Espaço
s espaços são essenciais para moldar o nosso próprio futuro.
Precisamos de nos assegurar da existência de espaços onde possamos
ser livres. Espaços físicos e espaços mentais onde seja possível sermos nós
próprios.
Cada vez mais, as nossas cidades e vilas são espaços que nos querem lá
como consumidores, não tanto enquanto pessoas. O que só torna ainda mais
premente a valorização dos tais espaços, presentemente sob ameaça, onde
ainda podemos existir como um indivíduo economicamente irrelevante. Espaços
como florestas, parques, museus públicos, galerias de arte, bibliotecas. As
bibliotecas, por exemplo, são espaços maravilhosos que, atualmente, correm
perigo de vida. Muitas pessoas com responsabilidades políticas pensam que as
O
bibliotecas são obsoletas nesta era da Internet. O que está longe de ser verdade.
Muitas estão a usar a Internet de forma inovadora, quer no acesso aos livros,
quer no acesso à própria Internet. Além disso, as bibliotecas não têm que ver
só com os livros. Representam um dos poucos espaços públicos que não
preferem a carteira ao dono da carteira.
Mas existem outros espaços que estão igualmente sob ameaça.
Espaços que não são físicos. Espaços de tempo. Espaços digitais. Algumas
empresas de serviços de Internet procuram ver-nos cada vez menos como
seres individuais, cada vez menos como seres humanos, para nos encararem
como um organismo cheio de dados que podem recolher para posteriormente
venderem.
E há espaços do dia e da semana que estão a ser constantemente
engolidos em função do trabalho e de outras responsabilidades.
E há até espaços mentais que estão sob ameaça. Parece ser cada vez mais
difícil encontrar tempo para pensar livremente ou, pelo menos, pensar
calmamente. O que poderá explicar o aumento das perturbações da ansiedade,
como também o aumento de práticas que procuram contrariar essa tendência,
como o ioga e a meditação.
Além dos espaços físicos, as pessoas estão desejosas de espaços mentais
nos quais podem ser livres. Um espaço à margem das coisas que, neste mundo
já de si agitado, nos distraem o pensamento, sem nós o pedirmos,
enchendo-nos a cabeça como se fossem uma série de anúncios pop-up para a
mente. Esse espaço livre ainda existe, à espera de ser descoberto por cada um
de nós. Acontece que não podemos ficar à espera de que ele venha ter
connosco. Temos de ser nós a procurá-lo. Talvez seja necessário estabelecer
um horário para a leitura, ou fazer ioga, ou tomar um longo banho de imersão,
ou fazer uma caminhada. Talvez seja necessário desligar o telemóvel. Fechar o
portátil. Desconectarmo-nos, de forma a encontrarmos a voz interior do nosso
ser.
Matt Haig
O Mundo à beira de um ataque de nervos
Porto Editora, 2019
–
Gato Vermelho e Gato Azul
Gato Vermelho e Gato Azul viviam na mesma casa.
Gato Azul ficava no andar de cima.
Gato Vermelho ficava no andar de baixo.
Toda vez que um via o outro…
…a coisa ficava FEIA. Ficava bem feia.
Mas um não sabia o desejo secreto do
outro.
Gato Vermelho queria ser tão esperto
quanto Gato Azul e Gato Azul queria ser tão
rápido e bom em saltos quanto Gato
Vermelho.
Então eles brigavam e rosnavam e
faziam tudo o que queriam o dia inteiro.
Um dia, Gato Azul teve uma boa ideia.
— Se eu ficar vermelho, vou ser rápido e bom em saltos! — ele disse.
Então ele comeu um caranguejo…algumas cerejas…
Uma melancia…morangos…e pétalas de rosas.
Adivinha quem o estava espionando o tempo todo?
— Vou mostrar ao Gato Azul quem é esperto — falou Gato Vermelho.
Ele comeu mirtilos…algumas flores azuis…um peixe azul…gelatina
azul…e certos tipos de bolinhos.
Mas não deu certo.
Nada, nada!
Gato Azul continuou azul.
E Gato Vermelho continuou vermelho.
E os dois gatos ficaram chateados, um tanto irritados.
— Vou tentar uma coisa diferente — declarou o Gato Azul.
— Olhem para mim! Estou vermelho — disse ele.
Gato Vermelho pensou no seu próprio plano.
— Se eu rolar nessa tinta azul vou virar um gato azul — ele concluiu.
Gato Vermelho foi mostrar a Gato Azul seu novo eu.
— Sou azul também — disse Gato Vermelho.
— Eu sou um gato vermelho — falou Gato Azul.
Não tinha funcionado.
Nada, nada.
— Ei, você está tentando ser como eu? — perguntou Gato Azul.
— Talvez — respondeu o Gato Vermelho — Só que estou muito grudento.
— E eu estou morrendo de calor — admitiu Gato Azul.
Os dois gatos se ajudaram a “desvermelhar” e “desazular”.
Gato Vermelho ajudou Gato Azul a tirar suas roupas vermelhas.
Gato Azul lavou as manchas difíceis de limpar de Gato Vermelho.
Mas eles não estavam prontos ainda. Nem perto disso.
— Olha o que você precisa fazer para ser igualzinho a mim — disse Gato
Azul.
Ele mostrou a Gato Vermelho como ter ideias espertas.
— Você não quer ser como eu? — perguntou Gato Vermelho.
— Ah, talvez — respondeu Gato Azul. — Só um pouquinho.
— Siga-me — disse Gato Vermelho.
Gato Vermelho mostrou a Gato Azul como correr rápido e saltar alto.
Cada um deu duro…um duro danado…para ser exatamente como o outro.
Mas alguma coisa não estava bem certa.
— Acho que gosto mais de ser o Gato Vermelho — admitiu Gato
Vermelho.
— Não consigo correr tão rápido quanto você — disse Gato Azul. — Mas
sou o melhor Gato Azul que existe.
Eles continuaram sendo Gato Azul e Gato Vermelho.
Mas uma coisa TINHA mudado.
Gato Vermelho e Gato Azul eram amigos!
Eles faziam todo tipo de coisas rápidas, saltitantes e espertas…juntos!
Até que um dia…
Eles descobriram Gato Amarelo.
— Você sabe cantar? Será que a gente devia ser amarelo?
Mas, pensando melhor, para Gato Vermelho e Gato Azul só havia uma
solução: continuarem amigos, respeitarem as suas diferenças, e convidarem o
Gato Amarelo para se juntar a eles. Como iria ser divertido!
Jenni Desmond
Gato vermelho, gato azul
Curitiba (PR) : Positivo, 2014
(Adaptação)