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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DE HISTÓRIA EM : O conto vazio

O CONTO VAZIO
Era uma vez um conto descontente.
E porque estava descontente? Porque estava vazio.
Não tinha nada. Nem fadas, nem
duendes, nem dragões, nem bruxas. Nem
sequer tinha um lobo ou um anão.
Os outros contos já tinham tudo:
Branca-de-Neve tinha sete anões;
o Pequeno Polegar tinha as suas botas de
sete léguas;

e Alice tinha todo o país das maravilhas!
Mas o nosso conto estava vazio!
Foi visitar as fadas madrinhas, mas
estavam muito atarefadas.
— Não podemos ajudar-te — disseram. — Vê tu que na Bela Adormecida precisam
de treze fadas madrinhas! Estamos muito ocupadas!
O nosso conto foi então ver se conseguia arranjar algum dragão, mas estavam já
todos destinados aos contos chineses. Ainda tentou procurar algum duende, mas andavam
todos por outros contos.
Não conseguiu arranjar nem fadas, nem
dragões, nem duendes, nem nada! Era um conto
vazio, e estava muito desolado.
Tão desolado que não voltou a sair de casa.
Tinha vergonha de estar assim tão despojado, tão
vazio. E decidiu nunca mais sair.
Os outros contos eram muito famosos.
Alguns, como Pinóquio e Branca-de-Neve,
transformaram-se em estrelas de cinema e apareciam em todos os jornais e revistas.
Até a humilde Gata-Borralheira chegou a estrela de cinema! Mas, claro, ela tinha um
príncipe e sapatinhos de cristal… e o nosso conto não tinha nada. Estava tão vazio que
nunca mais quis sair. Os outros contos, esses sim, andavam por todo o lado e toda a gente
os contava.
As crianças do mundo estavam
sempre a pedir que lhes contassem um
conto, e outro, e outro ainda. E os
contos andavam ocupadíssimos, de lá
para cá, de cá para lá, com as suas
carroças e princesas, com os seus
barcos e piratas, com fadas e duendes…
E viajavam de país em país, de
um idioma para outro, andavam por todo o lado!
Entretanto, o nosso conto vazio continuava fechado em casa, muito triste e
desprezado, e as crianças do mundo continuavam a pedir contos, cada vez mais contos.
Contos, contos, contos…até que se acabaram todos. Não sobrou nem um.
Gastaram-se todos!
E o mundo ficou sem contos. Nem um!
Então as crianças lembraram-se do conto vazio e foram buscá-lo. Mas ele não queria
sair. Tinha vergonha porque não tinha nada: nem bruxas, nem princesas, nem sapatinhos de
cristal. Então as crianças…
Meteram-lhe pirilampos e saiu um conto mágico.
Meteram-lhe naves espaciais e saiu um conto de aventuras.
Meteram-lhe um rato numa bicicleta e saiu um conto divertido.
Encheram-no de baleias e
cachalotes e ficou um conto gordo,
molhado e terno.
E as crianças estavam felizes
enchendo de imaginação o conto
vazio.
Eis senão quando uma
menina disse:
— Eu ainda não sei ler! Ponham-lhe cores para eu o perceber!
E o conto encheu-se de todas as cores do arco-íris.
E todas as crianças do mundo brincaram com aquele conto!
Uma menina pôs-lhe todos os peixes do mar e outra encheu-o de asas de morcego.
Um menino cobriu-o de minerais preciosos e o conto brilhou.
E outro meteu-lhe um marciano verde
e um super pinguim azul!
As crianças vestiram-lhe um traje
espacial e mandaram-no percorrer as galáxias.
Quando regressou, vestiram-no de
mergulhador e mandaram-no para o fundo do
mar. Voltou de lá com bolhinhas de ar, polvos
e corais, tudo o que há de maravilhoso no
mundo!
E outra menina disse:
— Eu gostava tanto das princesas que foram gastas nos outros contos!
E as crianças do mundo voltaram a inventar princesas, fadas e ogres.
O nosso conto já não estava desolado.
Já não estava vazio.
Era o último conto que tinha sobrado, mas multiplicou-se em milhares de outros
contos!
Afinal, o conto vazio agradava às crianças porque lhe podiam pôr tudo o que
quisessem…
E tu? O que porias dentro dele?
O que é que te agradaria pôr no conto?
Aqui o tens, pois, branco e vazio, para que possas dialogar com ele…
Rocío Sanz
La palabra descontenta; El cuento vacío
EDUCA,1985
(Tradução e adaptação)