Pular para o conteúdo

Blog do Vavá da Luz

CLUBE DE HISTÓRIA EM : O urso que gostava de livros

 O urso que gostava de livros 
m dia, um jovem urso que andava a farejar por entre uns cogumelos descobriu um pedaço
de papel. Observou-o com muita atenção. Cheirou os seus diminutos símbolos e, depois,
agarrou-o entre os dentes e levou-o para a sua caverna.
Os anos iam passando e o urso continuava a olhar fascinado para aquele papel.
Parecia-lhe algo tão distante e misterioso como a lua.
Uma tarde de verão, o urso afastou-se da sua caverna mais do que era costume. Seguiu um
cheiro que o levou até uma clareira no bosque. E ali
descobriu umas coisas muito estranhas! Havia uma
cabana, roupas de cores vivas penduradas numa
corda, e uma menina.
Escondido atrás de uma grande árvore, o urso
observou como a menina se sentava e abria um
estranho objeto retangular que tinha entre as mãos.
Apesar dos maravilhosos odores a café e pão torrado
que vinham da cabana e lhe faziam cócegas no nariz,
o urso não podia deixar de contemplar a menina,
tentando compreender o que ela estava a fazer com aquele objeto entre as mãos.
E sentia-se tranquilo.
Por fim, quando a menina fechou o objeto, o urso fugiu a correr.
Mas regressou no dia seguinte. E em todos os que se lhe seguiram.
Conseguiu aproximar-se mais dela e, escondido por detrás de uma árvore, o urso observava
furtivamente. Nunca tinha visto nada assim!
Por vezes, enquanto olhava o objeto, a menina ria às gargalhadas.
Outras vezes, pousava-o e olhava para longe, embora parecesse ao urso que ela não estava a ver
nada. Havia ainda vezes em que parecia que estava assustada e então agarrava o objeto com força.
E, um dia, quando um raio de sol deslizou por entre as árvores, o urso viu como ela deixava cair o
objeto suavemente sobre o regaço e fechava os olhos.
Naquele entardecer, quando a menina entrou na cabana, o urso regressou ao bosque, com o seu
andar pesado, em direção à caverna.
E, por instantes, o piar de um gaio pareceu-lhe o riso da menina…
U
Uma tarde, ela não estava sentada cá fora.
Então, cautelosamente, meneando a cabeça para um lado e para o outro, o urso aproximou-se
das coisas dela.
Com a sua patorra deu uma sapatada à pilha de objetos que lhe pareceram muito semelhantes.
Um deles caiu ao chão, aberto, com a capa para cima.
Empurrou-o com o focinho e arranhou a capa, tentando dar-lhe a volta.
Finalmente, conseguiu meter uma das suas
garras por debaixo da capa e o livro (porque era um
livro!!) abriu-se. Mas, ao roçá-lo com o focinho, o livro
voltou a fechar-se. Tentou novamente e, desta vez, o
objeto permaneceu aberto. Deu dois passos à frente
e pousou a enorme cabeça junto a ele.
Aquelas páginas estavam cheias de fiadas de
diminutos símbolos, como os que estavam no pedaço
de papel na sua caverna. Ficou a apreciá-los enquanto inalava o odor do papel, da cola da lombada e
da tinta, e o cheiro da menina…
Não a viu chegar. Quando finalmente a ouviu, girou bruscamente a cabeça.
Por instantes, os seus olhares cruzaram-se.
O urso voltou a tocar no livro com a pata e depois fugiu.
No dia seguinte, o urso viu a menina sentada na cadeira. Tinha um livro de capa castanha no
regaço. Estava a olhar para as árvores como se procurasse algo.
Quando finalmente o viu, sorriu.
— Vem, vem cá, Amigo Urso. Não tenhas receio!
Muito devagarinho, o urso avançou uns passos, balouçando a sua grande cabeça para um lado e
para o outro. Quando chegou junto dela — mas não tão perto que não pudesse fugir, — deitou-se no
chão e levantou a cabeça.
A menina esperou uns instantes, abriu o livro com cuidado e começou a dizer docemente:
— Era uma vez um marinheiro — leu — que esteve a navegar os mares do mundo durante
muitos anos antes de poder regressar a casa.
O urso comtemplava-a enquanto ela lia e passava as páginas, uma após outra.
