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As mãos sujas de quem lava as mãos, por Paula Schmitt Sobre censura e tratamento precoce e sobre desconfiança com o mRNA

As mãos sujas de quem lava as mãos, por Paula Schmitt

Sobre censura e tratamento precoce

E sobre desconfiança com o mRNA

“Estamos de fato hackeando o software da vida”, disse CMO da Moderna sobre vacina de mRNAColin Behrens/Pixabay

Quem estuda lógica, ou até quem faz uso apenas ocasional dela, sabe que é impossível provar a não-existência de algo. O matemático e filósofo Nassim Taleb fala disso no livro Black Swan, e eu conversei com ele sobre isso aqui e aqui. “Antes da descoberta da Austrália”, explica Taleb, “pessoas do Velho Mundo estavam convencidas de que todos os cisnes eram brancos, uma crença indestrutível já que parecia perfeitamente confirmada por evidência empírica”. Até que cisnes negros foram avistados no novo continente, e a declaração irredutível de que todos os cisnes são brancos deixou de ser verdadeira.

Eu não lembro onde eu li, nem lembro com exatidão, mas vou tentar recontar aqui uma piada que ilustra um certo tipo de intelecto que é bem simples mas a cada dia menos inocente. Três homens estão num trem indo pra Alemanha: um matemático, um estatístico e um jornalista. Eles olham pela janela e assim que cruzam a fronteira eles veem uma vaca malhada. O jornalista fala: “Na Alemanha todas as vacas são malhadas”. O estatístico fala: “Na Alemanha a maioria das vacas é malhada”. O matemático então fala a única frase correta: “Na Alemanha, ao menos uma vaca é malhada”. A piada original acaba aqui, mas faço questão de adicionar um outro jornalista que diz: “Na Alemanha, apenas uma vaca é malhada”. Criei esse personagem fictício porque na vida real são exatamente os jornalistas aqueles que mais parecem repetir uma outra afirmação disparatada, mas com efeitos muito mais nefastos: “Não existe tratamento precoce para a covid”.

Mas essa asserção não é verdadeira, diz Flávio Abdenur, doutor em matemática pelo Impa (Instituto de Matemática Pura e Aplicada) e analista de dados. Abdenur passou a se interessar pelo assunto quando notou o que considerou interpretações incorretas nos resultados de alguns estudos. Segundo ele, já há vários estudos randomizados que indicam eficácia em tratamento precoce –ou seja, aplicado logo nos primeiros dias de sintomas. “Dois desses apresentam forte evidência de eficácia bastante substancial: fluvoxamina e ivermectina. No caso da fluvoxamina, 2 artigos publicados em revistas científicas internacionais indicam que o tratamento é seguro e eficaz. Um deles é o Seftel, um estudo observacional prospectivo”.

Estudo observacional prospectivo significa que tanto quem tomou quanto quem não tomou o remédio sabe em que grupo estava, e isso pode influenciar até o corpo a responder ao tratamento de forma diferente. Os examinadores também são informados sobre quem tomou o que, e isso também pode influenciar os resultados. O caráter “double blind”, ou “duplo cego”, é importante porque ajuda a evitar o viés de confirmação e o viés do efeito placebo, deixando tanto o testado quanto quem testa sem informação (cego) sobre o que fez, ou sem saber o que esperar, e portanto sem a influência de seus próprios interesses, medos, expectativas.

“No estudo publicado por Seftel e coautores no Open Forum Infectious Diseases, o grupo que tomou o remédio se saiu muito melhor do que o grupo que não o tomou: duas semanas após o início do tratamento, nenhum membro do grupo de fluvoxamina tinha sintomas, enquanto 60% do outro grupo apresentava pelo menos 1 sintoma de covid. Mais do que isso, nenhum membro do grupo de fluvoxamina tinha sido hospitalizado, enquanto 6 membros do grupo que não tomou foram hospitalizados”. O número total de pessoas incluídas foi 65 no grupo de fluvoxamina e 48 no grupo de controle, o grupo que não tomou o remédio, e que serviu apenas como comparação.

“Outro estudo importante de fluvoxamina para covid é o Lenze, publicado no Jama (Journal of the American Medical Association), uma das revistas científicas médicas mais importantes do mundo”. Este estudo foi randomizado e duplo-cego, ou seja, com menor risco de que percepções e expectativas interferissem nos resultados.

“O estudo do Seftel e do Lenze são parecidos: o grupo de fluvoxamina se saiu muito melhor do que o de placebo. No Lenze, o quadro de covid se agravou em 6 voluntários do grupo de placebo e em zero do grupo de fluvoxamina. A probabilidade de uma diferença dessas surgir por mera sorte –o chamado ‘p-valor’– seria de apenas 0,9%, ou seja, menos de uma em 100. Há um novo randomizado duplo-cego de fluvoxamina em andamento; se seus resultados espelharem os dos 2 primeiros artigos, isso representará a confirmação estatística da eficácia”.

