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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DE HISTORIA EM : No mundo dos Seres Estranhos

No mundo dos Seres Estranhos
— Mãe, olha o que encontrei!
A mãe troli não compartilhava o entusiasmo do filho.
— Um menino humano — disse, franzindo a testa.
— Mas o corpo dele não se reflete no espelho!
Era verdade.
O menino tinha grandes olhos escuros, e não sorria. E o espelho não o refletia.
— Mmmm… Então talvez possa ficar. És sueco, menino?
— Não — disse o rapaz —. Não sou sueco.
— Então não és um trol. Nós somos monstros suecos. Vamos a ver o que dizem os nossos
vizinhos duendes.
Os duendes examinaram o menino.
— Os teus pais são irlandeses? — perguntaram.
— Não — disse o menino.
— Então não és um duende. Nós, os duendes, somos irlandeses.
Entretanto passou Baba Yaga, a famosa bruxa russa.
— Ei, Baba Yaga! — gritou a mãe trol —. Aceitarias este menino como aprendiz de bruxo?
— Menino, és russo? Só ensino feitiçaria a meninos russos.
O menino negou tristemente com a cabeça.
Foram depois ao bairro das bruxas.
— És galego? — perguntaram ali.
Mas também não era.
— Então não és filho de uma bruxa… É que nós, as bruxas, somos galegas.
— Pode ser um fantasma — disse a mãe trol —. Eles não têm nacionalidade.
— Falso! — respondeu um fantasma —. Somos de todas as nacionalidades, cada um tem a
sua…. És capaz de atravessar uma parede, menino?
O menino tentou com todas as forças, mas tudo o que conseguiu foi fazer um grande golpe
na testa.
E a mãe trol acabou por ter pena do menino.
— Pode ficar uns dias — disse ao filho —. Mas, se não encontrar a sua gente entre os Seres
Estranhos, terá de ir embora.
Entretanto, num país europeu, os pais procuravam desesperadamente o filho. Fizeram a
denúncia à polícia e os média difundiram os apelos.
Como os pais eram imigrantes ilegais, o menino não tinha nacionalidade.
E nenhum governo da terra o protegia com as suas leis.
Por isso, na televisão falavam do desaparecimento de um «menino fantasma», que é como
chamam aos pequenos apátridas.
Um juiz tomou conhecimento do caso.
— Não quero prometer-lhes nada — disse o juiz—. Mas talvez seja possível dar ao menino a
nacionalidade do país onde nasceu.
Para os pais a nacionalidade já não era muito importante.
Só queriam que o filho aparecesse!
Todavia, nesse momento, algo de muito raro aconteceu na cabana dos trols.
Ao passar em frente ao espelho, o rapaz viu aparecer uma névoa desfocada com a forma do
seu corpo.
— Apesar de tudo sei que é um menino humano. Temos que devolvê-lo! — disse a mãe trol.
Pouco a pouco, com o correr dos dias, ia surgindo no espelho uma carita morena e sorridente,
com os dentes muito brancos. Antes que todo o corpo se refletisse totalmente no espelho, os trols
deixaram o menino no limite do bosque.
A polícia encontrou-o ali, e levou-o aos pais.
Uns meses depois o menino tinha sido devidamente registado.
Por fim, tinha documentos, um nome oficial e uma nacionalidade.
Deixou de ser um fantasma e nunca mais teve que regressar ao mundo dos Seres Estranhos.
Mas ficou sempre agradecido à mãe trol…
Ana María Shua
Antonio R. Almodóvar … [et al.]
Los derechos de la infancia
Madrid: Anaya, 2014
(Tradução e adaptação)
i Trol – Ser fantástico e maléfico da mitologia escandinava que habita os bosques ou vive debaixo da terra, e
que encarna as forças negativas da natureza.