mil grilos para ser produzida. O preço do varejo por um saco de meio quilo da farinha de grilo é de US$ 20. Em comparação, um saco de meio quilo de farinha de trigo comum para várias finalidades custa cerca de US$ 1 nas mercearias. Megan acha que quando os grilos estiverem mais amplamente disponíveis para a compra, pode haver uma queda no preço.

NYT/The New York Times

Biscoito da Bitty Foods feitos com insetos; proposta é oferecer uma fonte alternativa de proteína

A empresária conta que a Bitty Foods atualmente vende centenas de sacos de biscoitos todas as semanas através do website. Em março, após fazer uma apresentação na conferência da TEDxManhattan, chamou a atenção do Grupo Florence, um negócio que o famoso chefe de cozinha Tyler Florence ajudou a fundar. A empresa vende o vinho California Crush nas Lojas Target e está desenvolvendo linhas de produto para a Williams-Sonoma e Costco, além de servir como uma incubadora para startups de culinária.

Parece com torrada

Em julho, o Grupo Florence, com sede em San Francisco, tornou-se um investidor da Bitty Foods. “Tem gosto de torrada”, compara Florence ao falar sobre a farinha de grilo. O plano é que Florence e Miller aperfeiçoem a farinha da Bitty Foods e a usem como um componente básico para os outros produtos que criarem, sobre os quais Florence diz: “Parecerão bem familiares, porém, o mais importante, serão deliciosos”.

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O macarrão com farinha de grilo ou os bolinhos terão de ser muito apetitosos para conseguir superar a forte aversão norte-americana à ingestão de insetos, mesmo que sejam os simpáticos grilos. “Obviamente, temos o fator do nojo, assim corremos o risco de ninguém comprar o produto”, de acordo com Kelly Goldsmith, professora adjunta de marketing da Faculdade de Administração da Kellogg na Universidade Northwestern.

“Se você conseguir fazer com que pessoas comuns que não são seguidoras da última moda alimentar e que não evitam o glúten experimentem esses biscoitos, não haverá uma segunda compra caso eles não sejam deliciosos”, alerta Goldsmith.

Ig