
“SINTO MAIS LONGE O PASSADO, sinto a saudade mais perto”. Inspirado nesse pensamento do poeta português Fernando Pessoa, desci a Borborema com um único sentido: rever o meu querido amigo antropólogo Carlos Azevedo. Com dificuldades até em fazer contato via telefone, desde o início do famigerado momento pandêmico, só nos correspondemos por carta e com alegria e admiração, pude ler em primeira mão seu: “Tristes tempos, o Coronavírus e Eu” (Ideia, 2021) e como me fez bem aquela leitura. Com medo e em silêncio, lia cada frase e elucubração com bastante atenção. Por vezes cerrava as pálpebras e, como um sopro, ouvia a voz de Carlos em cada página. Em 2019 foi a última vez que nos encontramos e essa distância doída foi muito sentida e dolorida.

Por notícia, clamei a sua Zélia Almeida, esposa, inspiração e grande intelectual das terras de Bruxaxá, também o fiz a seu filho Prof. Carlos Azevedo, a quem chamo de Carlinhos. Na última semana tivemos em foco o patrimônio histórico e no início dessa, o IPHAEP organizou seu segundo evento com palestras, passeios e, por fim, instituiu a ‘Medalha Linduarte Noronha’ a personalidades que se destacam na defesa e preservação do nosso patrimônio histórico. Um desses homenageados foi Carlos Azevedo – um dos maiores intelectuais de nossa terra – informação dada por um colega seu de trabalho, o amigo historiador Edvaldo da Cunha Lira. Nisso, vi a grande oportunidade do reencontro com o “seminarista subversivo”, como diz sempre o nosso amigo Adauto Ramos (lembrando de como Carlos escapuliu da prisão para o Recife em tempos de exceção). Saí de casa um tanto inquieto, não sabia o que levar de presente. Em retrospectiva veio à mente o dia 11 de novembro de 2005, dia em que nos conhecemos (e no mesmo dia, conheci José Elias Borges – em sua casa – e José de Azevedo Dantas, esse em manuscritos e desenhos no IHGP).
Recordei os inúmeros momentos nossos: de sua posse no IHGP, das conversas no calçadão de Tambaú e também do Centro Histórico. Ah Carlos, o quanto aprendo com seu olhar, seus gestos, a forma como vê as coisas e o mundo, entre a etnografia (lembra Gilberto Freyre?) e a antropologia, sobretudo a social e principalmente a cultural.

Cheguei à calçada da APL. Atravessei a rua em direção ao cruzeiro do Centro Cultural São Francisco onde estava o amigo Edvaldo. Conversamos muito, ótima oportunidade de saber o que ocorre na capital. Ao lado dos amigos José Edmilson, Adriano Lima, Eduardo Gomes e Marcelino Farias, tivemos uma conversa mui honesta, ao mesmo tempo em que observávamos o movimento imposto pelo restauro da fachada da igreja, “limpeza” do cruzeiro e recuperação da azulejaria dos muros de entrada. Para Piedade Farias, não se restaura azulejos tão antigos daquela maneira, fica o registro!
Alguns momentos do evento – TB
Passando pela cortina de construção, entramos no templo e fizemos uma viagem no tempo. Observamos muitos dos detalhes da construção finalizada no séc. XVIII e, ao visitar o relógio do sol no poente, fomos surpreendidos por um taxi, é quando ouço Edvaldo dizer: “Thomas, eis o nosso grande mestre!”. O fumê dos vidros não me deixou vê-lo até seu desembarque. Blazer azul, combinando com o céu de inverno, que se abriu em reverência, e um sorriso grandioso nos abraçou de longe. Atônito e envolto de tantos sentimentos, sorri. Abracei Carlos, me contive na emoção, e após ouvir que aquele relógio de sol só poderia ser holandês, “pois aos portugueses nem a passagem do tempo os importavam” (e aquela construção foi sede do governo neerlandês nos tempos de Elias Herckmans), fizemos umas duas fotos. Fitando com o olhar, tive a ousadia de beijá-lo na cabeça, bem na “moleira”, como dizemos no Mundo-Sertão, e nos encaminhamos para o claustro e a capela dourada, onde Carlos acabou recebendo, merecidamente, a medalha Linduarte Noronha pela sua dedicação a preservação do patrimônio histórico e artístico de nosso Estado, não só pelos 25 anos de IPHAEP, mas por toda sua história de vida.

Aplaudi, ouvi atentamente seu primoroso discurso e voltei para a atmosfera da Serra da Borborema com uma alegria sem tamanho. Carlos, que bom revê-lo. Ouvir seu respirar, suas reflexões, sempre me inspiram. E eu, olhando aquele relógio de sol, desejava por um instante que o tempo parasse.
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Publicado na coluna ‘Crônica em destaque’ do Jornal A UNIÃO em 30 de agosto de 2025.