Bioma ainda é pouco conhecido e o seu desmatamento no Brasil chega a 46%, segundo informações do Ministério do Meio Ambiente
A caatinga ocupa 92% da área da Paraíba, mas está acabando principalmente por causa do consumo desenfreado e ilegal de lenha. Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama/2009), demonstram que restam 39,2% desta vegetação no Estado. O bioma ainda é pouco conhecido e o seu desmatamento no Brasil chega a 46%, segundo informações do Ministério do Meio Ambiente (MAM), e ele não existe em nenhum outro lugar do mundo.
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O desmatamento excessivo e contínuo leva à desertificação. Conforme o relatório do Programa Estadual de Combate à Desertificação (PAE-PB/2011), 36,5% da área total de caatinga paraibana está com alto risco de desertificação: isso representa 18.434 quilômetros quadrados de caatinga. “O terreno torna-se infértil e o dano pode ser irreversível”, alerta o pesquisador Bartolomeu Israel de Souza, integrante da equipe que elaborou o estudo.
Essa informação tem relação com outro estudo feito pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz): a previsão para os próximos 35 anos é de que as terras cultiváveis na Paraíba encolherão 66,6%. Esse percentual é maior do que a média nordestina de 60% de perda de suas terras produtivas.
Área de preservação é degradada
Do alto de um mirante na área de preservação ambiental (APA) das Onças, no Cariri Oriental, enxerga-se quatro áreas de desmatamento em topos de morros com inclinação maior do que 45 graus, o que é proibido pelo Código Florestal para as Áreas de Preservação Permanente (APPs), principalmente dentro das APAs. A vegetação é desmatada pelos moradores da região para a agricultura, plantio de palma, ou simplesmente para retirada da lenha que é vendida ou dela é feito carvão em carvoarias improvisadas.
Logo na entrada da APA, próximo a um sítio com pinturas rupestres, bem à vista, estava um forno improvisado de lenha em pleno uso, com sacos de carvão pela metade, machados, latas de querosene e montinhos de lenha para serem queimados. E não era preciso andar muito para ver áreas desmatadas.
As regiões do Cariri Oriental e da Borborema são as mais suscetíveis à desertificação, conforme as pesquisas orientadas pelo professor Bartolomeu de Souza. Em São João do Tigre, Camalaú e São Sebastião do Umbuzeiro é fácil encontrar terrenos em processo avançado. As árvores de pereiros, por exemplo, não passam de 30 ou 40 centímetros de altura e os caules são grossos. “Isso demonstra que a planta já foi cortada e está rebrotando, agora em solo com pouco ou nenhum nutriente”, explica o ambientalista Nivaldo Maracajá.
Madeira nativa exportada para o RN
O Seridó paraibano é rico em minérios como o caulim e sofre com a degradação pelo extrativismo. O tipo de energia usada pelas indústrias que processam essa matéria-prima é a lenha. Fornos queimam dia e noite troncos de árvores nativas e jovens. Próximo a Picuí, um terreno desmatado apresenta as voçorocas, buracos abertos no solo por causa da erosão. Os buracos não são fundos, em menos de cinquenta centímetros a rocha aflora, o que é outra característica do solo paraibano: uma rasa camada de terra cobre o cristalino. Acabou-se a perspectiva de recuperação deste solo. Este cenário se repete em centenas de quilômetros pelo território da caatinga.
As cerâmicas também queimam árvores e mais árvores nativas da caatinga para sempre. Sobram as cinzas e os tijolos. Estas empresas se situam também no Rio Grande do Norte, em Carnaúba dos Dantas na divisa, saindo de Picuí por uma estrada esburacada. Lá tem um polo cerâmico que recebe madeira extraída na caatinga da Paraíba.
A reportagem seguiu um caminhão desde a Paraíba, sem placa traseira, em péssimo estado de conservação, até sua entrada em uma das cerâmicas deste polo, onde descarregou a carga de lenha mista, de árvores nativas e exóticas. Pela espessura dos troncos pode-se ver que são plantas jovens, com menos de cinco anos de desenvolvimento, enquanto estudos apontam que o ciclo da vegetação da caatinga é de, no mínimo, 15 anos. Não havia fiscalização, nem posto de divisa. A rota tem pouco trânsito e nenhum policiamento.
As cinco olarias na beira desta estrada em um trecho de menos de dois quilômetros estavam com placas de identificação do órgão licenciador do Rio Grande do Norte (o Ideme) com datas de licenças vencidas.
Rogério Ferreira, consultor ambiental do Projeto de Desenvolvimento Sustentável do Cariri, Seridó e Curimataú (Procase), viaja com frequência pela região e testemunha: “É difícil não ver caminhões de lenha transitando”.
