As mudanças nas regras da Previdência Social, no ano passado, e o debate sobre uma ampla reforma que será levada ao Congresso pelo governo do presidente Michel Temer estão levando muitas pessoas a buscar garantir suas aposentadorias. O GLOBO visitou agências do INSS no Rio em três dias e ouviu depoimentos de quem, diante da incerteza, quer assegurar seu benefício. São pessoas como a professora e advogada Sandra Lopes de Mattos, de 58 anos, que já tinha tempo de contribuição para se aposentar há cinco anos — professores têm regra específica e podem pedir o benefício após contribuir por 25 anos para a Previdência. O debate sobre possíveis mudanças nos parâmetros para a aposentadoria, no entanto, levaram-na ao INSS agora.
— Existem muitas dúvidas. Não se sabe, por exemplo, se as mudanças serão apenas em relação a uma idade mínima ou se outras regras também serão diferentes. Isso preocupa — diz Sandra.
Já o analista de tecnologia Marco Figueira, de 55 anos, foi atualizar seu cadastro no INSS na semana passada e começou a coleta de documentos para se aposentar. Saiu da agência com uma série de tarefas para comprovar uma parte dos anos de serviço porque perdeu uma das carteiras de trabalho. Figueira, que começou a trabalhar com 16 anos, acredita que pessoas que começaram cedo como ele serão as mais prejudicadas se a idade mínima de 65 anos de aposentadoria for levada adiante:
— Já estava avaliando a questão da aposentadoria, mas é claro que está todo mundo preocupado, não há clareza do que está por vir, que regras vão vigorar.
De janeiro a agosto deste ano, foram 1,710 milhão de solicitações de aposentadoria no INSS, um salto de 7,9% frente a igual período de 2015. A alta observada no número de benefícios efetivamente concedidos foi ainda maior: de 25,7%, com 876.799 aposentadorias concedidas nos primeiros oito meses do ano, após cinco anos de variações bem menos intensas na concessão. Houve crescimento em 2011, 2012 e 2013 — ano com a maior taxa, de 5,2% — e queda de 1,08% em 2014 e de 9,66% em 2015 — quando houve greve de servidores do INSS entre julho e setembro.
No Estado do Rio, o crescimento foi de 21,4% nas aposentadorias concedidas e de 21,8% nas solicitações, de janeiro a agosto deste ano, frente ao mesmo período do ano passado. Nos pedidos de aposentadoria por contribuição — que são os mais afetados no caso de mudança de regras —, o aumento foi maior, de 36,6%.
RECESSÃO COLABORA PARA ALTA
Há indicações de que o aumento da procura por aposentadoria teria começado com a fórmula 85/95, que leva em conta a soma entre a idade e o tempo de contribuição para definir o momento em que os trabalhadores podem se aposentar sem serem afetados pelo fator previdenciário, que entrou em vigor no fim de 2015. Ainda que a curto prazo a regra favoreça a permanência por mais tempo no mercado, em busca de remuneração maior, a avaliação é de que qualquer sinal de mudança estimula o interesse em solicitar a aposentadoria.
Este ano, o debate sobre uma reforma na Previdência ganhou força. Logo que assumiu, ainda na interinidade, o governo Temer sinalizou que a reforma da Previdência é uma de suas prioridades. A proposta em discussão é estabelecer uma idade mínima de aposentadoria de 65 anos. Todos os trabalhadores de até 50 anos serão atingidos pelas novas regras, com exceção de professores e mulheres (que só serão afetados até 45 anos de idade). Quem passou dos 50 anos teria de pagar um pedágio de 50% (adicional sobre o tempo que falta para poder requerer o benefício).
O medo das mudanças é tão grande que levou o técnico em segurança do trabalho de Furnas Luiz Carlos Dziekiak, de 55 anos, a abdicar de cerca de R$ 1.000 do benefício, caso trabalhasse por mais dois anos. Na primeira semana de setembro, ele ouviu do funcionário do INSS que poderia se aposentar agora ou aguardar os dois anos para ganhar mais, mas não quis esperar.
— Ninguém sabe ao certo como serão as regras. Estou preocupado com o que vai acontecer, cada hora falam uma coisa diferente. Se tenho a chance de uma renda certa, prefiro não arriscar — afirma Dziekiak, que já tinha os 35 anos de contribuição e confia na Previdência complementar para ajudar na aposentadoria.