Não entendia nada do que ela dizia, mas o simples facto de escutar o som da sua voz inundava-o
de felicidade.
Durante todo o verão, o urso voltou. Todos os dias.
E quando a menina lia com voz temerosa que o marinheiro se tinha perdido, o urso sentia-se
assustado.
Quando ela se ria das brincadeiras do marinheiro, o urso sentia-se alegre. Quando lhe falava do
amor do marinheiro, o urso erguia os olhos húmidos
para ela, e via como as palavras saíam dos seus lábios.
E todas aquelas palavras contavam uma história.
Uma história para o seu Amigo Urso.
Sempre que a menina lia, o urso sentia uma
misteriosa sensação. Umas vezes, a voz era um
murmúrio e o urso sentia-se invadido por um
sentimento de paz; outras vezes, a voz animava-se ou
parecia angustiada e, então, o pelo do urso eriçava-se e
ouvia-se um grunhir. Mas quando o tom era carinhoso, o urso levantava a cabeça para ela e
contemplava os seus dedos que desfiavam suavemente as páginas…
Ao entardecer, de regresso à caverna com o seu andar pesado, estes sentimentos
acompanhavam-no, e, às vezes, no murmúrio de um regato, parecia ouvir a voz encantatória da
menina. E sentia-se muito feliz.
Uma tarde, o ar começou a ficar mais fresco.
A menina pousou o livro e olhou para o urso, dizendo:
— Eu gostava…. Oh! Eu gostava que pudesses ler estes livros quando eu já cá não estiver no
inverno!
Depois sorriu, e o urso, vendo-a sorrir, sentiu o coração mais leve.
E de novo a menina começou a ler em voz alta.
No dia seguinte, o urso levou-lhe o pedaço de papel com aqueles símbolos tão misteriosos que
tinha na sua caverna. Deixou-o cair em cima dos livros.
— Amigo Urso — perguntou a menina, — trouxeste isto para mim?
E começou a ler com a sua voz suave,
como se fosse um conto que ele lhe tivesse
oferecido.
Querida Elisa,
A tua carta alegrou-nos muito, ao teu
pai e a mim. Frequentemente imaginamoste no bosque onde outrora passámos juntos
todos os verões. Recordo aqueles dias em
que apanhávamos bagas silvestres, com os
raios de sol dourados a filtrarem-se por
entre o arvoredo.
No dia seguinte, quando o urso voltou, as folhas das árvores já tinham mudado de cor.
Ao dirigir-se à cabana viu que também ali algo tinha mudado.
A menina não estava no lugar habitual.
Muito decidido, o urso aproximou-se, balouçando a cabeça para um lado e para o outro.
Continuou a caminhar até ao sítio onde antes havia estado a cadeira.
Ali, debaixo da árvore onde a menina costumava sentar-se, estavam os seus livros.
Havia tantos! Bem mais do que ele algum dia vira! Por entre pinhas e folhas caídas, ali estavam
eles pousados sobre um pano. A menina tinha-lhos deixado, junto com uma folha de papel, como que
desejando que ele a pudesse ler.
Para o meu Amigo Urso!
O urso observou o presente que acabara de
receber. Pelo silêncio que o rodeava compreendeu que
ela tinha partido.
Em seguida, tão delicadamente quanto lhe foi
possível, agarrou o livro de capa castanha entre os seus
dentes e levou-o.
Durante toda a tarde, fez e refez, através do
bosque, o longo caminho entre a caverna e a cabana,
levando os livros com as suas capas verdes e vermelhas e pretas, as suas histórias de marinheiros e
deusas e países distantes, enquanto o regato murmurava e os gaios cantavam.
Naquela noite, ao luar, que mais parecia uma bela página branca no céu, o urso deitou-se entre
os livros da sua amiga.
E, por fim, adormeceu.
Durante o sono, ouviu a voz da menina, suave
e próxima. Estava a contar-lhe uma história de
aventuras, de magia e de amor.
E durante todo aquele inverno, esperando o
regresso dela na primavera, cada vez que pousava
o focinho sobre as páginas ou que tocava as capas
com as suas patas, a menina ali estava …
…a ler para ele.


Dennis Haseley
El oso que amaba los libros
Barcelona: Juventud, 2004
(Tradução e adaptação)