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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DE HISTORIAS EM : A Professora Encantadora

A Professora Encantadora
Maísa era uma professora que olhava para tudo com olho de assombro e estranheza.
Ela dizia que assombro é um susto cheio de beleza e que estranheza é o casamento do
estranho com a surpresa.
As aulas da Maísa eram mesmo assombrosas, estranhas e surpreendentes. Na escola,
ela se derretia de amor pelas palavras, pelas frases, pelos livros.

Mas a Maísa se derretia pelas pessoas ainda mais que pelos livros. Então, a professora
contagiava a gente com todo aquele derretimento. E dava aula de esticar suspiro. De olhos
fechados, nós aprendíamos a suspirar fundo. E a Maísa suspirava junto com a gente, com
aquele seu riso, às vezes freado, às vezes desembestado.
Ah, e para ninguém atrapalhar a aula com urgências sem importância, no lado de fora
da porta a professora pendurava um aviso:
NÃO ENTRE AGORA. ESTAMOS SUSPIRANDO.
No começo, os alunos que ainda não conheciam bem a Maísa achavam que um dia ela
daria uma prova para ver quem tinha aprendido a suspirar certo. Mas a professora logo
explicava que não existia suspiro certo nem suspiro errado e que suspirar de verdade, para
ela, era puxar do peito uma quentura infinita e tirar lá de dentro uns apertos ruins de largura
descabida.
Sempre que podia, e a Maísa podia quase sempre, ela também nos ensinava a catar
perguntas novas dentro das histórias, dos versos, das cenas, das idéias, das pessoas. Ela dizia
que pergunta nova é uma que desdobra a gente por dentro. E a Maísa gostava um bocado de
desdobrar gente por dentro.
Assim, a professora também nos ensinava a diminuir medos no coração, dividir silêncio
na frente de uma beleza e multiplicar poesia no pensamento.
E ela nos mostrava que estranho pode ser só o que a gente
ainda não conhece; que um dia cinzento pode ser bonito, por fora
e por dentro; que uma vida sem perturbações é que nem um mar
sem onda; que alguém só sabe ensinar quando não consegue parar
de aprender; que errar também pode ser uma forma de caminhar;
que ninguém escolhe o momento em que uma raiva começa, mas
que todo mundo pode escolher quando é que ela acaba; que nada
é mais importante do que entender os próprios sentimentos, para
não deixar que eles mandem nas nossas razões; que nada é mais
importante do que entender as próprias razões, para não deixar
que elas mandem nos nossos sentimentos.
Ah, tinha vezes que a Maísa confundia a gente, tinha vezes
que a gente confundia a Maísa. Mas a maior confusão de todas
era mesmo quando tanta gente na sala tinha vontade de abraçar
a professora ao mesmo tempo. E a Maísa abraçava as pessoas que
sentavam na frente, abraçava as pessoas que sentavam atrás,
abraçava as pessoas que sentavam no meio, e inventava motivos para todo mundo se abraçar
também.
Aliás, na escola toda, quem aceitasse ganhar um
abraço da Maísa ganhava também um poema. Ela sempre
tinha um poema para dar asa nos outros. A Maísa dizia
que dar asa nas pessoas é reconhecer o que cada uma
delas tem de mais bonito e mágico.
Bem, a verdade é que nem todo mundo na escola
dava asa para a Maísa. Algumas pessoas costumavam
dizer que ela precisava parar com aquela mania de dar
asa para os outros, que ela devia ter os pés no chão e
que, na realidade, a Maísa não era uma boa professora,
porque não preparava os alunos para o futuro.
Mas a Maísa só voava porque pegava impulso do chão e ela não entendia essa história
de preparar gente para o futuro, não.
No relógio da Maísa, o futuro chegava sempre em um minuto para daqui a pouco. E
antes de daqui a pouco, sem pressa nenhuma, ela também dava para a gente aula de
despreparo. Afinal, a professora nos explicava que ninguém pode ter surpresas deliciosas com
as coisas mais simples da vida se estiver preparado para elas.
Só que ninguém quase nunca estava preparado para a
Maísa.
E assim, ela me ensinou a suspirar, me ensinou a não
ter medo de errar, me ensinou a reparar, me ensinou a escutar,
me ensinou a esperar, me ensinou a parar, me ensinou a
flutuar.
Não que eu tenha aprendido tudo tanto assim, mas a
Maísa me ensinou mais do que um bocado de coisas. Ela só
não me ensinou a ficar tão longe dela, aquela professora.
E se puder me encontrar com a Maísa de novo, um dia,
vou confessar, bem no ouvido dela, por que eu escolhi ser escritor.
Eu escrevo, mais do que tudo,
é para ficar perto de você,
minha professora encantadora.

Márcio Vassallo, Ana Terra
A professora encantadora
Belo Horizonte, Abacatte, 2010