Um funcionário do INSS citou o caso de um taxista, de 58 anos, que pagou o equivalente a três anos em contribuições atrasadas (cerca de R$ 9 mil) para garantir a aposentadoria. E de uma jovem de apenas 36 anos que foi atrás de informações sobre o que era necessário para se aposentar.
O INSS acredita que o debate sobre uma reforma da Previdência pode ser um dos fatores que ajudaram a elevar os números tanto de solicitação quanto de concessão do benefício este ano, mas o gerente executivo no Rio de Janeiro, Flávio Souza, atribui o movimento a um conjunto de razões. Para ele, a própria mudança, em 2015, com a regra 85/95, a recessão da economia brasileira e o envelhecimento da população contribuem para o aumento nas aposentadorias. Segundo o INSS, a mudança na forma do cálculo das aposentadorias no ano passado exigiu a adequação dos sistemas, o que fez com que os processos tivessem de aguardar nesse período. Também houve influência da greve dos funcionários.
— Não há uma pesquisa qualitativa para identificar as causas para o aumento de pedidos e concessões de aposentadorias. Mas o comportamento pode ter a ver com as modificações na regra do ano passado, com o crescimento do desemprego e o aumento natural da demanda, com o envelhecimento da população. É possível que o debate sobre a reforma da Previdência também contribua para esse aumento — avalia Souza.
Apenas entre janeiro e julho, foram fechadas 623.520 vagas formais de trabalho no país, segundo os dados do Ministério do Trabalho. Foi o pior desempenho para o período desde o início da série histórica, em 2002. Em 2015, o mercado de trabalho formal encerrou com 1,5 milhão de vagas a menos que no ano anterior.
PEDIDOS REPRESADOS PELA GREVE
Na avaliação de Leonardo Rolim, ex-secretário de Previdência e consultor de Orçamento da Câmara de Deputados, a greve é a principal razão para a disparada nas concessões de aposentadoria em 2016:
— Há um represamento por causa da greve. Quando acaba, o número de aposentadorias aumenta. Além disso, em função do envelhecimento da população, há um crescimento médio de 3,5% do número de benefícios por ano. Mas pode ter uma pequena parcela motivada pelo debate da Previdência sim, por medo das mudanças.
Na prática, diz Rolim, mais de 90% dos pedidos de aposentadoria são feitos logo após o trabalhador preencher os requisitos necessários para o benefício. Segundo ele, são poucos os que já esperavam por mais tempo para entrar com o pedido.
Coordenador de manutenção de uma plataforma da Petrobras na Bacia de Campos, José Fabio de Souza Amorim, de 55 anos, deu entrada no pedido de aposentadoria no ano passado, logo após a mudança das regras. Mas parte do tempo de trabalho com fator de periculosidade não foi reconhecida, e ele tenta rever o valor do benefício:
— Assim que caiu o fator previdenciário, fui atrás dos meus direitos, mas tive dificuldade para reconhecer uma parte do tempo trabalhado. Estou tranquilo porque minha situação está encaminhada, mas me preocupo pelos outros.
CORRERIA PODE PREJUDICAR
A correria para a aposentadoria pode ser prejudicial para o trabalhador. O alerta é de Rodrigo Oliveira, gerente sênior de Previdência e Trabalho da EY (ex-Ernst & Young), que defende uma análise detalhada das condições de cada um para a aposentadoria e da própria proposta que será enviada pelo governo antes de qualquer tomada de decisão:
— Está todo mundo ressabiado, com receio do que está por vir, mas ainda não existe nada de concreto, não há um documento. Quando a proposta for encaminhada ao Congresso, será possível saber os detalhes e embasar melhor a decisão.
Independentemente do que será proposto, no entanto, Oliveira afirma que a legislação e a própria jurisprudência confirmam que quem já tiver o direito a aposentar antes das mudanças não será afetado pelas novas regras.
— As pessoas estão correndo para evitar pedágio ou as mudanças que por ventura virão. Mas quem já cumpriu todos os requisitos para a aposentadoria não será atingido. Isso é uma garantia tanto da legislação quanto dos tribunais — diz Oliveira.
Globo/vavadaluz