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MARIA BOA , CEM ANOS DE UMA HISTORIA REAL DE AMOR E MUITA PUTARIA


MARIA BOA em momento “top model”. Ano da foto indefinido.
( fonte: acervo de um morador da ribeira )
#fatosefotosdenatalantiga
 Centenário de nascimento da Dama da Noite: Maria Boa

Maria Oliveira Barros nasceu na cidade paraibana de Remígio, em 24 de junho de 1920, falecendo em Natal no dia 22 de julho de 1997, aos 77 anos, após ter ficado internada na Casa de Saúde São Lucas, por conta de um acidente vascular cerebral (AVC).

Origens

Na grande cidade, a jovem menina ajudava seu pai vendendo seus produtos na feira. Conta-se que desse período ganhou o apelido de Boa. Dizem que por ser muito gentil com os clientes, outros pelos seus belos atributos físicos. Em fim um rapaz chamou-a de Boa. Era uma mulher muita bonita e que chamava à atenção pelos seus lindos cabelos pretos e longos.

O apelido ganhou ódio eterno de seu pai, Pedro Ferreira Barros, mas atraiu os olhares dos jovens campinenses. Os rapazes passavam na barraca apenas para vê-la e ela acabou engraçando-se com um dos rapazes. Este a seduziu e tomou-lhe a virgindade. O pai de Maria exigiu o casamento em reparação. O moço, no entanto, recusou-se. Preferia casar com menina de melhor família. Maria se viu abandonada pelo namorado. E o pai a expulsou de casa.

De repente, uma moça de família, pela infeliz atitude da perda da virgindade viu o mundo cair sobre ela. A jovenzinha do interior, bela, recatada e do lar, virou puta e repiputa num simples romper de selo. Não restava aos pais, principalmente ao patriarca, o rosnar assombroso, escandaloso, espetaculoso para mostrar para a sociedade que ele era homem de verdade. Pai de família. Que não permitiria debaixo do seu teto uma filha sem honra.

À mãe, cabia o silêncio, pois mulher só dava palpite na cozinha. Seu coração podia estar despedaçado, mas chorava um choro engolido, que explodia no travesseiro ou no meio do mato. Tinha que fazer ares de reprovação. Ajudar o marido a corresponder ao padrão exigido pela sociedade.

Alguns desses patriarcas certamente choravam por dentro. Mas optavam pelo teatro da sentença cultural. Era preciso fazer aquele barulho todo para amedrontar outras filhas e vizinhanças. Outros eram, de fato, “cavalos batizados”. Espancavam a filha com uma violência tão desembestada que não se faz nem com bicho.

Curiosamente a casa onde ela morava com os pais em Campina Grande, Paraíba, tinha o nome de “Rua Boa”, daí o apelido que carregou até a morte. Maria constatou ter se tornado uma estranha e indesejável na própria cidade natal. Sentiu que não cabia mais em Campina Grande. Sem dinheiro e mal tendo conseguido apanhar umas poucas peças de roupa que a mãe sabe lá como lhe entregou, foi então morar em João Pessoa, por volta de 1935, onde trabalhou em uma tipografia, servindo de secretária. Logo conheceu um político. Logo brigaram e ela decidiu fugir, pois ele a ameaçou de morte.

Chegada a Natal

Mas não demorou muito para ganhar a vida como prostituta. Passou a vida vendendo o corpo em alguns municípios da Paraíba. A forma como ela chega a Natal é contada de maneira confusa pelos seus cronistas.

Gomes de Melo, por exemplo, afirma que ela já trabalhava num bordel quando Madame Georgina, dona da Boate Estrela em Natal, soube que, em Campina Grande, havia uma jovem bela que acabara de cair na vida. Ela, sabendo disso, partiu com destino àquela cidade paraibana num velho jipe e foi buscá-la.

