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A fraternidade maçônica (Hiran de Melo)

guerra-e-paz

Na última sessão do Capítulo Apóstolos do Amor, o sapientíssimo presidente escolheu a ‘fraternidade’ como tema de reflexão para a próxima sessão. Nas sessões do capítulo, todos devem  se pronunciar.  O que se pronuncia primeiro deve oferecer uma fala de referência. Não, necessariamente, um estudo exaustivo do tema. Afinal, todos irão se pronunciar.

Fui escolhido para ser o primeiro a falar sobre fraternidade. Parece uma tarefa tão simples, afinal somos um exemplo de fraternidade, de irmãos unidos, fortes e fraternos! Ou não? Mas, não é fácil. Irmãos fraternos devem observar uma mesma moral. Não é isso ser “frater”, irmãos na observância do mesmo significado do que seja uma vida boa? Então, se impõe a questão preliminar: qual a moral que professamos?

Convidei um filósofo, que morreu louco, para me ajudar nesta resposta. Pois só um louco se mete numa fria desta. Não exatamente para formulá-la, mas para instigar cada um dos nobres mestres perfeitos a se pronunciar sobre a moral que professa e, assim, entendermos a qual fraternidade pertencemos, a que formamos e a que construímos no dia a dia.

O louco nos informa que, no início, só existia uma moral. A moral dos fortes, dos vencedores, dos guerreiros. E esta moral se constituía em estar voltado para a vida natural, o cultivo da força vital. Então, os fortes construíram a moral que justificava o que era bom para os guerreiros.

E o que é bom para o forte? Tudo aquilo que se apresente como oportunidade de mostrar o seu valor, em especial a guerra. Ao vencedor… tudo. Tudo de bom e belo que existia na terra.

O guerreiro é aquele que se orienta pelas forças vitais da natureza e, sendo assim, é a si mesmo que ele pergunta: qual o caminho a seguir? E, quando acha interessante ouvir o outro, o faz apenas para afirmar a sua própria vontade, fundamentando-a com a palavra do saber que se submete aquele que tem o poder.

O guerreiro quando demora a decidir não o faz por prudência, ele apenas está dando melhor escuta ao seu corpo. Prudência é um valor do fraco, não do vencedor, este é imprudente por definição. Ele arrisca, se arremete às novas aventuras em busca de novas conquistas. O fraco se esconde na prudência de guardar o que já possui e não torna público o seu entendimento da vida, sua visão de mundo.

Vamos instigar melhor esta questão. Por exemplo, na moral do forte é correto que a primeira noite de núpcia, de qualquer casal dentre os vencidos, seja com o nobre Senhor? Sim, porque ele pode assim exigir. Mas, pode também isto não ocorrer, desde que ele não se interesse pela noiva.

A primeira noite de núpcia com o Senhor não é uma prerrogativa da noiva, não é um direito dela, é uma faculdade que possui o Senhor, simplesmente porque ele é o dominador, o vencedor, o forte.

A força é a base da moral do forte. Esta base foi lhe dada pela natureza, ele nasceu forte. É claro que, também, ele desenvolveu esta herança empregando-a na Arte da Conquista, na Arte da Guerra.

E aos fracos, o que lhe competem? Obedecer. Escravo bom é aquele que acolhe a ordem do Senhor sem nada questionar e se empenha ao máximo para que a mesma seja realizada com a qualidade exigida pelo Senhor.

Depois, só muito depois, é que surge a segunda moral.

Esta outra moral surge com a pregação do Filho de Deus na cruz, a condenação maior que o Império Romano poderia oferecer. O Filho de Deus, que não era outra coisa senão a própria manifestação da divindade, é sepultado e no terceiro dia é visto ressuscitado ao olho da única discípula que nunca o abandonou. Ela O amava, ela O ama, e por isso mesmo pode ter olhos para ver o Cristo.

Foi ela quem levou a Boa Nova aos apóstolos que se reuniam às escondidas, sem saber o que fazer. Levou àqueles que tinham esquecido as profecias do Reino de Deus e se apegavam à carne, ao corpo material, ao seu próprio corpo, fugindo da morte na cruz.  

A Boa Nova era simples e consoladora: Deus está entre nós, os escravos, os fracos e os vencidos. O seu filho morreu como o Cordeiro de Deus pela sua própria vontade para, em seguida, no terceiro dia, vencer a morte. Assim, não mais se farão necessários novos sacrifícios ao Deus dos Poderosos, ao Senhor dos Exércitos. Era uma Boa Nova para os fracos e para os escravos, não para os sacerdotes do Templo de Jerusalém, aliados do Imperador Romano.

Esta Boa Nova se espalhou como fogo na mata seca. Os escravos, que eram a grande maioria no Reino Romano, agora poderiam se unir em uma crença comum. Eles, que tinham origem em diversos povos dominados, que falavam línguas distintas, que acreditavam em deuses específicos, agora podiam se unir na crença do Deus Pai. Pai de todos os escravos, dos mais humildes, dos enfermos, dos carentes, dos humilhados… dos fracos. Eles, os últimos, serão os primeiros no Reino de Deus. Agora os escravos tinham um Deus que vencera a morte, ressuscitara para instalar, no seu nome, o Reino de Deus aqui na terra e conduzir os eleitos ao Reino dos Céus.