“A ivermectina, recentemente aprovada para uso contra a covid na República Tcheca, África do Sul e Eslováquia, também mostra resultados promissores. Já existem mais de 15 estudos randomizados testando o remédio em diferentes dosagens e estágios da doença. As metanálises dos estudos randomizados indicam que quando administrada cedo, a ivermectina pode reduzir muito substancialmente as taxas de hospitalização e mortalidade”. (Metanálises são estudos que agregam e analisam conjuntamente os resultados estatísticos de experimentos médicos.)

O empresário de tecnologia Steve Kirsch publicou recentemente um panorama com estudos e metanálises de medicamentos que ele acredita serem eficientes no tratamento da covid. Kirsch é engenheiro pelo MIT (Massachusetts Institute of Technology) e inventor do mouse óptico para computador, como conta essa reportagem do New York Times. Ele fundou e financia o COVID-19 Early Treatment Fund (CETF), um grupo sem fins lucrativos em que especialistas de várias áreas tentam encontrar um tratamento para a covid a partir do uso de medicamentos já conhecidos, e que portanto possuem a vantagem incomparável de já terem sua segurança testada há anos.

A ivermectina já é usada desde 1981, e está na “lista modelo de medicamentos essenciais da OMS”, uma lista feita pela Organização Mundial de Saúde com os medicamentos mais eficientes e seguros. A fluvoxamina, que não está nessa lista, é usada desde 1983 para depressão, em especial para o toc (transtorno obsessivo-compulsivo). No Brasil, Kirsch está sendo auxiliado informalmente por Abdenur sem contrapartida financeira.

 

Nessa entrevista no dia 7 de março para o tradicional programa da TV norte-americana 60 Minutes, Kirsch conta um pouco do que esmiuçou com detalhes aqui neste artigo. Mas Kirsch não pode anunciar no Facebook sua participação no 60 Minutes da CBS, um programa que existe desde 1968. Ao tentar postar o link da própria CBS para o episódio em questão, Kirsch teve sua conta temporariamente suspensa. Abdenur também.

É interessante notar como discussões sobre o tratamento precoce estão sendo tratadas com a virulência e censura que se esperaria fossem usadas contra postagens defendendo monstruosidades tipo a pedofilia. Isso não faz sentido, porque medicamentos utilizados para propósitos diferentes do original, ou reposicionados, têm uma vantagem que nenhuma vacina para a covid-19 tem ainda –eles já passaram com honras no teste mais difícil, e que requer muito mais tempo para ser confirmado: o teste da segurança. Medicamentos, quando testados, têm que cumprir 2 quesitos imprescindíveis: segurança e eficácia. Não adianta ser seguro e não resolver o problema. Mas um resultado ainda menos aceitável é se o remédio matar o paciente junto com a doença. A equação mental que se faz, portanto, é a seguinte: qual a razão entre o risco e o benefício? Com a censura das redes, essa análise de risco nos fica proibida, e passa a ser privilégio de poucas pessoas.

Por falar em censura: o preço das vacinas na Europa não pode ser revelado porque supostamente essa revelação fere acordos de confidencialidade. Aqui o Business Insider conta como Eva De Bleeker, ministra do Orçamento da Bélgica, divulgou no Twitter o preço de cada uma das vacinas compradas pela União Europeia. O tweet foi deletado logo em seguida.

Por falar em preços e tratamentos: um relatório do Goldman Sachs sobre biotecnologia distribuído a investidores e clientes fez em 2018 uma pergunta bastante reveladora, ainda que bastante previsível. No relatório chamado “A Revolução do Genoma”, o banco pergunta: “Curar pacientes é um bom modelo de negócios?” Eu mesma consigo responder a essa: claro que não, Goldie, claro que não. A estratégia ideal vai ser sempre o tratamento acima da cura. Aliás, outra digressão completamente irrelevante a esse tópico. Nesse vídeo, o CEO da Pfizer, Albert Bourla, explica que a sua vacina de mRNA provavelmente vai ter que ser tomada todos os anos, para sempre.