Há outra versão: Maria embarcou às pressas na velha Catita da Great Western em um 18 de julho de 1942, que Maria Oliveira Barros desembarcou em Natal. Ela vinha de João Pessoa, depois de ter morado em Taperoá e em Campina Grande. Era uma menina de 22 anos de idade e que, nos últimos seis anos de sua vida, havia passado por dificuldades em sua terra natal, na Paraíba.

Passou pela Estação Ferroviária de Guarabira. Ainda quis ficar, matutando inventar alguma coisa. Era lugar de vuco-vuco e corria dinheiro no comércio. Mas teve medo e quis ver o final da linha de ferro. Assim ela desceu na Ribeira. Única mulher em uma família com nove irmãos, a menina Maria veio fugida para Natal.

O fato é que em Natal não faltou quem lhe atirasse os olhos. Era muito atraente e foi a primeira opção para quem chegava “sem eira e nem beira”.

Em Natal, instalou Maria Boa na Boîte Estrela, na Ribeira, de sua propriedade. A estreia de Maria Boa, no Estrela, foi um grande espetáculo. Madame Georgina não poupou no vestido, nem nas jóias, nem nas músicas para apresentá-la aos seus clientes.

Nessa noite, ela conheceu um cidadão proprietário de um Engenho numa cidade do interior do RN e alto funcionário público. Com este, Maria teve um relacionamento, tendo ele chegado a custear todas as suas despesas. Meses depois, Maria engravidou. Quando o amante soube que ela estava grávida, deu-lhe um chute no seu baixo-ventre, Maria abortou, perdendo a criança e ficando impossibilitada de procriar. Ela ficou muito abalada e afastou-se do Estrela, rompendo com Madame Georgina.

Trabalhou em algumas “casas de drink”. Tinha como característica “o respeito”, se o leitor puder me entender. Era reservada. Não gostava de gaiatices. Talvez isso fizesse com que sua imagem, mesmo dentro de uma casa de venda de sexo, fosse permeada de muito respeito. Tratava a coisa como comércio mesmo.

Empreendedora

A década de 40 era marcada pela Segunda Guerra Mundial e a luta dos americanos em destruir o Adolf Hitler, líder da Alemanha, e sua política do nazismo. Neste momento, soldados estadunidenses se instalaram nas terras potiguares, causando uma revolução urbana na capital potiguar.

Porém, na década de 1940, sua visão empreendedora, percebeu que Natal não possuía um lugar em que os homens da cidade pudessem se divertir, apreciar música e teatro, beber e conversar, além de terem mulheres bonitas e elegantes. Ela resolveu então abrir um cabaré. Essa é a diferença de um cabaré para um bordel. Ele não se trata apenas da prostituição, ele é um espaço de apresentações musicais, principalmente teatro de revista, e de socialização dos rapazes da cidade.

Com ajuda de um amigo, alugou um casarão na Rua Mermoz, quase no início da Padre Pinto para montar seu negócio. Com o sucesso, terminou por adquiri-la em definitivo. A casa pertencia ao espólio de Nelson Faria”. Sobre o seu estilo, ele comenta: “Era uma senhora externamente fina, de linha. Talvez porque sua casa era frequentada por homens que faziam parte da fina flor da nossa sociedade, ela tenha assimilado essas atitudes”. Ele lembra que, além de prostitutas, Maria Boa tinha uma cozinha privilegiada: “Interessante lembrar que lá foi o primeiro lugar a vender galeto assado. Antes só se conhecia frango caipira, que se cozinhava”.

Com sua visão empresarial, logo começou a preparar a casa, de olho na presença dos americanos em Natal, que era o prenúncio do início da 2ª Guerra. Maria Boa sabia que esse público pagaria caro por esse tipo de divertimento na cidade. Com a vinda de várias jovens bonitas e elegantes de outros estados, fez com que a Boîte criasse fama, tornando-se ponto de referência para o turismo em Natal e também de encontros dos empresários, procedentes de Natal ou de além.

Foi o primeiro “cabaret” a exigir de suas funcionárias cuidados extremos com higiene pessoal: vacinas, remédios pertinentes etc. Não aceitava mulheres que não tivessem certo recato. Mesmo que meramente na aparência.

