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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM : Um espelho no coração

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— Não quero ver a pediatra — resmunga o Paulo.

A mãe limpa-lhe a cara, ainda com restos de vómito.

— Não vamos ver a pediatra — diz. — Ela é que te vai ver a ti.

A mãe explica à médica que o Paulo anda a vomitar muito.

— É por causa da sopa — diz o Paulo.

— Hoje não comeste sopa — responde a mãe.

— Foi por causa do peixe.

— E ontem? — pergunta a mãe.

— Ontem foi por causa dos espinafres.

A médica examina-o atentamente e afirma que o Paulo está mais são que um pêro.

— Então porque vomita ele? — quer saber a mãe.

A médica não sabe, mas diz que, a continuarem os vómitos, terá de ser internado.

 

O Paulo, já na cama, confessa a si mesmo que não gosta de hospitais.

Não quer ir.

— Só vais, se quiseres — diz-lhe a fada Madrinha na escuridão do quarto.

— Ai, sim? — diz o Paulo. — Se calhar, achas que vomito de propósito!

A fada salta da estante dos brinquedos e vem para a almofada do Paulo.

— Não! Não o fazes por querer. É a única maneira que tens de deitar cá para fora o que te faz sofrer.

— Claro! A sopa, os espinafres, a pescada — diz ele.

A fada Madrinha solta uma gargalhada.

— Não é a sopa, nem os espinafres, nem a pescada. Não tem nada a ver com o que comes, mas, sim, com o que sentes.

— O que é que estás para aí a dizer? — e ergue-  -se na cama para ver melhor a fada.

A fada põe as mãos à cintura.

— Olha lá! O que é que se passou no outro dia antes de comeres a sopa?

 

O Paulo faz um esforço, mas não se recorda. Dá uma resposta qualquer, a ver se acerta:

— Joguei futebol?

— Não.

— Vi desenhos animados?

— Também não.

— Desisto — diz o Paulo.

— Isto vai ajudar-te a lembrar — diz a fada Madrinha.

E então, de um dos bolsos do seu vestido verde, tira um espelhinho de prata.

— Olha para aqui. O que vês?

O Paulo aproxima-se, julgando ir ver-se a si próprio, como acontece com todos os espelhos do mundo. Porém, que grande surpresa!

— Caramba!

 

Era hora de jantar, havia sopa… A mãe estava a dar o biberão à Eli, a irmã recém-nascida. O Paulo quer que a mãe trate dele, mas ela não pode. Manda-o sentar-se e comer.

— Já sabes agora o que sucedeu antes de comeres a sopa?

— Sim. Aborreci-me com a minha mãe.

A fada Madrinha esvoaça por cima da cabeça do Paulo e solta um rasto de estrelas verdes.

— Exatamente!

E volta a pôr-lhe o espelho diante dos olhos para que recorde o que sucedeu ontem, antes de vomitar os espinafres.

 

No espelho o Paulo observa a sua turma. O Carlos deu-lhe um pontapé sem a professora ver. Em resposta, o Paulo faz-lhe o mesmo, e a professora castiga-o apenas a ele. Depois, foram para o refeitório e comeram espinafres…

— O que aconteceu então?

— Aborreci-me com o Carlos.

— E hoje, quando vomitaste o peixe?

 

O Paulo olha para o espelho, embora saiba que se aborreceu consigo por ter estragado o seu brinquedo preferido.

— Já percebo — diz ele. — Sempre que me aborreço, vomito.

— Não — diz a fada. — Vomitas porque não sabes o que se passa contigo.

— Queres dizer que, se eu soubesse que estava aborrecido, já não vomitava?

— Claro! — responde a Madrinha, soltando uma gargalhada às cores.

E o Paulo adormece a pensar como há de descobrir quando é que está aborrecido.

 

No dia seguinte, o Paulo observa as outras pessoas. É fácil saber quando é que a professora está aborrecida, porque fala num tom muito antipático. É fácil ver quando a mãe está contente, porque sorri. Também se pode saber quando o pai está de mau humor, porque não para de se mover na cadeira. A sua equipa deve estar a perder. Quando a irmã Eli aperta muito os punhos, é porque está aborrecida.

E o Paulo conclui que, se se pode ver por fora como está uma pessoa, também é possível saber como estamos por dentro, não é verdade?

— Está certo! — diz-lhe a fada Madrinha. — Só é preciso que te vejas e te escutes por dentro.

Mas o Paulo não sabe se irá conseguir.

— Claro que vais! — assegura-lhe a fada. — E para te ser mais fácil, deixo-te o meu espelho mágico para que o ponhas no coração!

 

O Paulo pegou no seu supermercado de brincar.

Gosta de fazer compras.

Mas chega a Eli e atira a caixa da fruta e a dos legumes ao chão.

O Paulo sente que fica com vontade de partir qualquer coisa ou de bater à Eli.

— Alto lá! O que sinto dentro de mim será sinal de que estou aborrecido?

Da estante dos brinquedos, a fada Madrinha diz-lhe que sim.

Nessa noite ao jantar há peixe.

O Paulo come e não vomita.

— Muito bem! — diz o pai. — Parece que não é preciso levar o Paulo para o hospital.

O Paulo sorri, e a mãe também.

 

 

Gemma Lienas

Un espejo en el corazón

Barcelona, La Galera, 2008

(Tradução e adaptação)