“Hi. How are you? [Oi. Como vai?]” É a primeira frase que o vendedor de carros Igor Mendes, 26, diz esbaforido à repórter Marcela Paes durante uma das noites de festa na Vila Madalena, em SP, bairro boêmio que virou “point” e atrai multidões de brasileiros e estrangeiros na Copa do Mundo.
“Where are you from? [De onde você é?]“, emenda ele, depois de se identificar como escocês. Mas logo Igor tropeça. “I speak English more or less [Falo inglês mais ou menos]“. Como assim? Afinal, inglês é a língua oficial da Escócia. Ele então se entrega: está fingindo que é gringo apenas para paquerar as meninas que circulam por ali. “Não faço isso com todas, só com as especiais”, afirma Igor, que acaba de terminar um namoro de oito anos.
Frases em inglês macarrônico e “portunhol” e saudações básicas em francês e italiano (“que beeela!”, ouve-se constantemente) viraram as armas dos brasileiros para azarar as conterrâneas. “A gente já pega mulher. Falando em inglês, pegamos ainda mais. É 90% de sucesso. Mulher gosta de dinheiro, e gringos têm isso”, diz Daniel Tavares de Araújo, 29, que é representante comercial.
A música alta –funk, techno e samba– que sai do porta-malas de carros parados no meio da rua ajuda Daniel e os amigos Reno Bellizzia, 26, e o universitário Matheus Petroni, 26, a enganar os ouvidos das mais distraídas. Sem camisa, eles passam a noite tentando conquistar jovens que circulam pelo bairro.
“Também tem a coisa da aventura”, afirma Matheus. “Muitas mulheres buscam o desconhecido, ficar com alguém que elas não vão ver nunca mais”, diz ao repórter Joelmir Tavares.
Muitos arriscavam diversos idiomas, dependendo do tipo físico da mulher que passava em sua frente. “Hola [Oi]. Chilena? Americana? Do you speak English? [Você fala inglês?]“, dizia Leonardo Quintas, 19, estudante de engenharia da Unip (Universidade Paulista), na noite de quarta-feira.
Ele se empolga tanto ao falar de seu “personagem” que, antes de posar para a foto, pede emprestada a um britânico a camiseta do time londrino Westham United. Para Leonardo, usar o inglês ou o espanhol surpreende as brasileiras. “Tenho certeza disso. Elas estão acostumadas com o português, e aí você vem com o fator surpresa.”
Conseguir perpetuar a mentira é um desafio. Mas nem sempre é possível, já que uma boa parte das jovens domina os idiomas. “Mas, se der certo por meio segundo, já valeu a pena. Aliás, já está valendo a pena”, afirma ele, garantindo já ter tido sucesso na empreitada com ao menos uma brasileira.
A estudante Thais Iwanow, 21, conta que chegou a cair no conto do falso gringo. “Não beijei, mas fiquei conversando com ele um tempão. Por causa de um detalhe idiota, percebi! Mandei se catar!” E redobrou a cautela. “Agora, qualquer um que chega falando em inglês, eu viro as costas!” Mas abre exceções. “Se for gato, eu fico, mesmo que ele esteja fingindo.”
Só enquanto falavam com a coluna, Thais e uma amiga, a estudante Bia Freitas, 22, foram interrompidas duas vezes, em português, por homens interessados nelas. “Eles fazem isso porque acham que a gente está ‘bebaça’. Eles é que estão! A pessoa vem dizendo que é da Inglaterra, mas é de Pinheiros [bairro da zona oeste]. Ah, vai tomar no c…!”
Munidos de narguilés (tipo de cachimbo árabe), garrafas de vodca e cervejas despejadas na boca em funis, frequentadores têm ficado até o amanhecer nas ruas -não é raro encontrar alguns desacordados ou passando mal.
No meio do empurra-empurra, o assistente administrativo Joaquim Souza, 22, desaprovava os que se fingem de estrangeiros. Segundo ele, alguns amigos já usavam o truque antes mesmo do Mundial. “Acho ridículo. É sem noção. E o patriotismo, como fica? Aqui é Brasil, pô!”
Camila Marinho, 27, também veste a bandeira. “Prefiro os brasileiros! A pegada é muito melhor.” Para a estudante de hotelaria, quem pensa estar bancando o esperto com as encenações faz papel de bobo. “Quando eu morei na Austrália, só fiquei com brasileiros”, diz ela.
Há quem prefira aproveitar mesmo o clima de confraternização mundial. “Gostamos dos gringos. Depois da Copa do Mundo, só vão sobrar os brasileiros”, dizia a estudante Inêssa Pasquini, 30, ao lado da amiga Thais Moraes, 27. No jogo entre nativos e estrangeiros, leva a taça quem “tem uma boa conversa e é educado”, na opinião delas. Thais reclama: “Brasileiro só quer pegação!”.
Folha Press