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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DE HISTORIA EM : O nosso jardim no meio da cidade

O nosso jardim no meio da cidade
Nico nunca tinha ido tão longe ao longo do muro.
— Olha para estas folhas! — admirou-se. — Parecem corações rendilhados.
Nico acaricia a planta que cresce na fresta do muro. É a primeira vez que se aventura
no recinto do outro lado.
Quando mais tarde se encontra com os amigos, mal pode esperar para lhes contar o
que descobriu.
— Este terreno é como a planta do muro, só que muito, muito maior. Devíamos fazer
lá um jardim, mesmo no meio das casas.
— E as plantas, onde é que as arranjamos? — pergunta Joca.
Nuno tem uma ideia.
— Talvez a minha mãe ainda tenha sementes, das que comprou para a varanda dela.
— Já crescem muitas no terreno — contrapõe Nico. — Se tratarmos das flores e
arrancarmos as ervas daninhas…
— Exato! — exclama Nuno. — A minha mãe deita primeiro as sementes num vaso.
Elas rebentam, e quando estão grandes, transplanta as mudas para vasos maiores.
— Mas eu não quero vasos, quero um jardim — reclama Nico.
Joca pede sementes à mãe. Mas a mãe quer saber o que ele e os amigos estão a
planear.
— É segredo — responde.
— Muito bem — diz a mãe. — Mas têm de preparar a terra, torná-la mais leve. E têm
de regá-la.
Não está ninguém em casa de Nuno, mas a Dona Carolina, do rés do chão, que tem a
varanda cheia de flores, oferece-lhe dois vasos com mudas prontas a transplantar.
— Um jardim? Que bom! Antigamente, na aldeia onde cresci, havia muitas flores, e
toda a gente tinha uma pequena horta. Carros, estradas… não havia nada disso.
Nuno assente, como se compreendesse.
Mas a verdade é que não consegue imaginar uma aldeia sem estradas.
Há já quatro dias que as crianças
passam a tarde a trabalhar no jardim
secreto. Joca passou o ancinho e
semeou o terreno, que, primeiro,
limparam de pedras. Nuno rega os
canteiros, enquanto Nico continua a
arrancar ervas daninhas para que as
plantas tenham espaço e recebam mais
luz.
O sol já queima e as mãos doem-lhes, mas os três amigos sabem o que querem.
Sonham com um jardim mágico!
Naquela noite, embora cansado do trabalho, Nico ainda não tem sono. Imagina tudo
o que ainda poderiam plantar. Quando finalmente adormece, a cidade transforma-se num
jardim.
As férias da primavera acabaram, e as crianças voltaram à escola e ao infantário; mas
à tarde, Nico, Joca e Nuno estão muitas vezes no jardim.
Entretanto, já plantaram também alface, cenoura e morangos. A Dona Carolina
ajudou-os na compra das plantas.
Uma tarde, Nico descobre algo no meio dos canteiros.
— Deve estar com medo — diz, debruçando-se para o observar melhor.
— O pintainho está a piar como se chamasse pela mãe — diz Nuno. — Ela não deve
estar longe.
— De certeza que nasceu aqui! — exclama Joca.
— Também acho — diz uma voz agradável. — Eu tenho aqui galinhas — diz um
homem que já está a saltar o muro. — O pintainho nasceu há poucos dias e já quer
descobrir o mundo… mas precisa da minha ajuda.
— Também é jardineiro? — pergunta Joca.
— Tem mesmo galinhas? — pergunta Nuno.
— Podem tratar-me por tu — diz ele,
sorrindo. — Chamo-me Fábio. Já o pintainho
não tem nome. Não consigo distingui-lo dos
irmãos. Querem vê-los?
Fábio tem flores e morangos, como os
amigos também querem ter…
— Há já uns anos que trabalho neste
jardim — explica Fábio. — Um jardim exige
tempo e paciência. Mas não me arrependo de
uma única hora… não, de um único minuto que
aqui passei.
— Moras aqui? — pergunta Joca.
— Não — responde Fábio. — Mas trabalho aqui perto… Tenho de estar grato por ter
um trabalho remunerado! Apesar disso, as coisas nem sempre são agradáveis… Quando
levei plantas para o escritório, alguns colegas queixaram-se. Mas, um dia, na hora do
almoço, fui caminhar para mais longe do que o habitual e encontrei este terreno de uma
fábrica abandonada. Nas frestas nasciam…
— Fábrica? — pergunta Nico.
— Sim. Venham, eu mostro-vos tudo. Antigamente cosiam-se aqui sapatos — explica
Fábio. — Mais tarde passou a tinturaria. Ainda se veem os antigos tonéis de madeira, as
salas de secagem e os armazéns de tecidos. Hoje vêm muitos sapatos da China, e os
tecidos, muitas vezes, vêm da Índia. O transporte e a produção lá são baratos, e aqui já só
estão os escritórios. Não, não totalmente. Uma parte da tinturaria ainda existe, mas só a
lavandaria, na periferia da cidade.
— E porque não foi construída aqui nenhuma outra fábrica… ou escritórios? —
pergunta Nico, cujo pai também costuma dizer o mesmo, principalmente desde que
deixou de ter um trabalho fixo.
— Essa é uma longa história! — suspira Fábio. — Estava para ser um parque de
estacionamento, mas as pessoas protestaram durante meses contra um aumento de
carros, até que a cidade acabou por proibir a construção e… oh, o meu intervalo de almoço
está quase a terminar, tenho de voltar para o escritório! Mas ainda vos mostro o caminho
de volta.
Desde que Fábio passou a dar pequenas plantas às crianças e a mostrar-lhes como se
tratam os morangos, o jardim adquiriu novas formas e cores.
O pai de Nico e a mãe de Joca quiseram primeiro saber quem era Fábio. Quando se
encontraram e conheceram o seu jardim, viram como devia ser agradável jardinarem ao ar
livre depois do trabalho, vendo as flores e os vegetais a crescer…
O sucesso do jardim espalhou-se rapidamente.
De “jardim secreto”, passou a ser um jardim aberto, uma autêntica alegria para o
bairro inteiro.
Para Nico, Joca e Nuno, o melhor continua a ser quando Fábio lhes faz descobrir
alguma coisa, ou lhes dá uma ajuda. Outras pessoas também fizeram os seus canteiros ao
lado do dos amigos. E foi assim que se instalaram as mangueiras para a rega e todos
acordaram num local para a compostagem.
Tudo isto exigiu e exige diálogo e planeamento conjunto.
Assim se constroem os jardins abertos. Queres experimentar?
Parastu Karimi
Unser Garten – mitaine in der Stadt
Zurique, Atlantis, 2013
(Tradução e adaptação)