O ANO DE 2007 MAL HAVIA desarnado no calendário e lá estava eu na minha querida Serra Branca em um momento deveras especial, sábado, dia de feira. De férias, fui visitar os amigos de faculdade Sérvio Túlio e Dominique Almeida. Ao ficar sabendo que na semana seguinte seria o aniversário de Paulo Careca, pai de Sérvio, fiz questão que ele nos acompanhasse em uma visita a feira. Para Sérvio, conhecedor de cada recanto do lugar, era na verdade um passeio etílico-gastronômico. Para mim, que ainda não conhecia aquela afamada feira, meu olhar ia mais além; maneira ímpar de conhecer as minúcias da terra e de sua gente, os costumes caririzeiros, a arte do fazer e o que identifica e motiva aqueles viventes. Dias antes, Sérvio havia me contado um pouco a história de seu pai, conhecido atleta do Cariri paraibano que fez história nas décadas de 1960 e 70. Fiquei curioso, desejei saber um pouco mais da vida daquele cidadão terno, simpático, de gestos simples e afáveis, anfitrião extremamente acolhedor que estava prestes a completar 67 anos.
Da casa de Sérvio, fomos a pé, tateando ruas calçadas e limpas, conhecendo populares e vendo o trânsito de carros e motos ora com víveres, ora com frutas, hortaliças e objetos diversos, prenúncio da movimentação que veríamos a seguir. Já na feira, nossa caminhada era constantemente atrapalhada por populares que vinham abraçar Paulo, lembrar momentos passados, apertar sua mão. Sem dúvida, um carisma admirável. Vi naquele momento o quanto ele é querido e me impressionou. Na frente do bar de Zé Rato, um sanfoneiro tocava Luiz Gonzaga acompanhado por zabumba, triângulo e pandeiro, harmonia que atraía muita gente. Entre cores, aromas e sabores, troquei muitos sorrisos; gente alegre, simpática e hospitaleira. Fugindo um pouco do frisson, Sérvio nos leva para o bar e restaurante do Jurandir, na mesma rua, ali dava para conversar tranquilamente. Mesinhas quadradas em madeira e tamboretes nos aguardavam. Uma brahma geladinha e bode torrado nos foi servido, e Paulo começou a abrir seu coração e narrar o enredo que teceu sua vida.
Nascido no dia de São Paulo de 1941, filho de padeiro, neto e sobrinho de sapateiros, poetas e emboladores de coco, teve uma infância simples e provinciana, participando sempre da vida social da cidade, quer seja os desfiles ou mesmo os festejos juninos e carnaval. A arte e a alegria não o acompanhou só no DNA, mas foi pedra de toque da educação e formação daquele garoto que sabia bem o tempo de brincar, de estudar e de trabalhar. Era um dedicado ajudante de seu pai na famosa padaria de Dona Isaura, aproveitando sempre o tempo livre para jogar futebol. Na praça central, ainda bem jovem, equilibrava a bola em inúmeras embaixadinhas, o que lhe rendia uns trocados além dos elogios.
Na década de 1960, o talento de Paulo ficou conhecido em toda a Paraíba e foi chamado para vários times, dentre eles o Treze de Campina Grande e o Central de Caruaru; chegou a ir, mas não quis ficar. Em 1962 nascem dois times em Serra Branca, o Vasco e em seguida o Flamengo, cada um com seu clube social e uma rivalidade que perdura até o presente. Antagonismo que literalmente divide a cidade. Logo após Pelé empunhar a camisa 10 no bicampeonato mundial de 1962 no Chile da seleção canarinho, Paulo se tornava o primeiro a vestir a mística camisa 10 do Vasco, participando da fundação do time. Habilidoso como era, inevitável a comparação com os craques da época. Anos depois ele deixa o Vasco de Seu Leriston e vai para o Flamengo de Seu Joca, para a alegria da metade rubro-negra da cidade. De fino trato, elegante e com atitudes dignas de “fair-play”, era impossível sentir raiva de Paulo, tanto é que rompeu a rivalidade e a todo tempo era esperado o seu retorno ao alvinegro. Além disso, inaugurou na cidade a natação e voleibol
Das idas e vindas da vida, depois de ter ido ao sul do país, em certo momento vai em caravana jogar na zona rural de Serra Branca e lá conhece Ivanilda da Silva, a Nilda que conquistou seu coração e com quem é casado até hoje. Uma coisa me intrigou e o questionei, o porquê de nunca ter se profissionalizado ou ficado nos grandes times, indagação que tempos depois ouvi de contemporâneos seus, amigos que fez no futebol como Zito Lima, Porto, Lirinha, Sabará e tantos outros que comentavam a mesma coisa, que Paulo teve chance de se profissionalizar e ganhar grande destaque no futebol, craque que sempre foi, mas não quis. Com um sorriso longo e olhos marejados de emoção, Paulo me respondeu: – O amor por minha amada Serra Branca e por minha Nilda, nunca me deixou ficar longe e futebol na época não rendia bom dinheiro como hoje. Daqui não saio nunca!
Ano passado comemoramos, esse ano a pandemia não deixou, mas o abraço está guardado viu Paulo? Parabéns por seus 80 anos e até breve!
* No gol Zito Lima, que foi bicampeão paraibano pelo Treze 6 anos depois. Formação: Em pé: ZITO(01)(Treze), SON(03)(Treze), BILL(02), CRISTIANO(05), VARDINHA(06) e ADERALDO(04). Agachados(Esq. p/Direita):PEZÃO(07), FERNANDO “O CANGURU”(11)(TREZE), ROMILDO(08), NENEN(09) e PAULO CARECA-CAP-(10)