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A ruína do DTOG ( Thomas Bruno Oliveira )

 

 

Prédio do DTOG em 2012

Em setembro de 2011, alertei em um artigo que um dos próximos prédios históricos a ser demolido em Campina Grande poderia ser o antigo DTOG (Departamento de Transporte, Oficina e Garagem) da Prefeitura que abrigou até agosto do ano passado a Gráfica Municipal e outras repartições da Prefeitura Municipal como a Secretaria de Serviços Urbanos e Meio Ambiente – SESUMA nas margens do Açude Velho. Eis que, infelizmente, eu tinha razão.

 

O Prefeito Severino Cabral vistoriando os tratores a ser entregues a municipalidade

 

A suntuosa construção em Art Déco foi por muito tempo a Usina de Força e Luz (depois que ela saiu da área da Praça Clementino Procópio no centro) denominado de ‘Serviços Elétricos Municipais’ junto com a Divisão de Obras. Seu largo foi palco de entrega de máquinas e equipamentos, conforme nos mostra os registros fotográficos do saudoso José Cacho, exibindo o Prefeito Severino Cabral passando vista em tratores e em outro momento entregando carroças de mão para vaidosos funcionários que, posando com camisas abertas e peitos estufados, exibem seu “trancilim”.

 

Novas carroças de mão e a pose de funcionários da Divisão de Obras

 

Em meados da década de 1970 o prédio se transformou em DTOG, suprindo a prefeitura de tudo que ela precisasse, quase um centro administrativo tamanha era a quantidade de funcionários. Ali agregou a Garagem com tratores, caçambas, caterpillas e semoventes, continha bombas de combustível e lava-rápido; Oficina com suporte para veículos de passeio e carros pesados, reunindo grandes mecânicos da cidade (um dos chefes da mecânica de máquinas pesadas era o pai do amigo Moisés Alves, o sr. Arlindo Alves, outro que nos descreveu aquele cotidiano foi o mecânico Pelezinho); Almoxarifado central, concentrando e distribuindo material para todas as secretarias; Serraria e Serralharia onde se fazia manutenção em todos os móveis, do escolar ao de escritório; Departamento pessoal da secretaria de obras, concentrando a equipe de garis e pessoal de manutenção, jardinagem, etc. Em 1980 o Prefeito Enivaldo Ribeiro compra equipamentos a exemplo de uma máquina linotipo fabricada pela ‘Mergenthaler Linotype Company’ (no Brooklyn em Nova Iorque), e cria a Gráfica Municipal, ficando a Prefeitura independente de serviços gráficos, confeccionando formulários, fichas, cartões, capas e materiais diversos para toda a administração. Um jardim de inverno na recepção era um charme à parte.

 

Interior da Gráfica Municipal. A direita a máquina de linotipo

 

Conversando com antigos funcionários, se tem ideia da grandeza que era aquele conglomerado. O barulho incessante e o entra e sai de funcionários, máquinas e veículos era a tônica do cotidiano desde as primeiras horas da manhã, onde era servido o café para os trabalhadores em três grandes mesas de concreto cabendo uma centena deles. Foi naquele refeitório que se fomentou muitas manifestações de funcionários, com destaque na década de 1990 para a sindicalista Cozete Barbosa que, com inflamado discurso, liderava uma caminhada de garis com vassouras e pás nas mãos até a Secretaria de Administração, obstruindo o trânsito na Av. Floriano Peixoto e parando a cidade.

 

Tipos prontos para a impressão de folhes de ponto do funcionalismo municipal

 

A informação que se tem é que o prédio histórico foi leiloado em 2010 pelo poder municipal para a compra de outro prédio, o da antiga Mater dei (na Av. Floriano Peixoto, proximidades do Hospital Antônio Targino) que foi transformado em Hospital da Criança. Desde então, a PMCG continuou usando as instalações às margens do Açude Velho até desocupá-lo ano passado, não sei se por alguma medida judicial.

Ainda em 2010, na manhã de uma terça-feira, flagrei a chegada de um casal bem idoso onde um homem alto, branco, com sotaque português esbravejava que o prédio não poderia ser vendido e que tinha algo relacionado a herdeiros, saindo rapidamente em uma pick-up de luxo deixando os poucos funcionários que ouviram o protesto sem entender alguma coisa.

 

O refeitório

 

Outro ângulo da Gráfica Municipal

 

Até os bancos do Calçadão da Cardoso Vieira sabem qual a construtora que adquiriu o imóvel. Estando desocupado desde agosto de 2020, entra em cena um dos modus operandi da destruição do patrimônio da cidade que denomino de mutilação irreversível. Nesta modalidade, uma porta ou janela é deixada sem qualquer segurança para que o imóvel seja invadido e tudo de algum valor seja retirado. O madeiramento, telhas, fiação, etc. Não raro o lugar passa a ser refúgio para o consumo de entorpecentes, gerando o álibi ideal para jogar a opinião pública contra aquele lugar agora indesejável para a urbe por causar insegurança. Abandonado, teve seu grande portão de entrada levado e invasões “sistemáticas”, desfiguram o interior até que tudo venha a baixo e a culpa recai sobre “vândalos”. Lembrando que está no entorno do sítio histórico do Açude Velho, onde nada pode ser demolido!

 

DTOG em maio de 2021

 

Por sua história, localização e configuração espacial, o imóvel daria um ótimo centro cultural reunindo instituições e diversas atividades que proporcionasse lazer e cultura para a sociedade, mas caso consiga a sua total destruição, certamente a construtora trará como legado mais um ‘espigão’, uma nova cicatriz no rosto da Rainha da Borborema.