Era o refúgio aos homens, independente da classe social, das cidades. O local fornecia boas músicas, mulheres realmente bonitas e as melhores bebidas, cigarros e música estavam por lá (funcionou por aproximadamente meio século). Muitos começaram a sua “iniciação” no Maria Boa. Jovens, eles adoravam passar as noites da cidade juntamente com as meninas de Maria Boa, que saíram de suas casas por motivos similares ao de Maria.

Para a população local a guerra possuiu vários significados. A chegada dos militares americanos alimentou fantasias de progresso material, romance e, também o fascínio pelo cinema de Hollywood. Em meio aos constantes blecautes do treinamento antibombardeio, dos famosos bailes da base aos domingos, dos cigarros americanos, da Coca-Cola e do vestuário estavam os sonhos natalenses. Sem questionamentos, “Maria Boa” foi uma das principais atrizes no elenco desse belicoso teatro. A Primeira Dama Maria Boa…

O cabaré

No final da Rua Padre Pinto, centro de Natal. Ali, em um local escondido, havia um belo casarão. Arborizado, florido, discreto. O visitante, ao entrar, via uma casa recheada de móveis vermelhos, estilo clássico. Um imenso salão com damas dançando tango.
Tivesse sorte, talvez ouviria a voz de Odair José soando na vitrola e dependendo da época que fosse, os acordes do piano de Paulo Lira. Veria, caminhando por entre os cômodos, algumas belas mulheres, talvez as mais bonitas que já tivesse visto. Todas simpáticas e à sua disposição. O álcool não faltaria. A cerveja, sempre gelada, estaria distante apenas de um pedido.

O bordel de Maria Boa era assim. Um espaço luxuoso, bonito e caro. Um casarão que certamente foi palco de reuniões políticas importantes. Nele pisaram grandes nomes da cultura, da economia e da política norte-riograndense. Um cabaré – para evitar eufemismos –cuja dona era uma mítica mulher conhecida nos círculos da alta sociedade da pacata cidade de Natal apenas por Maria Boa. Boa, porque, segundo dizem e evitando o trocadilho vulgar, doava dinheiro para a família investir em estudos, cultivava paixões por livros e filmes e, o principal, portava-se como uma verdadeira dama – educadíssima.

É irresistível, aqui, deixar de usar a célebre frase de Nelson Rodrigues: “A mulher ideal deve ser dama na mesa e puta na cama”. Isso porque todos os depoimentos e textos sobre uma das personagens mais conhecidas da cidade retratavam a boa educação que ela tinha. Aliás, não seria exagero imaginar que Rodrigues, antes de escrever essa frase, tivesse visitado o lendário bordel da Maria Boa e talvez experimentado alguma de suas meninas. O local era um ponto turístico, uma referência na cidade.

Pós-guerra

O fim da guerra foi o começo do verdadeiro reinado de Maria Boa. Respeitada por todos, já que suas atitudes eram extremamente reservadas e, porque não dizer, respeitosas, era assediada por onde passava. Sua companhia significava status para quem tivesse a honra de desfrutá-la. Homens de famílias tradicionais se ofereciam para estar ao seu lado em eventos. Segundo Torres Neto, “Eliade Pimentel, no artigo ‘E o carnaval ficou na memória’ destaca a presença de Maria Barros nos carnavais de Natal: “Lá pela década de 50, os desfiles passaram a acontecer na avenida Deodoro da Fonseca. Maria Boadesfilava com Antônio Farache em carros conversíveis”.

Ainda sobre a participação de Maria Boa no carnaval de Natal, o jornalista Ticiano Duarte, na edição do ‘Diário de Natal’, de 12 de março de 1995, conta que “nos carnavais de rua (era na avenida Rio Branco com a rua João Pessoa) havia um corso e ela aparecia com a meninas fantasiadas, desfilando. Vez por outra, um boêmio desfilava no carro ao lado das meninas, para escândalo geral da cidade”.

