Mais vale um bom coração…
Há muito tempo, numa terra parecida com a tua, havia uma aldeia. Nessa aldeia viviam cinco
crianças órfãs de pai que, na solidão em que se encontravam, tinham de ficar muito juntinhas para se
protegerem do frio.
Um dia, a notícia chegou aos ouvidos do rei que decidiu adotá-las, anunciando assim que iriam têlo por pai e que, em breve, as iria buscar. Assim que as crianças ficaram a saber que tinham um novo pai
e que esse novo pai era nada mais nada menos que o rei, sentiram uma imensa alegria. O mesmo
aconteceu com os aldeãos que foram ao encontro das crianças e disseram:
— Têm de impressionar o rei! — explicaram. — Só
aqueles que oferecerem lindos presentes serão autorizados a
viver no castelo.
Mas as pessoas não conheciam o rei.
Acreditavam simplesmente que todos os reis queriam ser
impressionados.
E assim as crianças começaram a preparar os presentes
para oferecer ao rei, trabalhando com afinco para garantir a
aprovação real.
Uma das crianças sabia esculpir e, por isso, decidiu dar ao rei uma bela escultura em madeira.
Pegou num pedaço de madeira de olmo e começou a talhá-la. A casca da árvore foi, assim, ganhando
vida ao transformar-se nos olhos de um pardal ou no nariz de um cavalo.
Uma das irmãs decidiu presentear o rei com um quadro
que captasse a beleza dos céus — um quadro digno de
adornar as paredes do castelo real.
Uma outra irmã escolheu a música como forma de
impressionar o rei.
Durante horas a fio exercitava a voz e tocava bandolim.
Ao passar à sua janela, os aldeãos ficavam parados a
escutar, tal era a suavidade da música.
Outra das crianças optou por oferecer ao rei o seu
saber. Era frequente vê-la com a candeia acesa até tarde, os livros abertos à sua frente: Geografia,
Matemática, Química. A amplitude do seu estudo só tinha correspondência na profundidade do seu
desejo.
Mas havia uma irmã que nada tinha para dar. A sua mão era desajeitada com o canivete, os seus
dedos, inábeis com o pincel. Sempre que a menina abria a boca para cantar, saíam sons roucos e
ásperos. Também não conseguia ler. Estava convencida de que não tinha qualquer talento e que, por
isso, nada tinha para oferecer. A única coisa que tinha era um coração bondoso.
Esta irmã passava o tempo à entrada da cidade a ver as pessoas chegar e partir. Tratava dos
cavalos ou alimentava os animais e, com o dinheiro que ganhava, comprava comida para os irmãos e
irmãs. Era uma rapariga simples com um coração bondoso.
Sabia os nomes dos pedintes. Fazia festas aos cães. Dava as boas-vindas aos viajantes e
cumprimentava os estranhos.
— Como correu a viagem? — perguntava. — Conte-me o que aprendeu com a visita. — Como está
o seu marido? — Gosta do seu novo trabalho?
Tinha sempre muitas perguntas para fazer, porque o seu coração era grande e importava-se com
toda a gente. Para ela, todas as pessoas, pedintes ou ricos, eram iguais.
Importava-se com todos, simplesmente por aquilo que eram.
Contudo, uma vez que a menina pensava que não tinha talento nenhum e que, por isso, nada
tinha para oferecer, receava que o rei ficasse desiludido.
Recordou-se do conselho dos aldeãos e quis fazer um presente para o rei.
Pegou num canivete e foi ter com o irmão entalhador.
— Podes ensinar-me a talhar? — perguntou.
— Desculpa — respondeu o jovem artesão sem levantar os olhos. —
Tenho muito que fazer. Não tenho tempo para ti. Não sabes que está próxima
a vinda do rei?
A menina pousou o canivete e pegou num pincel.
Foi ter com a irmã, a pintora.
Encontrou-a numa colina a pintar o pôr-do-sol.
— Pintas tão bem! — disse a menina sem talentos mas com um grande
coração.
— Eu sei! — respondeu a artista.
— Podes partilhar o teu talento comigo?
— Agora não! — respondeu a irmã sem tirar os olhos da tela. — Não
sabes que o rei está para chegar?
A menina sem talentos lembrou-se então da outra irmã, a que gostava de cantar e tocar. “Ela vai
ajudar-me!”, pensou. Quando chegou junto da irmã, encontrou uma multidão que aguardava para a
ouvir.
— Irmã! — chamou. — Irmã, venho ter contigo para te ouvir e aprender o teu talento.
Mas a irmã não conseguia ouvi-la. O som dos aplausos abafava a sua voz. Pesarosa, a menina
afastou-se. Foi então que se lembrou do seu outro irmão.