Depois de três séculos combatendo os cristãos, unidos e dispersos simultaneamente em nome de vários orientadores – outrora referidos como fundadores de Seitas Cristãs – o imperador de Roma decidiu se apropriar da crença cristã e instituir o cristianismo oficial como a religião do Império Romano, a religião única dos vencedores e dos vencidos. E, assim, impor uma nova moral e uma ideologia subjacente e mais sofisticada, menos transparente, para manter o domínio dos fortes sem contestação e sem revoltas.

Agora, os regulares cristãos apostólico romano tinham uma religião. Os soldados romanos não precisariam mais procurar os cristãos irregulares nas cavernas, nos lugares escuros. Daí em diante eles estarão expostos a luz do dia. E, daí em diante, as seitas serão melhor combatidas pelos sacerdotes cristãos apostólicos romanos.

O que é bom nesta nova moral? Os valores dos fracos. A humildade, a prudência, a contenção dos apelos dos instintos, a obediência disciplinada às exigências do estado e da religião. O que ganham os dominados? A vida eterna propiciada pela morte, orientada por preceitos instituídos pela religião dos mortos e, assim, surgindo a plena moral do outro mundo. O que terão que pagar para isso? A contenção dos seus instintos naturais, a própria negação da vida.

Mas, o escravo não se liberta com a nova moral? Claro que sim. Agora ele obedece de livre e espontânea vontade. Ele é livre. Inclusive, ele é livre para escolher continuar fraco. A maioria assim escolhe e canta a sua condição de livres… sou pobre porque quero, escolhi ser pobre. Sou fraco porque quero, sou fraco porque é melhor para mim e para todos. Esta é a outra moral: a minha fortaleza se apresenta no servir aos outros.

Deixemos o nosso nobre louco em paz. Aceitemos viver a nossa própria loucura. Aliás, era exatamente esta a proposta do filósofo. Cada um se guiando pelo seu próprio ser. Deixemo-lo em paz, embora saibamos que tudo que ele menos queria era a paz. Ele era um homem da guerra.

Em termos simples a divisão é assim: A moral primeira se fundamenta no olhar do homem para si mesmo. A segunda, no olhar do homem para o outro. Todavia, ocorreu algo a mais com a introdução da ideologia para justificar o poder dos dominadores: o fortalecimento do estado de direito e o populismo.

E os fortes como ficam nesta nova ordem moral? No início, ocupando os lugares de comando, tanto no Estado, quanto na Igreja, na indústria, no comercio e no exército. E, sempre que possível, aparentando seguir a moral dos fracos.

O plano de Constantino, de usar a religião cristã como um instrumento ideológico de dominação dos fracos, abriu uma fenda no domínio dos guerreiros. A força física deixou de ser a predominante, sendo substituída pelo dom de negociar acordos e a capacidade de persuadir. De modo que os antigos fortes, baseados na força física, foram sendo substituídos pelos baseados na força mental. Assim, como fracos não são mais identificados apenas pela fraqueza física, mas, e principalmente, pela fraqueza mental.   

Os novos fortes, em geral, se apresentam ao público como os mais humildes dentre todos os humildes. Dificilmente, afirmam que fazem a própria vontade, mas afirmam cumprir rigorosamente a vontade do povo, etc. Fazem sempre o melhor para o povo, e dizem, não o que é melhor para si.

Como se vê, estes novos fortes são diferentes dos antigos. Os antigos não dissimulavam os seus propósitos, por isso eram chamados de nobres. Os nobres formavam uma fraternidade, pois possuíam uma moral. Os novos, não. A moral que os novos fortes dizem observar, em verdade é apenas para ser observada pelos populares.

Isto posto, coloco para os nobres mestres perfeitos do Capítulo Apóstolos do Amor algumas questões:

– Se somos construtores de uma sociedade justa e perfeita, por que procuramos tanto nos diferenciar dos outros? Por que não nos contentamos com a condição de aprendiz maçom? Ou mesmo, com a de companheiro maçom?

– Certo, tudo bem, queremos melhorar para melhor servir. Então, por que não nos contentamos quando somos exaltados à condição de mestre do simbolismo?

– Tudo bem, aceito a resposta do silêncio. Ele me diz: a palavra continua perdida nesse terceiro grau de Mestre Maçom! Certo, mas nobres mestres perfeitos neste quarto grau, em que todos nos encontramos, já nos foi revelada a palavra, ela não se encontra mais perdida. Se assim é, porque a busca de novos progressos na maçonaria dos altos graus?

Claro, a resposta é óbvia, somos seres em um processo de constante aprimoramento. E mais ainda, comumente, quando chegarmos ao mais alto grau do Rito Adonhiramita, Grau 12 – Cavaleiro Rosa Cruz, ainda teremos que incorporar o Rito Noaquita… E depois, muitos irão enveredar em novos progressos mediantes a iniciação em outros tantos ritos maçônicos existentes ou na iminência de serem criados.

Como muitos terão ainda que falar, termino aqui a minha participação, provocando os amados nobres mestre perfeitos a se questionarem: em que somos fraternos?

Melquisedec, ao Vale de João Pessoa, aos seis dias do mês de Kislev do ano de 6014 da Verdadeira Luz.