A das rãs não pode molhar os pés
Era uma vez um lago, e nesse lago havia rãs. Rãs que passavam os dias a fazer coisas
de rãs: saltavam e apanhavam moscas, dormiam sestas ou brincavam com as
libélulas.
Durante o verão, depois de jantar, divertiam-se a cantar juntas. Foi precisamente numas
dessas noites de verão, enquanto estavam a cantar GROAC, GROC, GROAC, que algo vindo
do céu, PLOC, caiu no lago.
Rapidamente, as rãs começaram a procurar no fundo do lago o que poderia ali ter caído.
Uma das rãs, que tinha visto o sítio exato onde aquela coisa tinha caído, não demorou a
encontrá-la.
E
Era algo pequeno e brilhante.
Era uma coroa.
Normalmente as coroas são usadas por reis e rainhas. Por
isso, quando viram aquela rã com a coroa na cabeça, as outras
rãs disseram: “Olhem! É a rainha das rãs!”
Ninguém ali tinha alguma vez visto uma rainha, e por isso
nenhuma delas sabia bem o que fazer ou dizer na presença de
uma. Foi então que uma rã disse: “Viva a nossa rainha!” e bateu
palmas.
As outras rãs fizeram o mesmo e a rainha das rãs foi
aclamada com um grande aplauso.
E o que faz a rainha das rãs? A rã
com a coroa não sabia.
Algumas rãs disseram que sabiam
o que uma rainha deve fazer e
começaram a aconselhá-la:
“A rainha das rãs não pode falar
com as outras rãs,
não pode molhar os pés,
e tem direito a uma folha larga só para ela.
A rainha das rãs não se pode cansar,
deve dormir bastante,
apenas comer moscas,
dar ordens
e castigar as rãs que não lhe obedecerem de imediato”.
Assim falaram as rãs que sabiam o que uma rainha deve fazer e assim aconteceu.
A rainha deixou de falar com as outras rãs e de molhar os pés, pediu que lhe trouxessem
uma folha larga e moscas bem gordas para o almoço. Como não se podia cansar, ordenou às
rãs que fossem apanhar moscas, não só para ela, mas
também para as rãs que a aconselhavam, porque
estavam agora muito ocupadas.
Algumas rãs questionaram: “Até ontem eram
vocês que apanhavam as vossas moscas, porque é que
agora temos de ser nós a fazer isso?”
“Porque se não obedecerem, a rainha castiga-
-vos”, respondeu uma das rãs conselheiras.
Muitas coisas mudaram no lago. A rainha e as rãs
conselheiras estavam sempre esfomeadas e as outras
rãs tinham de apanhar muitas moscas para elas.
Depois de jantar, as rãs já nem sequer conseguiam cantar de tão cansadas que estavam.
Um dia, uma rã decidiu perguntar:
“Porque é que só tu podes ser rainha?”
“Porque foi ela que encontrou a coroa”, respondeu uma das rãs conselheiras.
“Mas por que razão é que uma rã que encontra uma coroa passa a ser a rainha?”,
perguntou a rã.
“Porque foi ela a mais rápida a encontrá-la e isso demonstra que ela é a rainha: uma
rainha é sempre a mais rápida e a melhor em tudo”.
Os dias foram passando e no lago
organizou-se um concurso de saltos para a
água para divertir a rainha.
“As rainhas adoram mergulhos”, disse
uma das rãs conselheiras.
E os saltos começaram. Houve de todos
os géneros: para a frente, de costas, invertidos
e com piruetas.
A rainha divertiu-se bastante.
Depois do último mergulho, quando tudo parecia acabado, uma rã disse: “Agora é a sua
vez, querida rainha”.
“A minha vez de quê?”
“O último salto, minha rainha. Como pode ver, deixámos a folha mais alta para si.”
“Como te atreves a sugerir que a rainha deva saltar?”, perguntou uma das rãs
conselheiras.
“Foi só porque disseram que a rainha é a melhor em tudo, por isso estamos à espera do
seu magnífico salto para a água”.
A rainha compreendeu que não podia recusar. A
altura da folha causou-lhe receio, mas preparou-se
para saltar.
A rainha contou: um, dois, três e… PLOF!
Mergulhou fundo, muito fundo…
Quando voltou à superfície, perguntou: “Então, que tal? Foi ou não foi um bom salto?”
Mas no lago fez-se um grande silêncio. Todas as rãs a olhavam sem dizer palavra. Apenas
uma falou: “Onde está a coroa? Ela já não tem coroa!”
No mergulho, a rainha tinha perdido a coroa.
Imediatamente ordenou: “Procurem a minha coroa!”
Mas as rãs responderam: “Quem és tu para nos dar ordens?”
“Sou a vossa rainha!”
“Não tens coroa! Não podes ser
rainha!” Foi então que as rãs começaram a
atirar-lhe bolas de lama.
Apenas pararam quando alguém
chegou ao lago num barco. Todas as rãs se
esconderam porque às vezes vinha ali um
homem apanhar rãs para as fritar e comer.
Mas desta vez o homem não apanhou
nenhuma rã. Remexeu as pedras no fundo
do lago, depois meteu uma mão na água. Quando retirou a mão,
trazia entre os dedos um pequeno objeto brilhante.
A coroa da rainha das rãs!
Era uma vez, e ainda é, um lago. Nesse lago, havia rãs, e
ainda lá estão.
No lago tudo voltou ao normal. Deixaram de existir rainhas e cada rã apanha as suas
moscas.
Nas noites de verão todas as rãs cantam juntas a velha canção de sempre, aquela que diz
GROAC, GROC, GROAC.
Entretanto, lá em cima, na ponte, por vezes aparece um casal de namorados. Uma vez,
nessa mesma ponte, os dois discutiram, mas agora tudo está bem.
Ele beija-a atrás das orelhas. Ela tem num dedo um anel muito parecido com uma
pequena coroa brilhante. Quanto ele a beija, ela sorri e sorri.
Davide Cali
A rainha das rãs não pode molhar os pés
Figueira da Foz, Bruaá editora, 2012