Mas voltando ao tratamento offlabel (aquele de finalidade diferente do propósito original, que faz com que a ivermectina seja carinhosamente chamada pelos detratores de “remédio para piolhos”), existe um medicamento que não parece sofrer o mesmo tipo de cautela sobre esse reposicionamento. O remédio chama Remdesivir, cuja patente é de propriedade da gigante farmacêutica Gilead. A própria OMS desaconselha o uso do Remdesivir para a covid, mas mesmo assim ele está à venda para essa finalidade por US$ 3.120. Ele tem sido testado para uso em animais, e foi testado (e não aprovado) para o vírus ebola. Mas não tema a sua ineficiência: fique à vontade pra propagar o uso do Remdesivir como eficiente contra a covid –você não corre o risco de ser banido das redes sociais, nem de ter sua postagem com alerta de possível fake news. Aliás, digressão dissociativa aqui: foi exatamente a Gilead, e um medicamento pra hepatite, que foi usado como exemplo naquele relatório do Goldman Sachs que mencionei no parágrafo anterior. Mundinho pequeno.

Voltando à censura, a discussão sobre a segurança das vacinas também vem sendo razão de banimento das redes sociais, ou aparecem com um alerta que faz o leitor ficar com medo de pegar covid só de clicar no link. Mas veja quem tinha suas preocupações com a vacina de mRNA: Mark Zuckerberg, o dono do Facebook. Em um vídeo vazado pelo Project Veritas, um site de extrema direita acusado, entre outras coisas, de fraudar vídeos, Mark Zuckerberg revela um questionamento saudável que seria banido do seu próprio site. “Eu só quero ter certeza de partilhar minha cautela sobre isso [a vacina de mRNA] porque nós simplesmente não sabemos os efeitos de longo prazo da modificação do DNA e RNA… basicamente a habilidade de produzir os anticorpos e se aquilo pode causar mutações ou outros riscos mais pra frente”.

Pesquisei no Google e no duckduckgo e não encontrei nenhum site de verificação de notícias que tenha desmentido o vídeo, mas tampouco encontrei jornais tradicionais ou “respeitáveis” reproduzindo ou meramente comentando o suposto vazamento. É como se o assunto não existisse. O mais aproximado de um “jornal de respeito” que achei tratando do assunto foi o Washington Times, um jornal publicado nos EUA desde 1982 pela Igreja da Unificação do Reverendo Moon, O Daily Beast, por sua vez, publicou uma reportagem dizendo que Zuckerberg avisou seus funcionários que eles não vão precisar se vacinar.

É por tudo isso que sites alternativos de notícias vêm crescendo em popularidade. Trabalhando à margem do consenso exibido por jornais tradicionais, eles vêm servindo como fonte incerta para histórias inexplicavelmente ignoradas pela grande mídia. Em época de pandemia e censura, eles têm cultivado hordas de leitores fiéis. Foi num desses sites estilo blog –um daqueles que eu não teria coragem de usar como fonte nas minhas colunas– que vi uma frase atribuída a Tal Zaks, CMO (chief medical officer) da Moderna, a fabricante da vacina de mRNA desenvolvida pela Darpa, a Agência de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa, subordinada ao Pentágono. A frase seria sobre a vacina de mRNA, e teria sido essa:

“Eu estou aqui hoje pra dizer pra vocês que nós estamos de fato hackeando o software da vida”.

Eu, que tinha visto tanto site de checagem de fatos falando que as vacinas de mRNA não continham chip de computador, imaginei que tal boato tivesse surgido dessa mentira. Procurei a suposta frase do Tal Zaks e não encontrei em jornal nenhum. Nada. Só podia ser mentira, claro, já que ela mereceria menção de jornais sérios no mínimo porque é uma excelente metáfora: a vacina de mRNA de fato insere nas células humanas, via nanopartículas, um pedaço de mRNA sintético que dá ao DNA humano a ordem (o código) para produzir exatamente as proteínas spikes que o corpo depois vai supostamente aprender a combater. Depois de me convencer que a história era mentira, vejam só: achei o Tal Zaks falando exatamente isso em 2017 em um Ted Talks onde ele também explica o funcionamento da vacina, antes de o assunto virar tabu. Deixo o link aqui para que vocês possam como eu curtir essa palestra super informativa. Aproveitem, antes que ela seja censurada.

Pra terminar, quero lembrar uma história linda, triste, e que pode facilmente se repetir. Publicada em Português, ela fala de um médico húngaro, Ignaz Semmelweis, que descobriu o que hoje pode ser considerada a verdade mais óbvia da medicina: que lavar as mãos evita infecção e morte. Na década de 1840, muitas mulheres estavam morrendo durante o parto por contaminação de médicos que as atendiam com as mãos sujas. Semmelweis foi quem primeiro alertou sobre aquele risco, e escreveu livros sobre o assunto. Sua tese, contudo, foi refutada, rejeitada, destratada e zombada por grande parte da comunidade médica da época. O médico morreu sem o crédito que merecia, e só na década de 1980, mais de 100 anos depois, a prática de lavar as mãos antes de procedimentos médicos foi adotada como regra nos Estados Unidos.

PAULA SCHMITT/vavadaluz