Educação

Apesar de Maria Boa não ter nenhum curso, tornou-se uma autodidata. Maria Boa chegava lá todos os sábados com uma das suas inquilinas e comprava uma boa quantidade de livros. Também gostava de armazenar reportagens.

Márcio de Lima Dantas, em seu artigo Retratos e silêncios de Maria Boa, publicado no jornal eletrônico www.natalpress.com, fala sobre a sobriedade dessa figura: “Todo mundo sabe que Maria Boa, antiga cafetina e proprietária de um reputado bordel da cidade, “o Cabaré de Maria Boa”, não gostava de ser fotografada, tampouco dava entrevistas. Difundiu-se a informação que era um artifício para proteger sua família, sobretudo as netas, estudantes em colégios de classe média da cidade, bem como uma maneira de resguardar os nomes da sua importante clientela, constituída de homens “de boa família”.

Adotou duas crianças – um menino e uma menina. Pagou colégio particular para os dois filhos que adotou. O dinheiro que ganhava ia, também, para financiar os estudos das primas e sobrinhas. Fazia questão que todos tivessem uma formação diferente do que ela tinha. Sempre, mantinha-se de forma discreta, recatada. Escondia o seu ganha pão. Sempre teve vergonha do personagem que representava. Por mais influente e histórica que ela chegou a ser.
Amante da literatura, cinema, teatro, pintura e concertos. Para assistir qualquer espetáculo, comprava o ingresso antecipadamente e só chegava na hora de começar. Era também uma mulher religiosa, os seus filhos adotivos estudavam em colégios católicos. Uma mulher educada, de fino trato que chamava à atenção de todos pela sua fidalguia.

Nutria um hábito que poucos sabem: ajudava inúmeras famílias carentes, mandando feiras. Ajudou as mães de muitas de suas funcionárias até a morte. Era agora “Maria Boa”. Um nome que, queira ou não, se configurou como patrimônio de Natal. Não da Rua Boa de Campina, mas de todas as ruas e avenidas da terra de Cascudo. Para algumas mulheres, era “Maria Ruim”.

Maria Boa exigia educação de suas garotas, inclusive, pagava ingressos para as meninas para o teatro e concertos, não era incomum que vê-la com suas garotas em exposições de arte. Elas eram trazidas de outras cidades e escolhidas pela sua beleza, elegância, mas também pela sua inteligência. As mulheres do cabaré de Maria Boa deviam saber entreter os homens com conversas inteligentes, inclusive para mantê-los o mais tempo possível consumindo os pratos e bebidas servidos no bar, antes deles encerrarem a noite nos quartos.

Algumas potiguares saíram do famoso cabaré direto para os Estados Unidos. Umas, casaram-se aqui, outras lá. A vida dita como “fácil” foi deixada na Ribeira. Tornaram-se mães de família como qualquer outra, cuja história era conhecida apenas pelo marido. Muitas, já idosas, morreram no final da década de 1990.
“As mulheres de Maria Boa tem uma predileção pelo grego, em detrimento do latim. Usam a palavra “gala”, e não esperma. Gala é leite em grego.” Luís da Câmara Cascudo.

Reconciliação familiar

Quando já morava em Natal e possuía uma boa condição de vida, no final da década de 40, recebeu uma carta do pai. Muito doente, Pedro pedia desculpas pelo excesso de rigor com a filha. Queria o perdão dela, antes de morrer. Maria recebeu a carta e se emocionou. Ela, então, voltou para Campina Grande e se reconciliou com os pais. A mãe, Deolina de Oliveira Barros alegrou-se. Dizia que ela acendia, todas as noites, uma vela para a filha. Foi um dos dias mais felizes da vida de Maria de Oliveira Barros.

