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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DE HISTORIA EM : O 4 ambicioso

O 4 ambicioso ambicioso
Era uma vez um 4 que queria ser um 5, porque pensava que era melhor ser metade
de 10 do que ser metade de 8.
Cada mão tem 5 dedos, diz-se.
E também cada pé.
Ser metade de 8 parecia-lhe desprezível. Além disso, o 5, com as suas curvas e
contracurvas, podia fazer-se passar por um cisne.
Queria ser um 5.
Mas aquele 4 vivia sozinho na página de um caderno por onde nunca passavam
outros algarismos.
Não fazia ideia de como tinha chegado até ali, nem isso tinha importância.
A sua única preocupação, o seu único sonho, era tornar-se um 5, para, pelo menos,
ser metade de 10.
Um dia passou por ali um 1.
O 4 sabia que, se conseguisse engolir aquele 1, se tornaria um 5, pelo que se
aproximou e convidou-o a sentar-se nele, fazendo-se passar por uma cadeira.
— Mas tu és um 4! — exclamou o 1.
— Tenho o aspeto de um 4, mas sou uma cadeira. Senta-te e descansa.
O 1 sentou-se e o 4 tragou-o num ápice, convertendo-se num 5.
E, já se sentindo um 5, compreendeu que não se conformaria em ser metade de 10.
Agora queria ser um 10 completo, pois tudo neste mundo, à exceção dos ovos, se
conta de 10 em 10.
De seguida, nadou como um cisne por entre as folhas do caderno, à procura de
outro 5 para meter à boca.
Na página 7 do caderno, encontrou um 5, mas não conseguiu engoli-lo, como ao 1,
porque era muito volumoso.
Então ofereceu-se para ser engolido, já que estava disposto a qualquer coisa para
se tornar um 10, mas também não cabia dentro do outro 5.
Desesperados, os dois 5 recorreram ao número 9, que, pelo tamanho da cabeça,
tinha fama de sábio, e colocaram-lhe o problema.
— Têm de ir a um cirurgião para vos operar — declarou o 9.
Numa página próxima havia um 7 que tinha fama de ser um bom cirurgião.
— Queremos que nos transformes num 10 — disseram-lhe.
— Para isso, é preciso operar.
— Que tipo de operação? — perguntaram.
O cirurgião, que estava ligeiramente embriagado, disse:
— Neste momento, não sei se se trata de uma adição ou de uma subtração.
Consultou um livro e, pouco depois, afirmou:
— É preciso subtrair.
O cirurgião pôs os dois 5 em linha e colocou entre eles o sinal menos, do seguinte
modo:
5 — 5 =
Imediatamente, como por artes mágicas, o 0 apareceu do outro lado: 5 — 5 = 0.
O cirurgião compreendeu que se tinha enganado na operação e, aborrecido, pegou
no 0 entre os dedos e lançou-o pela janela.
O 0 tombou de lado e rolou até cair fora do caderno, ou fora da realidade, pois
nunca mais se ouviu falar dele.
Juan José Millás