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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM > Um mal-entendido com a Cruz Vermelha

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Pessoalmente, estou sempre pronto a aprender,

embora nem sempre goste de ser ensinado.

Winston Churchill

Durante a 2ª Guerra Mundial fui abençoada com três coisas. Primeiro, era demasiado jovem para servir o meu país; segundo, podia adormecer muito tarde; terceiro, tinha uma mãe colaboradora de guerra, que se refugiava nos livros e filmes que o cineteatro local exibia — sempre diferentes — às 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras.

Vivíamos em casa dos meus avós e, nesses dias à noite, a minha mãe deitava a minha irmã mais nova e depois saíamos. À entrada do cineteatro estava sempre uma senhora vestida com um uniforme de enfermeira que, ao lado de um letreiro enorme da Cruz Vermelha, segurava uma pequena caixa onde se lia “Donativos”. Três vezes por semana, esta ocorrência, combinada com os filmes de guerra e amor de Hollywood, mantinham-me numa espécie de auréola patriótica. E pude ver que todos se sentiam felizes por contribuir para a Cruz Vermelha.

Perto da nossa localidade existia um supermercado, o Ehrlicks, onde todos faziam compras. E nós não éramos exceção. A pedido da minha avó, eu ia lá muitas vezes. Numa dessas vezes reparei, na montra do supermercado, num letreiro da Cruz Vermelha muito semelhante ao que víamos à estrada do cineteatro (embora fosse mais pequeno), onde se podia ler Contribua para a Cruz Vermelha. Creio que, desde então, a minha imaginação começou a trabalhar, mas nada aconteceu durante os dois meses que se seguiram.

Numa das minhas habituais viagens ao supermercado, vi o Sr. Ehrlick a deitar o letreiro da Cruz Vermelha ao lixo. Podem imaginar o que senti e o que levei para casa, juntamente com a manteiga que fora buscar para a minha avó! Escondi o letreiro atrás da oficina do meu avô até concluir o meu plano. Primeiro, tinha de encontrar o kit de enfermagem que um familiar, por engano, me oferecera no Natal. Uma vez encontrado, lembrei-me que tinha um boné, uma braçadeira e um avental com peitilho. Perfeito. Não demorei muito a descobrir uma blusa e uma saia. Assim vestida, parecia tal e qual a senhora do cineteatro.

Atrás da nossa casa havia um grande armazém onde um comerciante vendia e prestava assistência técnica a camiões, tratores e atrelados. Eu sabia que centenas de homens e de mulheres entravam e saíam de lá todos os dias. Cuidadosamente, fiz um embrulho, montei um atrelado com o letreiro e vesti a minha indumentária. Para me proteger levei o Toby, o cão da minha avó e partimos.

Contornámos o quarteirão e instalei-me junto dos portões do armazém. Por coincidência, havia do lado oposto uma paragem de elétrico, o que acabou por ser uma mais-valia. À medida que as pessoas saíam, exclamavam:

— Oh, que amável!
— És uma menina muito atenciosa.

Por volta das cinco horas já estava rica!

Vivíamos numa época em que as pessoas ganhavam cinquenta, setenta e cinco cêntimos à hora. O relógio do banco já marcava cinco e um quarto. Com relutância, embrulhei tudo, pois eu e o Toby tínhamos de estar em casa para o jantar. Tive assim de acordar o cão que certamente sonhava com o fígado que a avó estaria a cozinhar para ele.

Logo que cheguei a casa, subi para o meu quarto, levando tudo, com exceção do letreiro. Em vez de me lavar, pus-me a contar o dinheiro. Uau! Vinte e cinco dólares! De repente, a minha avó surgiu ao meu lado, olhando-me de um modo estranho.

— De onde é que isso veio? — perguntou, largando o pano de cozinha que segurava na mão.

— Deram-me. É meu! — gritei, agarrando no dinheiro contra mim.

— Estou a ver — respondeu.
Sabia que, em menos que nada, lhe contaria toda a história. Era sempre assim, mesmo quando me esforçava por esconder algo. Acabei por lhe contar tudo. Limitou-se a sorrir e disse:

— Olha as horas. Despacha-te, e vai lavar-te para o jantar. O avô está a chegar e tenho a certeza de que saberá o que fazer.

O que fazer? Esmoreci e o coração caiu-me aos pés. Eu sabia bem o que fazer! Queria divertir-me!

Naquela noite o jantar foi doloroso. Depois, sentamo-nos todos, eu, a avó e o avô. A avó mostrou-lhe o dinheiro e eu contei-lhe a minha história. Era uma sexta-feira, nunca esquecerei.

O avô permaneceu calmo durante um tempo interminável, e só depois começou a explicar o papel da Cruz Vermelha e o destino do dinheiro que recolhia. Disse então que eu tinha duas opções. Primeira: seria capaz de encontrar todas as pessoas que tinham contribuído? E saberia dizer quanto tinham dado, para poder fazer a devolução do dinheiro?

Doía-me o estômago e um nó apertava-me a garganta quando balbuciei:

— Não, … não sei …nem sei quem nem quanto me deram.

— Ah! — respondeu. — Então só tens uma outra alternativa.

Não me queria parecer que se referisse a brinquedos, gelados, ou matinés ao sábado.

— Qual é, avô? — murmurei.
— Vamos completar o teu plano. Recolheste dinheiro em nome da Cruz Vermelha e fizeste um bom trabalho. Diria mesmo um trabalho fantástico! Por isso, amanhã, sábado, quando eu regressar do trabalho, apanhamos o elétrico e vais entregar a tua contribuição.

O impacto das suas palavras foi devastador. Sentia uma enorme vergonha, mas sentia também um grande sentimento de libertação. Tinha errado, mas tinha agora a oportunidade de emendar o meu erro. De me redimir.

O dia seguinte amanheceu como um dos mais tristes da minha curta existência.

Depois do almoço, o meu avô lavou-se, fez a barba, vestiu o fato azul e a gravata dos casamentos e funerais, e partimos para a Cruz Vermelha. A senhora de cabelos grisalhos era simpática e sorriu para mim quando lhe contei como tinha conseguido o dinheiro através de uma coleta. Chamou os outros colegas, que não cessavam de comentar a minha história. O meu avô sabia…E eu senti tanta vergonha!

Deram-me por fim um recibo que o meu avô guardou na carteira.

O sol queimava quando saímos para a rua. O meu avô olhou para o relógio e disse:

— Bem, devíamos ir para casa. Mas não se vê nenhum elétrico. Vamos entrar aqui, — disse, agarrando a minha mão.

Entrámos na pastelaria mais bonita que alguma vez vira, toda em mármores, com ventoinhas no teto. Uau! Havia uma máquina de refrigerantes. Fomos diretamente para junto dela. O avô sentou-se num banco e eu fiz o mesmo.

— Duas bananas split, por favor, — pediu o meu avô, pondo o dinheiro em cima do balcão.

Quase caí do banco. Mas ele piscou-me o olho e disse:

— Aprendeste a lição?
Foi a melhor banana split de toda a minha vida.

Barbara E. Keith

Jack Canfield, Victor Hansen, et al.
Chicken Soup for the Golden Soul:

Heartwarming Stories for People 60 and Over

Florida, Health Communications, Inc., 2000