De bem com a família, não demorou para trazê-los todos, seus pais e seus irmãos, para Natal. Alugou inicialmente uma casa no bairro do Alecrim e, depois, comprou outra na Rua Pedro Pinto, próximo ao bordel. Tratava a sua profissão com muita discrição, não comentava esse assunto com os familiares. Não dava entrevistas. A despeito do luxo com que era levado, o trabalho sempre foi uma espécie de ferida para ela e a família. Ela tinha ainda uma granja em São José do Mipibu onde, nos fins de semana, reunia os familiares para festas e churrascos.

Seu maior sonho – nunca realizado – foi o de casar. Sonhava com isso desde de menina e, talvez, nos meandros da sua profissão, acreditava que um dia algum homem a tiraria daquela situação e casaria com ela. Nos casamentos das sobrinhas, primas, parentes – fazia questão de pagar tudo. Desde o vestido, até a cerimônia e as festas. E, ao vê-las no altar, casando-se, desatava em um choro de alguém que nunca teve a oportunidade de ter algo semelhante. Dizem que era a que mais se emocionava em casamentos.

Homenagens

O ambiente que ela criou fez sucesso. Tanto entre os potiguares, quanto entre os americanos que chegavam na cidade. Ela se tornou tão famosa que foi homenageada nos aviões que partiam da Base Áerea de Natal que saiam pintados com retratos seus.

Um episódio muito comentado foi a pintura realizada pelos militares em um avião B-25. Um dos mais famosos aviões da 2a Guerra Mundial, os B-25 eram identificadas com cores características de cada Base Aérea. Os anéis de velocidade das máquinas voadoras da Base Aérea de Salvador eram pintados com a cor verde. Os aviões de Recife, com a cor vermelha, e os de Fortaleza, com a cor azul. Para a Base de Natal foi convencionada a cor amarela. Os responsáveis pela manutenção dos aviões em Natal imaginaram também que deviam ser pintados no nariz do avião, ao lado esquerdo da fuselagem junto ao número de matricula, desenhos artísticos de mulheres em trajes de praia.

Autorizada pelo Parque de Aeronáutica de São Paulo, a ideia foi colocada em prática. Pouco tempo depois, os B-25 de Natal surgiram na pista com caricaturas femininas e alguns até com nomes de mulheres. Alguns militares da Base escolheram o B-25 (5079), cujo desenho se aproximava mais da imagem de Maria Barros.

Outras aeronaves também receberam nomes como “Amigo da Onça” e “Nega Maluca”. Quem custou a acreditar neste fato foi a própria Maria. Até que alguns tenentes decidiram levá-la até à linha de estacionamento dos B-25 logo após o jantar para não despertar a atenção dos curiosos. Ela constatou o fato. As lágrimas verteram de seus olhos quando viu à sua frente, pintada ao lado do número 5079, a inscrição “Maria Boa”.

Foi pedida em casamento por vários oficiais e mesmo soldados comuns, mas dizia que nenhum homem pode se comparar ao brasileiro. Não se sabe exatamente se ela teve um homem específico e que realmente nutrisse amor incondicional. O imaginário popular lhe atribui amantes importantes. Tanto americanos quanto brasileiros. Mas o homem que ela mais amou em toda a sua vida foi, inacreditavelmente, o próprio pai.
Maria Boa, era um mito em nossa cidade, sendo tema de monografias e trabalhos universitários. Não fez apologia e proselitismo de sua vida e da prostituição. Esta, como se sabe, é uma das primeiras profissões, desde os primórdios da humanidade.
Dona do mais famoso cabaré que o Rio Grande do Norte já teve e foi uma pessoa bastante a frente de seu tempo. Alguns a chamam de cafetina, outros de uma grande dama. Na verdade, Maria deixou um legado para a história de Natal.

