Aos 52 anos, a agricultora Severina Maria de Moura nunca teve uma televisão. Sem energia em casa, ela se vira com velas ou o velho lampião, quando tem dinheiro para comprar o gás. A realidade dela, que mora em Messias (na região metropolitana de Maceió), é idêntica a de mais de um milhão de brasileiros que ainda vive sem energia elétrica.
Severina mora há sete anos no acampamento Bom Regente, às margens da BR-101 e sob linhas de transmissão de energia de alta tensão. Ela lembra com saudade da adolescência, quando tinha luz em casa. “Eu morava em Porto Calvo [região norte de Alagoas], e minha família tinha uma televisão. Desde lá nunca mais assisti em casa”, diz.
A meta do governo era que, há cinco anos, não houvesse ninguém sem energia no país. Passados dez anos da criação do programa “Luz Para Todos”, o governo federal já sabe que subestimou –por muito– a quantidade de casas sem energia. Hoje, a estimativa é 257 mil casas estejam desligadas do mundo elétrico –cada residência tem uma média de quatro a cinco moradores.
Em fevereiro, a presidente Dilma Rousseff, em discurso em Teresina, admitiu que a demora em eletrificar o país seria porque milhares de domicílios foram “descobertos” durante a ligação de casas pelas concessionárias.
Base no censo
Segundo informou ao UOL o Ministério de Minas e Energia, o programa “Luz para Todos” se baseou no que foi constatado pelo Censo 2000, do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas), segundo o qual haveria 2 milhões de famílias nas zonas rurais sem energia elétrica.
Com o programa em execução, somente até janeiro de 2014, foram ligadas as casas de 3.113.248 famílias –56% a mais que a estatística oficial.
Mesmo assim, em 2010, o Censo do IBGE apontou 715 mil famílias ainda sem energia elétrica na zona rural. “De janeiro de 2011 até janeiro de 2014, o Programa Luz para Todos já havia levado o acesso à energia elétrica para 458.712 famílias”, informa o ministério.
Com isso, o novo cálculo do governo aponta para 257.227 casas ainda sem energia. “Este número será alcançado até dezembro de 2014”, informa o ministério, que estima um gasto de R$ 3 bilhões para alcançar a meta, que –se confirmada– será 68% maior do que o planejado.
Até agora foram gastos R$ 22 bilhões –sendo R$ 16,3 bilhões do governo federal.
Vida sem energia
Além das casas oficiais, há ainda os acampamentos, que não podem ser ligados oficialmente. Apenas os que optam para as ligações clandestinas têm energia.
Segundo a Eletrobras, as ligações só são feitas em terrenos regularizados e definitivos. Além disso, casas de taipa, lona ou palha não podem ter energia ligada por riscos.
Cícera Josefa, 57, que mora no mesmo acampamento que dona Severina, afirmou que, mais que luz, o maior desejo era ter um ventilador para espantar os mosquitos. “É tanto bicho que zoa nos ouvidos. Quando chove é ruim demais para dormir”, reclamou.
Ainda em Messias, o UOL encontrou outro acampamento, o Genipapo, com cerca de 50 casas, que também não têm fornecimento de energia. No local, também abaixo das linhas de transmissão, a promessa de retirada para uma área regularizada e com energia acontece há ao menos três anos.
Margarida Soares, 63, conta que improvisa para ter comunicação. Como ela tem celular, mas precisa carregar na borracharia que fica fora do acampamento, do outro lado da rodovia. À noite, precisa recorrer ao candeeiro, mas ela conta que nem sempre tem dinheiro para comprar querosene. “Para isso usamos óleo diesel, mas que sai uma fumaça preta, e fico tossindo. Mas ele é mais barato. Quando não tem dinheiro, vai na vela mesmo”, disse.
Uol