Pegou num livro com palavras pequeninas e letras grandes e foi ter com ele.
— Não tenho nada para oferecer ao rei — disse. — Podes ensinar-me a ler para poder mostrar-lhe
o meu saber?
O pequeno futuro sábio não respondeu. Estava absorto nos seus pensamentos.
A menina perguntou de novo:
— Podes ajudar-me? É que não tenho talento nenhum…
— Vai-te embora! — disse o estudioso, mal afastando os olhos do texto. — Não vês que estou a
preparar-me para a chegada do rei?
A menina deixou-o cheia de tristeza.
Não tinha nada para dar.
Regressou ao seu lugar na entrada da cidade e continuou a cuidar dos animais.
Alguns dias mais tarde chegou à cidadezinha um
homem vestido de mercador.
— Podes dar de comer ao meu burro? — perguntou
à menina.
A órfã pôs-se de pé num salto e olhou o rosto
moreno do viajante. Tinha a pele tisnada pelo sol e uns
olhos profundos. O seu sorriso bondoso aqueceu-lhe o
coração.
— Claro que sim! — respondeu prontamente,
conduzindo o animal ao comedouro. — Vá descansado.
Quando voltar, vai encontrá-lo bem tratado e alimentado.
Diga-me, por favor, — perguntou enquanto o burro bebia — veio para ficar?
— Só por algum tempo. Ando à procura de uma pessoa.
— Está cansado da viagem?
— Se estou!…
— Gostaria de sentar-se e descansar?
A menina indicou um banco perto do muro. O homem alto
sentou-se no banco, encostou-se ao muro, fechou os olhos e
adormeceu.
Acordou alguns minutos mais tarde e encontrou a menina
sentada a seus pés, olhando-o fixamente. Logo desviou o olhar, com
vergonha por ter sido apanhada.
— Estás aí há muito tempo?
— Estou, sim.
— O que procuras?
— Nada. O senhor parece ser um homem bondoso e ter o coração cheio de paz. É bom estar perto
de si.
O homem sorriu e acariciou a barba.
— És uma menina sensata — disse. — Quando eu voltar, temos de nos ver de novo.
Na verdade, o homem voltou passado pouco tempo.
— Conseguiu encontrar as pessoas que procurava? — perguntou a menina.
— Consegui, sim, mas estavam todas muito ocupadas.
— O que quer dizer com isso?
— A primeira pessoa que vim visitar era um marceneiro cheio de pressa para terminar um
trabalho. Pediu-me para voltar amanhã. Outra era pintora. Encontrei-a sentada numa colina, mas
disseram-me que não queria que a perturbassem. Uma outra cantava e tocava. Sentei-me e pus-me a
ouvir a sua música. Quando lhe pedi para conversarmos, disse-me que não tinha tempo. A outra pessoa
que procurava tinha partido para a cidade para ir para a escola.
A menina abriu muito os olhos ao aperceber-se de quem realmente era aquele homem.
— Mas o senhor não se parece nada com um rei! — balbuciou.
— Esforço-me por isso! — explicou. — Ser rei pode ser muito solitário. As pessoas comportam-se
de forma estranha quando estão comigo. Pedem-me favores. Tentam impressionar-me. Fazem-me
muitas queixas…
— Mas não é para isso que existe um rei? — perguntou a menina.
— Com certeza, — respondeu o rei — mas há alturas em que me apetece simplesmente estar com
as pessoas, em que me apetece simplesmente conversar com as pessoas – conhecer o seu dia, rir,
chorar. Há alturas em que me apetece simplesmente ser o pai delas.
— Foi por isso que decidiu adotar crianças?
— Precisamente. Os adultos acham que têm de me impressionar; as crianças não. Só querem
conversar comigo. Sabem que eu lhes tenho amor simplesmente por aquilo que são.
— Os meus irmãos e as minhas irmãs estavam muito ocupados…
— Estavam, sim. Mas eu hei de voltar. Talvez num outro dia tenham mais tempo.
A menina hesitou.
— E eu, meu senhor? Não tenho nenhum talento, mas gostava de ser sua filha.
O rei sorriu.
— Minha querida, tens o maior talento de todos: bondade, tempo, amor. É claro que serás minha
filha. Tenho-te amor por simplesmente seres quem és.
E foi assim que as crianças com muitos talentos mas sem tempo perderam a visita do rei,
enquanto a menina, cujo único dom era o seu coração, passou a ser sua filha.
Max Lucado
Just the way you are
Illinois, Crossway Books, 1999
(Tradução e adaptação)