Quando Danni foi à sinagoga com o pai, na véspera do Ano Novo, viu que
todos estavam de pé e rezavam. Observou tudo com cuidado e escutou os
cânticos a várias vozes. Depois do ofício religioso ter terminado, Danni disse ao
pai:
— Pai, vai para casa e deixa-me ir até à praia. Tenho de dizer algo de muito
importante ao mar. É um segredo.
O pai concordou de imediato, porque sabia o quanto Danni gostava do
mar, e que o filho falava às ondas na sua própria língua. Tinha aprendido a
fazê-lo porque passava os dias à beira-mar, a ouvir o seu rebentar. E até já
conseguia distinguir entre o mar agitado e o mar calmo, entre o mar zangado e o
mar feliz. Aprendera assim a estranha linguagem que a água falava quando
galgava a areia da praia, e por isso sabia o que ela dizia.
Tendo obtido autorização do pai, correu para a praia. Não havia lá
ninguém, porque estavam todos em casa a preparar o Ano Novo… Danni ficou
muito quieto e os seus lábios moviam-se devagar como numa prece.
— Ó mar, meu querido mar — murmurou. — Traz, por favor, muitas
crianças nas tuas ondas. Trá-las das terras para além do horizonte. É tudo o
que te peço.
Foi só isto que Danni disse.
De repente, viu uma bela senhora a seu lado. Usava um vestido da cor do
azul do céu, que lhe caía até aos pés. A princípio, Danni ficou muito surpreendido. Porém, quando viu a face radiante da senhora, deixou de ter
medo. Foi ter com ela e perguntou:
— Quem é a senhora e de onde vem?
— Talvez não te diga quem sou — respondeu a senhora, cuja voz soava
como o murmúrio das ondas suaves num dia alegre de verão.
— Vim porque ouvi a tua prece e desejo tornar o teu sonho realidade. Agora,
diz-me o que vês, meu filho.
Tirou o manto azul e cobriu a superfície das ondas com ele, de forma que
Danni não visse a diferença entre a cor do seu manto e a cor das ondas, já que
ambos pareciam ficar da cor do azul do céu. Pouco a pouco, a desconhecida
cobriu totalmente as ondas. Em seguida, pegou nos quatro cantos do manto e,
maravilha das maravilhas, fez aparecer um pequeno barco a remos, que se
aproximava da praia.
O barco balouçava no mar como se fosse uma concha, e dentro dele
estavam cinco crianças. Eram magras, estavam cheias de frio e descalças, e a
água salgada escorria das suas roupas. Era óbvio que tinham naufragado, ou
talvez tivessem apenas soltado as amarras que prendiam o barco ao cais onde
ancoravam. Tinham, sem dúvida, remado sem parar, até chegarem ali.
Danni observou-as enquanto saíam do barco, a tremer de frio, pois o sol
tinha-se já posto. Agarravam-se umas às outras, com medo, e choravam
amargamente. Olharam para Danni, que lhes devolveu o olhar, mas não
trocaram nenhuma palavra. O menino não conseguia falar, porque tinha o
coração cheio de compaixão. Receava que, se falasse, desatasse a chorar. As
crianças continuavam em silêncio. Estavam cansadas das suas andanças, e
tinham medo de serem expulsas da praia.
De repente, a voz suave da desconhecida fez-se ouvir. Doce, terna e
maternal:
— Venham, meus filhos, não tenham medo. Este é o Danni, um amigo
vosso. Foi ele que pediu que vocês viessem até aqui. Tem muitos amigos que
estão também à vossa espera. Venham conhecê-los.
Devagar, as crianças aproximaram-se de Danni. Depois, uma delas
sussurrou:
— Olá, Danni. Passámos momentos horríveis e estamos muito cansados.
Mas chegámos, finalmente.
Danni respondeu:
— Venham comigo, por favor. Os meus pais estão à vossa espera, numa
casa cheia de amigos. Hoje é um feriado especial. Venham daí!E partiram juntos.
As crianças ainda tinham dificuldade de caminhar, mas iam avançando
cada vez com mais segurança. Danni pegou na mão da mais pequena de todas,
que estava muito magra e triste. À medida que passavam pelas casas, ouviam
gargalhadas e canções que lhes chegavam através das janelas abertas. Todos se
preparavam para o Rosh Hashana, ou seja, o Ano Novo judaico.
Quando chegaram a casa de Danni, a mãe abriu a porta e puderam ver as
salas todas iluminadas. A mesa estava coberta com uma toalha branca, as velas
estavam acesas e inúmeras iguarias cobriam a mesa.
— Mãe, chegaram — anunciou Danni com simplicidade.
— Ótimo — respondeu a mãe. — Finalmente! Temos estado à vossa espera
desde sempre, meninos. Sentem-se e comam à vontade.
Colocou as crianças em redor da mesa, e estas comeram até à saciedade.
Enquanto estavam ocupados a festejar, Danni olhou lá para fora. Parecia-lhe
ver a senhora vestida de azul a caminho da montanha e anjos sagrados a virem
ao seu encontro, cantando Abençoado sejas, Ano Novo, abençoado sejas…
Então, Danni soube que a desconhecida que atendera as suas preces era a
Fada do Ano Novo, que tinha vindo visitá-lo.
Leslie Daiken et alii
Gan-Gani: Let us play in Israel
Tel-Aviv, N. Tversky Publishing House, 1966