Nós já sabemos que a observação dos astros foi de fundamental importância para a evolução da humanidade. No princípio, nosso conhecimento do céu era passado verbalmente entre as gerações, e esse conhecimento, orientou nossas migrações e também nos ajudou a marcar a passagem do tempo, o que possibilitou o desenvolvimento da agricultura, já que podíamos prever as melhores épocas para plantar e colher. Foi graças à Astronomia que pudemos nos estabelecer em sociedades e formar nossas civilizações.

Infelizmente, grande parte desse nosso conhecimento astronômico ancestral se perdeu com o tempo. Os mais antigos registros astronômicos que se tem conhecimento são de aproximadamente 3000 a.C. e são atribuídos aos chineses, babilônios, assírios e egípcios. Só que existe um misterioso rochedo no interior da Paraíba, que pode mudar um pouco esse conceito.

Trata-se da Pedra do Ingá, que traz inscrições rupestres que podem ser os mais antigos registros astronômicos da humanidade, e fazem dos povos que habitavam aquela região, os astrônomos pré-históricos do Ingá.

A Pedra do Ingá se localiza a 5 Km ao sul da sede do município de Ingá, no agreste paraibano. É uma suntuosa formação rochosa, à margem do Riacho Bacamarte, coberta por cerca de 500 inscrições rupestres entalhadas na pedra.

[ Detalhe do painel principal da Pedra do Ingá – Foto: Marcelo Zurita ]

A maioria dos entalhes decora um paredão de 15 metros de extensão por 2,3 metros de altura. A Pedra do Ingá não é o único local onde se encontram essas inscrições em baixo relevo, chamadas de ‘itacoatiaras’. Mas sem dúvida, esse conjunto de entalhes em sulcos largos, profundos e muito bem polidos, é o mais belo, complexo e surpreendente painel de itacoatiaras que se tem conhecimento.

Mas quem fez, quando fez, o que significam as itacoatiaras da Pedra do Ingá, até hoje é um mistério. A única coisa que sabemos é que esse é um dos mais importantes sítios arqueológicos pré-históricos do Brasil.

O mais antigo registro conhecido da Pedra do Ingá é de 1598. Naquela época, a recém-fundada Capitania Hereditária da Paraíba, vivia um período sangrento, onde os colonizadores, aliados aos índios Tabajaras, tentavam expulsar daquelas terras os nativos Potiguaras que resistiam à ocupação portuguesa. Em uma dessas missões, Feliciano Coelho de Carvalho, então Capitão Mór da Paraíba, seguia com seus soldados pelo interior da Capitania quando avistaram pela primeira vez a misteriosa Pedra.

Intrigado, Feliciano perguntou aos Tabajaras quem teria feito aquelas inscrições. Assustados, os indígenas responderam que aquele era um local sagrado e que a pedra teria sido cunhada pelos deuses. Historiadores acreditam que isso significa que aquela não era uma obra nem dos Tabajaras, nem dos Potiguaras. Provavelmente teria sido criada por tribos pré-Tupis, povos ameríndios que colonizaram essa parte da América há milhares de anos.

[ Resistência Potiguara, quadro de Johann Moritz Rugendas que retrata a resistência indígena à colonização portuguesa – Domínio Público ]

Desde então, passaram-se os séculos e ficaram as dúvidas. Claro que não faltaram teorias fantásticas sugerindo que aquelas inscrições teriam sido feitas por visitantes alienígenas e coisas do tipo. Mas uma coisa é certa sobre a Pedra do Ingá: ela foi talhada por mãos humanas.

Os sábios habitantes daquela região teriam desenvolvido um método muito simples de entalhar a rocha. Utilizando uma pedra dura como ferramenta, um pouco de água e um tanto de tempo, qualquer pessoa consegue entalhar os glifos como os encontrados no sítio arqueológico.

A própria natureza utiliza o mesmo método para entalhar leitos rochosos de rio. As pedras aprisionadas em uma área de turbilhão d’água acabam desgastando a rocha de forma circular. Depois de alguns milhões de anos desse movimento repetitivo, formam-se os caldeirões de pedra conhecidos como “marmitas de gigante”.

