Taxar uma amiga de vida sexual ativa como piriguete e valorizar mais roupas do que conquistas profissionais femininas são algumas atitudes equivocadas e nocivas
O machismo faz mulheres terem sua intimidade invadida nas ruas, receberem salários menores que os homens e ter oportunidades desiguais no mercado de trabalho, entre outros problemas. Arraigado na sociedade, esse fenômeno inclusive leva as próprias vítimas a reproduzirem falas e atitudes preconceituosas contra elas mesmas.
Para a psicóloga e sexóloga Ana Canosa, a cultura machista faz com que mulheres tenham comportamentos machistas sem se dar conta. Com ideias que entram nas cabeças delas ainda na infância
“É uma questão cultural, relacionada ao papel de gênero construído para mulheres. Todas as situações contadas nos contos de fadas diziam: os homens é que escolhem as mulheres. Por isso, para conseguir um príncipe, faça como Cinderela: seja boa, bonita, casta, generosa e prendada. Isso é fruto de uma ideologia machista, que converteu as mulheres em submissas que se estapeavam para competir por serem ‘as escolhidas’ de um homem”, avalia a sexóloga.
Tica Moreno, socióloga da Sempreviva Organização Feminista, entende que esse comportamento dificulta a luta por igualdade de gênero. “É fundamental que as mulheres se unam, uma mulher sozinha não vai conseguir fazer muitas mudanças na sociedade”, argumenta. “É preciso deixar de olhar as amigas como possíveis rivais, não reforçar antigas crenças e chavões”, acrescenta Ana.
A seguir, Ana e Tica comentam comportamentos que as mulheres precisam parar de reproduzir para não reforçar o machismo.
1 – Criticar mulheres com vida sexual ativa
A edição atual do “Big Brother Brasil”, o reality show mais popular do País, traz um dos casos mais comuns de machismo. No programa, dois casais praticaram sexo frequentemente e sem falsos pudores. Porém, o público majoritariamente feminino da atração eliminou as mulheres que faziam parte dos pares e manteve os homens no confinamento.
O programa reproduziu um julgamento comum que a sociedade faz das mulheres que têm uma vida sexual ativa e com diferentes parceiros, sendo tachadas por isso como promíscuas. Essa culpabilização é conhecida pelo termo ‘slut shaming’. Enquanto isso, homens que têm a mesma atitude são celebrados com garanhões.
“Devemos parar de criticar as mulheres que assumem seus desejos e conquistas”, propõe Ana.
2 – Por a responsabilidade da traição só na mulher
É comum quando um homem comprometido trai sua namorada ou esposa com outra a responsabilidade cair apenas sobre a mulher, que seduziu o rapaz indefeso. Até a traída é criticada por deixar o parceiro ir ‘procurar na rua’ o que não encontra em casa.
“No caso em que um homem comprometido em uma relação monogâmica trai a mulher com outra, a responsabilidade é do homem. Esse tipo de ponto de vista [culpabilização da mulher] acaba tirando a responsabilidade dele”, pondera Tica.
3 – “Ela não é mulher pra casar”
A separação preconceituosa e machista que se faz entre ‘mulheres para casar’ e ‘mulheres para transar’ muitas vezes é repetida pela própria mulher, que quer assim se diferenciar das chamadas ‘piriguetes’.
“As mulheres acabam reproduzindo a lógica da sociedade machista. A culpa [desses atos] não é das mulheres individualmente, mas do patriarcado que se reproduz segundo esse sistema”, aponta Tica.
4 – Criticar o corpo de outras mulheres
Tica critica parte das revistas femininas que usam análises de moda para fomentar preconceitos. De acordo com a socióloga, essas avaliações embutem julgamentos estéticos. “Ela é muito gorda pra usar essa saia curta e deixar as pernas de fora’”, exemplifica a socióloga.
Não só a gordofobia, mas qualquer outra desvalorização por conta da estética é muito presente na vida de muitas mulheres. Por isso, comentar com uma amiga que ela tem muito peito, pouco bumbum, ou que ela é magra demais, só vai deixá-la mais triste e colaborar com a falta de união. “A mulher tem que valorizar outras questões, sair do papel de deusa sedutora”, defende Ana
5 – Dar mais valor às roupas do que às conquistas
Seja na posse de uma presidente ou na cerimônia do Oscar, as roupas das mulheres tendem a ser mais valorizadas do que suas conquistas profissionais. Por conta disso, atrizes de Hollywood como Reese Witherspoon, Cate Blanchett e Julianne Moore têm apoiado uma campanha para combater essa conduta.
Batizada como #AskHerMore, a campanha pede que repórteres façam perguntas mais criativas sobre a profissão e as conquistas das atrizes, e não apenas sobre o que elas vestem.
Ana acredita que ainda estamos longe do momento “quando roupa, cor de cabelo, tamanho de bunda, de peito, de cintura, idade, sobrenome e aliança no dedo não farão a menor diferença no valor que alguém possa ter como pessoa humana”.
6– Invejar conquistas das outras mulheres
“Freud já dizia, no começo do século 20 sobre “a inveja do pênis”. Não do pênis como órgão, mas do poder que ele representava em uma cultura machista e moralista. Nasceu com pênis, o mundo estava aberto, em todas as dimensões. Nasceu com vulva e vagina, todas as proibições. Então, quando uma mulher tem poder legitimado culturalmente, no trabalho, na beleza, entre outros, os olhos invejosos se voltam para ela”, assinala Ana, acrescentando que é necessário evitar mais esta ferramenta de reprodução do machismo.
7 – Criar filhos de modo diferente
Não só dentro nas escolas e na rua, mas dentro de casa a educação na maioria das vezes ainda é muito sexista. As mães têm parte da responsabilidade de desconstruir o machismo desde cedo, segundo as especialistas. Muitas delas dividem as tarefas de casa de forma desigual. Assim, meninas lavam a louça do jantar enquanto os meninos assistem TV com os pais. Estes afazeres não dependem de sexo ou gênero para serem feitos.