Apesar de tantos momentos marcantes durante a sua vida, Maria Boa eternizou-se após a sua morte. Torres Neto lembra que “Maria Barros é citada no filme For All – O Trampolim da Vitória. O mesmo foi vencedor do Festival de Gramado em 1997, com os prêmios de melhor filme brasileiro, melhor filme do júri popular, melhor roteiro, melhor direção de arte e melhor trilha sonora de filme brasileiro, de Luiz Carlos Lacerda e Buza Ferraz. O filme retrata a cidade do Natal, em 1943, quando a base americana de Parnamirim Field, a maior fora dos Estados Unidos, recebe 15 mil soldados, que vão se juntar aos 40 mil habitantes da cidade”. Dessa forma, Maria Boa entra, definitivamente, para a História de Natal.

Nas décadas de 1970 a 1990, fotos, “pins”, adesivos, gincanas e até um troféu tiveram como tema a Maria Boa-símbolos da irreverência presente no perfil de um piloto de Caça. Recentemente foi nome de uma equipe de competidores num programa da TV Cabugi.
Infelizmente, só existe fotos delas, o seu cabaré não existe mais, é só um terreno gigante que pertence à uma construtora. A mesma empresa construiu um prédio do lado. Fica no bairro de Cidade Alta, próximo ao Baldo.

Velhice

Já velhinha, depois que a sua casa fechou, a sombra da rejeição pairava na sua vida. Foi a um encontro da terceira idade e, nele, passou mal. Tinha medo quando, ao dizer de onde vinha e o que faz, do que fariam com ela. Saiu de repente, sem falar uma palavra, como ela sempre fazia. Maria era religiosa, freqüentava procissões. No tradicional beijo ao cristo na antiga catedral, na sexta-feira santa, esperava até a noite para fazer as suas preces a imagem. Ia quando já não tivesse quase ninguém. Tinha medo da reação das pessoas, da fama que ela tinha.

A vida foi difícil, mas ela sempre procurava motivos e razões para alegrar-se. Enchia sua granja de familiares nas datas comemorativas, tudo para ela era motivo de festa. Em 1994, sua mãe, Deolina Oliveira Barros – velhinha – morreu. Foi o início do fim do bordel de Maria Boa. Com a morte da genitora, ela passou a cuidar da casa da família até decidir vender as duas propriedades – a casa da mãe e o bordel – para a construtora Arnon. Mudou-se para Lagoa Nova onde viveu pouco tempo.

Reservada, era conhecida por se vestir bem e ser bastante educada com todos em sua volta. Ela esteve trabalhando até nos últimos dias de sua vida. A casa passou meia década de vida alegrando os natalenses. Vários fatos envolveram a personagem numa época que sexo era um tabu maior do que era hoje e se tornou uma grande lenda.

Por um período, o cabaré agonizou. Sem a presença de sua eterna dona, foi perdendo o prestígio até que, para a tristeza dos boêmios e saudosistas, cerrou suas portas definitivamente em 15 de março de 1995. Hoje, Natal não tem cabarés e os muitos turistas que nos visitam sequer sabem da existência de Maria Boa. Pouco importa a falta de cuidados do poder público com nossa memória. O fato é que, com absoluta certeza, aquela grande casa da rua Padre Pinto continua viva dentro das lembranças de tantos que foram contemporâneos de uma época ímpar da nossa história.

Maria de Oliveira Barros tinha problemas cardíacos e, em 1997, foi internada por complicações no órgão. Ela foi submetida a uma cirurgia de alto risco. Sobreviveu. No dia 22 de julho de 1997, à 1h da manhã, ainda no hospital, teve um um acidente vascular cerebral (AVC) – fatal devido a seu frágil estado de saúde. A família chorou sua perda. No enterro, o caixão estava cheio de flores. Era uma das coisas que gostava: flores. Os jornais contaram a sua história em matérias que enchiam páginas. Aquele dia 22 ficou marcado. Natal perdia mais uma das suas personagens.

A edição do ‘Diário de Natal’, de dia 23 de julho de 1977 estampava a seguinte manchete: “Morre a Dama das Camélias”. No velório, teve uma cena descrita pelo repórter Klecius Henrique, que define o desejo de anonimato da família. “O enterro foi acompanhado por cerca de 100 pessoas, entre amigos e familiares. O Diário não teve acesso ao velório. “Não vou deixar que façam fotos da minha mãe”, disse, enfática, Gerda de Oliveira Barros, filha de Maria de Oliveira Barros”.