Outras hipóteses atribuem essas inscrições aos povos “mais civilizados”, como fenícios, egípcios, hititas, e outros viajantes de outra parte do mundo. Algumas teorias até bem fundamentadas, inclusive indicando semelhanças nos glifos encontrados no Ingá com os símbolos da escrita antiga desses povos. Mas os autores parecem ter uma grande resistência em atribuir a autoria dos glifos aos povos nativos da região. Por que a América do Sul não poderia ter abrigado civilizações pré-históricas que, por ventura, declinaram e desapareceram?

Há também teorias que atribuem a autoria daquelas itacoatiaras a povos locais como os cariris ou os povos ameríndios pré-coloniais. São hipóteses mais simples, e mais fáceis de se aceitar. Afinal, para criar as inscrições, não seria preciso construir grandes embarcações capazes de atravessar 7.000 Km de oceano. Bastaria friccionar uma pedra contra a outra.

Agora, para explicar o que aqueles glifos representam, em 1974, José Benício de Medeiros sugeriu, pela primeira vez, que eles poderiam conter dados astronômicos. Ele conseguiu relacionar uma série de gravuras no lajedo às estrelas da Constelação de Órion. Três “estrelas” excedentes gravadas na pedra, poderiam ser planetas, indicando que aquilo poderia ser uma representação de uma conjunção planetária na Constelação de Órion.

Para que isso fosse possível, o ponto vernal deveria se encontrar na constelação de Órion na época em que as gravuras foram feitas. Calculando o deslocamento anual do ponto vernal, Medeiros determinou que esse monumento teria sido construído em torno de 2.173 a.C.

A teoria de Medeiros, se mostrou, a princípio, muito plausível e, de fato, influenciou vários autores depois dele. Como resultado, ela é considerada, até hoje, quase como incontestável. Embora ainda faltem elementos para sua comprovação científica definitiva.

Mais tarde, em 1986, o arqueólogo espanhol Francisco Pavia Alemany propôs que a Pedra do Ingá poderia servir de calendário solar. Um monolito vertical próximo projetaria diariamente sua sombra, ao nascer do Sol, ao longo da linha horizontal de capsulares da pedra. Cada dia em uma marcação diferente ao longo do ano. Tudo isso é bem plausível, mas em seus próprios cálculos, Alemany não conseguiu resolver as diferenças entre os resultados esperados e os medidos em campo.

Já Francisco Carlos Pessoa Faria em seu livro “Os Astrônomos Pré-Históricos do Ingá”, de 1987, conseguiu encontrar a linha da eclíptica e todas as Constelações do Zodíaco nas inscrições da Pedra do Ingá, além de sugerir uma datação para ela entre 2150 e 4300 anos antes de Cristo.  Ele mesmo admite que não tem como comprovar tal teoria, e que seu interesse principal seria “abrir a discussão”. E de fato, seria muito difícil que os povos desta época tivessem o conceito de eclíptica, algo que só foi desenvolvido na Grécia, mais de 2 mil anos depois. E seria uma grande coincidência que sua cultura compartilhasse as mesmas constelações do zodíaco com os europeus.

[ Gravuras no lajedo da Pedra do Ingá que, segundo José Benício de Medeiros, representariam a Constelação de Órion durante uma conjunção planetária – Foto: Marcelo Zurita ]

Segundo o Professor Germano Bruno, um dos maiores especialistas no assunto, pode até ser, e é provável que a Pedra do Ingá possua elementos astronômicos, mas para encontrar de fato essas respostas, precisamos antes de tudo, conhecer a cultura dos povos ameríndios que habitavam na região.

Todas as etnias indígenas brasileiras pesquisadas por ele dão maior ênfase à Via Láctea. Para eles, a Via Láctea é a Morada dos Deuses. E analisando as gravuras do Ingá, muitos pajés identificaram espíritos da mitologia tupi-guarani. Com base nessas identificações, o painel poderia indicar parte da Via Láctea e as gravuras representariam espíritos indígenas que eram vistos no céu, formados por estrelas e por manchas claras e escuras da Via Láctea.

Mas infelizmente, a conclusão a que se chega ao se analisar as várias teorias e sua fundamentação científica, é que ainda não existe nenhuma resposta conclusiva sobre a datação, significado ou funcionalidade das inscrições da Pedra do Ingá. Por outro lado, é fascinante imaginar que poderiam estar ali alguns dos registros astronômicos pré-históricos mais antigos que se tem conhecimento. Uma representação fantástica do que era o céu dos nossos ancestrais, há alguns milhares de anos.