O passarinho de maio
Diziam que aquele passarinho era filho da primavera. Não sei se era, se não era. Mas era um
passarinho diferente dos demais. Tinha asas para voar. Mas depressa se cansava, não podia voar
muito alto como os outros pássaros seus irmãos. O coração fatigava-se, mesmo com um pequenino
voo. Quando saíra a primeira vez do ninho, fora logo assim. Não se aguentou de asas abertas, caiu
do ninho sobre um monte de folhas que estava no chão. Ah! Se não fossem as folhas seca serviremlhe de amparo! Os pais ficaram muito assustados, voaram logo para junto dele, que piava no chão
das folhas secas.
O passarinho olhou os pais com os olhos brilhantes de emoção e com a luz tão bonita do Sol:
— Não tenham medo, eu hei de aprender a voar. Sou fraco, mas hei de ser forte um dia…
Os pais-passarinhos ainda piaram receosos:
— Tem cuidado, meu filho, tem cuidado…
O pai-passarinho esteve um bocadinho em silêncio e depois disse para a mãe-passarinho:
— Ele é nosso filho, mas o ovo de que ele nasceu tinha uma pintinha vermelha. Só têm essa
pintinha os ovos dos filhos da primavera.
A mãe-passarinho piou para o pai:
— Já nem me lembrava. O nosso filho é filho da primavera, é verdade que o ovo tinha uma
pinta vermelha como sangue. Ele é filho da primavera. Ele é diferente.
Ao lado do monte de folhas secas onde descansava o passarinho cansado, um arbusto
pequeno começou a nascer, a crescer. Não é costume crescerem tão depressa, nem os arbustos, nem
as árvores, nem sequer as flores de vida tão curta.
Mas aquele arbusto cresceu.
E encheu-se de bagas vermelhas brilhantes, mais brilhantes no meio das folhas verdes.
Então, o passarinho filho da primavera, encantado, deu um pulo das folhas secas para cima
do arbusto de bagas vermelhas, cheio de alegria.
Os pais-passarinhos, que já tinham voado para a árvore grande onde estava o ninho, ficaram
contentes e começaram a cantar:
— Temos confiança em ti, filho da primavera e nosso filho. O arbusto não é muito alto, mas
é tão lindo assim, com as bagas vermelhas!
E, num voo de alegria, voaram para cima da árvore onde tinham o seu ninho.
O passarinho filho da primavera viu-se sozinho. Mas cada baga brilhante era como um
espelho que reproduzia a sua imagem. A princípio não percebeu bem. Julgou que aquelas imagens
eram irmãos seus que ali vinham visitá-lo.
E começou a cantar, mas as imagens das bagas não respondiam.
O Sol, lá no alto, achou que o passarinho da primavera precisava de mais calor para sair
daquele encantamento das bagas vermelhas e brilhantes. E aqueceu mais como se o abraçasse com
ternura e abraçasse também o acosto e as suas bagas.
É verdade, ainda não disse o nome do arbusto.
Nem sei bem dizer. Cerejeira não era. Ginjeira também não. Ambas são árvores, e não
arbustos. O passarinho disse-me em segredo: é um cerejim. Talvez fosse um cerejim, que a
Natureza e as palavras também se inventam.
Um cerejim que dava frutos naquele mês de maio cheio de sedas de Sol. E o passarinho
saltava de ramo em ramo, de fruto em fruto. Já se sentia com forças para voar mais alto. E começou
a cantar e cada fruto vermelho não era só um fruto e espelho delicado que o reflectia, mas um
microfone invisível que repetia a sua voz.
Mas, de repente, em maio é assim, rebentou uma trovoada, os relâmpagos luziam grandes
estrelas, os tambores do céu faziam estremecer a terra e uma chuva violenta abateu-se sobre o
arbusto e todas as árvores. O passarinho, entre as bagas, bagas vermelhas, tremia. Com medo, é
natural. E as bagas, agora caladas, e mais brilhantes ainda, uniram-se para o proteger. Até o cerejim
parece que cresceu. E que falou:
— Passarinho diferente, não tenhas medo. Os teus pais e os teus irmãos, lá nos ares, têm os
mesmos perigos. A primavera é assim. Quando se calarem os tambores do céu já poderás de novo
cantar.
Um relâmpago maior iluminou todo o cerejim, o passarinho e as bagas, especialmente as
bagas que pareciam espelhos.
O passarinho pensou: “Começo a aprender tantas histórias para contar aos meus filhos.
Histórias de Sol, de Chuva, de Relâmpagos e Trovões…”
A chuva abrandou e a trovoada foi para longe.
O cerejim começou a crescer, a crescer mais agora. Não era uma árvore, mas um manto
lindo, vermelho de Sol, um manto que caía dos ombros de um pastor. Ou talvez não fosse um
pastor. Se quiserem chamar-lhe rei também pode ser rei. E no coração daquele pastor, ou rei, o
passarinho da primavera cantava uma música feita de todos os espelhos das bagas vermelhas e
brilhantes.
Em volta da cabeça do pastor (ou rei) desceram a voar o pai e a mãe do passarinho:
— Vês como o nosso filho é forte? Do que ele é capaz? — diziam um para o outro, meio
encantados. — Aquele ovo com uma pintinha vermelha deu-nos um filho diferente e cheio de
amor!
E voaram para longe, envoltos nas sedas do Sol, muito tranquilos: o seu menino, filho da
primavera, poderia voar sem medo.
No mês de maio e em todos os meses do ano, mesmo longe da primavera sua Mãe.
–
Matilde Rosa Araújo
O Passarinho de Maio
Lisboa, Livros Horizonte, 1990
(Adaptação)