No outro extremo da Paraíba, no Cariri Oriental, em Sumé, no Congo, em Serra Branca, Camalaú as olarias não apresentam sinalização de licenciamento na entrada e usam fornos artesanais, que consomem muito mais lenha do que o forno contínuo, com uma estrutura mais sustentável. Na Cerâmica Sumé, as montanhas de lenha indo para o forno tinham troncos de árvores com menos de três anos, nativas. Era final de tarde e um funcionário explicou que o forno estava sendo ligado naquele momento e ficaria aceso a noite inteira para queimar os tijolos crus. Todos os dias, a mesma coisa.
PE produz 97% do gesso do País
73% da energia usada no polo de Araripe vem da lenha cortada em um raio de 400 km do local
No extremo oeste de Pernambuco, divisa com a Paraíba e Ceará, os municípios de Araripina, Bodocó, Cedro, Dormentes, Exu, Granito, Ipubí, Moreilândia, Ouricuri, Parnamirim, Santa Cruz, Santa Filomena, Serrita, Terra Nova e Trindade, formam o Polo Gesseiro do Araripe. Atualmente, lá é produzido em torno de 97% do gesso consumido no país.
Os números são grandes. São gerados 13,9 mil empregos diretos e 69 mil indiretos, em 42 minas de gipsita, 174 indústrias de calcinação e cerca de 750 indústrias de pré-moldados, que faturam R$ 1,4 bilhões/ano (Sindusgesso, 2014). E 73 % de toda a energia usada nesse processo vem exclusivamente da lenha (Atecel 2006).
Dados do Sindusgesso (2014) indicam que o crescimento da produção de gesso entre 2008 e 2011, foi em média 18% ao ano. E o consumo de lenha também aumenta. Geraldo Majella Bezerra Lopes, do Instituto Tecnológico de Pernambuco (Itep), afirmou que trabalhos acadêmicos demonstram que a coleta de lenha girava em torno de 50 km do polo, mas hoje está em um raio de 400 km.
Esse raio atinge os estados da Paraíba e do Ceará, mas no território cearense está a Unidade de Conservação do Araripe, uma área de proteção ambiental. Isso torna a Paraíba um lugar de onde se pode tirar a lenha.
“O empresariado está buscando opções. Mas a lenha ainda é o que custa menos. Temos (pelo Itep) feito campanha para buscar alternativas. A demanda de hoje é muito alta e calcinadoras artesanais continuam usando sistemas artesanais que consomem mais lenha. Precisa incentivos, capacitação e tecnologia”, afirma o especialista.
Na BR-230, próximo de Soledade, a reportagem abordou o proprietário de caminhão que estava estacionado, carregado com madeiras nobres nativas e exóticas. Identificou-se como Arnaldo Bernardino e afirmou que tinha os documentos que autorizavam o transporte. Mas, enquanto respondia, outro motorista que estava na cabine manobrou o caminhão para longe, e Bernardino alegou que os papéis estavam dentro do caminhão e que agora o caminhão havia partido. “Essa carga está indo para Pernambuco. Eu vim de Sousa, onde peguei a carga em uma fazenda de lá”, disse ele, completando que mora em Monteiro, no Cariri.
Mais importante é conhecer bioma
Rogério Ferreira, consultor do Procase, destaca que o mais importante para consolidar a preservação da caatinga é conhecer o bioma. “Precisa, primeiro, ter as dimensões atualizadas do desmatamento e da presença do bioma”. Ele afirmou isso diante dos números apresentados pelos órgãos ambientais, que são de 2009. A Sudema informou que o instrumento que auxiliará no controle ao desmatamento, serão as informações do Cadastro Ambiental Rural (CAR) que servirá dentre outras funções, o monitoramento da vegetação existente no Estado e está sendo feito.
As técnicas de plantio e manutenção da água também são importantes. É comum os agricultores limparem o terreno e depois queimar o restante, prática que, com o tempo, retira os nutrientes do solo. Neste sentido, o Procase entra com investimentos para o desenvolvimento da região do semiárido priorizando o uso de tecnologias sustentáveis e recuperação de áreas degradadas. “O Procase estimula o uso de energia alternativa, como o biogás, trabalha na recuperação de nascentes, na captação e armazenamento de água natural, na construção de viveiros e bancos de sementes de árvores nativas”, explica o consultor.
As alternativas de sustento para quem vive da extração de lenha têm que existir. Uma delas é o turismo. A presidente da PBTur, Ruth Avelino, lembra que “turismo é uma atividade econômica”. O importante é integrar o morador local na atividade turística, como ocorre no município do Congo. A cooperativa Coopserra mantém o Hotel Paraíso da Serra, de base comunitária. O estabelecimento foi construído pelos cooperativados, onde eles trabalham atualmente.
