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CLUBE DA HISTORIA EM : Um dia verdadeiramente mágico

 

UM DIA VERDADEIRAMENTE MÁGICO
E cá estávamos nós de novo. A minha mãe e eu na mesma cabana. Na mesma floresta. Com
a mesma chuva e com o pai de volta à cidade.
A minha mãe estava sentada à secretária, a escrever calmamente, enquanto eu procurava
eliminar Marcianos. Ou seja, estava a carregar sempre no mesmo botão. Quem me dera que o
meu pai não tivesse tido de regressar ao trabalho.
— E que tal fazeres uma pausa no jogo? — perguntou a minha mãe num tom cansado. —
Será que vais passar mais um dia sem fazer nada?
Claro que a minha mãe tinha razão. Mas não havia nada que eu quisesse fazer, exceto
eliminar Marcianos.
Tirou-me o jogo das mãos e escondeu-o. Como de costume.
E eu encontrei-o, como de costume.
Saí de casa…
… e descobri que tudo no jardim se escondia da chuva.
Agarrei o jogo com força. Talvez ele me protegesse deste lugar cansativo e chuvoso.
Desci a colina e, no fim do caminho que leva a nossa casa, vi algumas rochas planas no lago.
Eram redondas, como as cabeças dos Marcianos. Decidi saltar para cima delas e calcá-las.
Mas eis que deixei cair o jogo no lago.
Nem podia acreditar que aquilo me estava a acontecer!
Enfiei a mão na água para o agarrar. Estava tão gelada que gritei.
Sem o jogo, não tinha nada para fazer!
A chuva caía com tanta força que parecia
lançar pedras sobre mim. Senti-me como uma
pequena árvore apanhada no meio de um
furacão.
Foi nesse momento que vi quatro luzes e
que apareceram quatro caracóis gigantes.
— Há alguma coisa de interessante para
fazer por estas bandas? — perguntei-lhes.
— Claro que sim! — responderam.
Estendi a mão e toquei nos seus corninhos. Eram tão macios como gelatina. Sorri.
Segui-os e em breve encontrei dúzias de cogumelos. O ar era tão húmido que me fez
lembrar o cheiro da cave da casa dos meus avós. A minha caverna de tesouros.
Tive a sensação de que estava perto de algo de especial.
De que algo de fantástico me rodeava.
Debrucei-me e enterrei os dedos na lama. Os meus dedos tocaram em milhares de
sementes, grãos, bagas e raízes.
Naquele momento, senti que tinha achado um
verdadeiro tesouro.
Olhei para o céu e os raios do sol que passavam
por entre um coador gigante quase me cegaram.
Ouvi um rufar de tambores, mas creio que era
apenas o barulho do meu coração.
Senti-me tão cheia de energia que desatei a correr.
Corri tão depressa que comecei a rebolar pela colina abaixo.
Quando cheguei ao fundo, estava tudo virado do avesso.
O mundo parecia ter mudado, como se tivesse acabado de ser criado diante de mim.
Trepei a uma árvore e estendi o olhar o mais que pude.
Inspirei ar tão puro que os meus pulmões pareciam rebentar.
Bebi gotas de chuva como um animalzinho faria.
Vi bichinhos que nunca vira.
Falei com um pássaro.
Dei um enorme salto numa poça de água e
apanhei pedrinhas redondas e transparentes
para observar o mundo através delas.
Por que razão não tinha nunca feito nada
disto?
Encharcada até aos ossos, corri para dentro de
casa, tirei o casaco, e olhei-me ao espelho.
Quase me pareceu ver o meu pai a sorrir para
mim.
A minha mãe continuava a escrever, mas parecia
diferente.
Mais parecida com as criaturas fantásticas que eu tinha encontrado.
— Estás encharcada! Deixa-me secar-te! — exclamou.
Pegou numa toalha e fomos para a cozinha.
Apeteceu-me dar-lhe um grande abraço.
Queria contar-lhe o que tinha visto, sentido e experimentado lá fora.
Mas pensei que nada iria contar. Esperaria pelo meu pai para partilhar com ambos tanta
beleza!
Ficámos ali as duas na cozinha, a olhar uma para a outra e a inalar o delicioso cheiro do
nosso chocolate quente.
E foi tudo o que fizemos naquela altura.
Nesse dia verdadeiramente mágico.

 

Beatrice Alemagna
On a magical do-nothing day
London, Thames and Hudson, 2017
(Tradução e adaptação)