Legado

Para a juventude atual fica difícil entender um Bordel na sua acepção “mariaboense”. Eles não entendem que no passado havia lugares exclusivos para essas “práticas pecaminosas”, “feridoras da moral e dos bons costumes”, se quando deixam o Carnatal, por exemplo, dão de cara com gente fazendo sexo em cada esquina, nas calçadas, atrás dos carros etc etc etc., se até mesmo as madrugadas, nas quais se finam festas de padroeiros e padroeiras se veem orgias tais quais as de Sodoma e Gomorra.

Ninguém entenderá o mundo de Maria Boa, se certo u errado, se hoje ela vê sexo em público nos eventos mais impensados. Eles não entenderão diante do mundo atual pautado por sexo fácil saído dentro mesmo das universidades, por vias das garotas e garotos de programa universitários. Até mesmo casados/as. Sem contar jovens ricos/as que transam porque querem sempre mais poder financeiro? Como entender quando alguém hes disser que no tempo de Maria Boa até puta tinha que ter classe e respeito?

Maria Boa pertenceu a um tempo diferente de prostituição. O que diria a própria Maria Boa, hoje, se visse uma “social”: festa na qual uns jovens levam bebidas alcoólicas e drogas. E o sexo corre à solta sob as mais belas canções, para não dizer o contrário. As letras falam apenas em transar e beber. E da maneira mais vulgar e torpe. Assustaria até mesmo as funcionárias de Maria Boas se voltasse no tempo. Parece contraditório, louco ou apologético dizer, mas foi um tempo em que as “putas” ouviam histórias e contavam as delas. Tempo em que muitas estavam ali pela mesma razão de Maria Boa. Tempo em que muitos destinos as levaram para ali.

Um simples desviar de conduta, ao estilo do que houve com ela, foi transformado num destino. No destino que ela teve. Tempo, inclusive, de muitas terem encontrado ali o homem que respeitou fielmente até o último suspiro. Falta de oportunidades? Expulsão de casa? Dificuldade de enfrentar a sociedade? “Senvergonhice”? Não sei. Sei que há um cheiro forte de hipocrisias, ignorâncias e outras coisas mais. Muitos pais nem imaginam, mas há 15 centímetros deles, separados por uma parede, pode estar acontecendo nesse exato momento algo muito superior ao que acontecia no cabaré de Maria Boa. Quem sabe o filho em contato com um pedófilo? Quem sabe a filha em sexo on line com vários rapazes. Quem sabe outras sodomias e ‘gorromias’? Será que é por que o pai a/o espancou por que perdeu a virgindade?

Maria Boa-Letra e Música de Gomes de Melo-Canta Jorge Luiz.

Ô/ô/ô/ô Maria Boa/Ô/ô/ô/ô Maria Boa. /Com suas meninas lindas/Fostes a Rainha/em noites de orgias/Dos cabarés de Natal./Mulheres bonitas e sensuais/De outros estados/De belezas fenomenais./Cabaré frequentado/Por homens importantes/Juízes, Doutores e Comerciantes./Sua foto foi aos céus/Pintada a mão/Logo abaixo do seu nome/Na fuselagem do avião/Em Parnamirim Field/Foi justa a homenagem./Que os americanos prestaram/A mais famosa dama de Natal./Mulher muito talentosa/De virtudes sem iguais/Era muito.

Fonte: Natal das Antigas, Brechando, Tribuna do Norte, Nísia Floresta por Luís Carlos Freire, pense numa noticia, Revista Salto Agulha, Natal de Ontem e Blog do Fernando Caldas.

É permitida a reprodução do conteúdo desta postagem em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, desde que citada a fonte do Grupo Fatos de Fotos de Natal Antiga e o autor Jornalista Adriano Medeiros.