O manejo florestal também é essencial. É lei. A ONG SOS Sertão trabalha em 12 áreas de assentamentos e comunidades agrárias, inclusive o Seridó e o Cariri Oriental. “Aprender a extrair do solo o que ele pode dar e esperar sua regeneração natural é fundamental e o agricultor, o empresário, precisam entender isso. O combate à desertificação implica no equilíbrio do clima e do sistema como um todo”, argumenta Joaquim Araújo de Melo Neto, coordenador-geral do projeto.
Lenha: 50% da energia de indústrias
A Superintendência de Administração do Meio Ambiente (Sudema), órgão paraibano responsável pela gestão florestal, confirma que “a matriz energética ‘lenha’ representa em torno de 50% para o setor industrial”, e a vegetação da caatinga contribui na economia do Estado”. O setor cerâmico usa 96,4%, da matriz energética oriunda da lenha, e ainda, setores de tecelagem, produção de caulim, aviários, restaurantes, churrascarias, panificadoras, como também, o consumo de lenha e carvão vegetal pelo setor doméstico usam lenha.
“A exploração da caatinga é basicamente realizada com a finalidade energética, principalmente para obtenção de lenha e carvão vegetal. Verifica-se que a cobertura florestal da caatinga tem-se reduzido drasticamente pela falta do manejo adequado e pelo tipo de exploração adotado”, como constata o órgão e segue afirmando: “(…) constata-se que grande parte do consumo é feito de maneira ilegal por algumas indústrias dentro do Estado, além de existir rotas de transporte de lenha ilegal nas divisas, de forma mais atenuante com Pernambuco e Rio Grande do Norte. ”Atualmente, a Sudema registra 63 planos de manejo protocolados com licenciamento para exploração da lenha.
Polícia Ambiental combate o comércio ilegal
De acordo com a Polícia Ambiental, uma guarnição do batalhão realizou uma apreensão de um caminhão transportando material de origem florestal de maneira irregular na última sexta-feira. O comércio de lenha no Estado é fiscalizado através de vistorias nos estabelecimentos que utilizam lenha como padarias e olarias, os quais necessitam da Licença de Operação emitida pelos órgãos ambientais, bem como o Cadastro Técnico Federal de Consumidor de Produtos de Origem Florestal. Ocorre ainda a fiscalização no período de festejos juninos. O transporte é também é fiscalizado com a exigência do Documento de Origem Florestal (DOF). Nas APAs e UCs são programadas ou feitas a partir de denúncia.
Desmatamento impede pesquisa
Fala-se muito em Amazônia, em Mata Atlântica, investimentos vultuosos para recuperação dessas vegetações e pesquisas são feitas sobre elas, e quase nada se sabe sobre a Caatinga. O professor Bartolomeu de Souza com o aluno de Biologia André Carrilho identificou 25 espécies de orquídeas em alguns levantamentos feitos na APA, catalogou, fotografou, e concluiu que a grande maioria são originárias de Mata Atlântica, o que indica a presença desse bioma nesta APA. Poderiam ser espécies que existissem só naquela área. Mas quando eles voltaram, para pegar novas amostras, a área estava limpa e queimada. “Tinham desmatado tudo. Perdem-se informações científicas e perde-se o conhecimento do bioma”, falou o professor .
O processo de desertificação atinge oito dos nove Estados do Nordeste, além do norte de Minas Gerais: Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco, Alagoas,Sergipe, Bahia, correspondendo a 15,7% do território brasileiro, onde moram 31,6 milhões de pessoas. (PAE-PB)
Economia Ambiental
Bartolomeu de Souza pontuou que “a mídia internacional divulgou recentemente que o homem já ultrapassou o limite da sustentabilidade de uso de alguns recursos naturais e da biodiversidade do Planeta, e corresponde ao que se vê na prática na Caatinga”. Trata-se de um estudo científico feito por 18 especialistas internacionais, liderados por Will Steffen da Australian National University, publicado no jornal Science. Os limites ultrapassados mencionados no estudo foram em mudanças climáticas, perda de espécies, uso da terra e poluição por fertilizantes.
Para “correr atrás do prejuízo”, empresas europeias e americanas compensam as perdas ambientais investindo em projetos em países que ainda possuem ativos ambientais, como é o caso do Brasil “O Brasil está despertando para o conceito de economia ambiental. As empresas de países desenvolvidos investem em programas e fundos ambientais no Brasil para compensar o passivo ambiental que já foi destruído nesses territórios. Mas o investimento retorna para esses países e não permanece no Brasil. Estamos perdendo por não compreendermos que o valor ambiental não é financeiro. É tudo aquilo que a floresta produz para nosso proveito como um bom clima, água, sustentação, proteção e produção de adubo natural, remédios…”, explica Rogério Ferreira, consultor do Procase.