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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM : Um dia de trabalho

Francisco encontrava-se num parque de estacionamento com o avô e outros homens. Era a sua primeira vez. Um camião que passava ao longe abrandou. O condutor levantou três dedos. — Assentamento de tijolos. Preciso de três homens — disse. Cinco saltaram para as traseiras do camião. — Só três — disse o condutor, e dois tiveram de sair. Os trabalhadores que ficaram no parque de estacionamento iam resmungando enquanto deambulavam por ali. O avô de Francisco tremia. — “Hace frío,” (Está frio) — disse ele. — Está frio porque ainda é cedo.

Mais tarde vai aquecer, verá! — disse Francisco em espanhol. — Porque é que trouxe uma criança? — perguntou um dos homens. — Ninguém o contratará com uma criança. Ele devia estar na escola. — É sábado — disse Francisco. — O meu Abuelo ainda não fala inglês. Há dois dias que veio para a Califórnia viver com a minha mãe e comigo. Francisco engoliu em seco e acrescentou: — Temos estado sozinhos desde que o meu pai morreu. E eu venho ajudar o meu Abuelo a arranjar trabalho. Pegou na mão fria e rugosa do avô e sorriu-lhe.

Abuelo era alto e magro como uma velha árvore. Francisco amava-o. Quando tivessem dinheiro para gastar comprariam um blusão igual f ao de Francisco, com mangas muito compridas para cobrir as suas mãos. E também um boné dos L.A. Lakers igual ao do neto. Uma carrinha estava a chegar onde se lia de um dos lados: A JARDINAGEM do BENJAMIN. Francisco largou a mão do avô. Correu e pôs-se mesmo à frente dos homens quando a carrinha parou. — Um homem— disse o condutor. — Para a jardinagem.

O condutor era jovem, com um bigode farto e preto. E estava a usar um boné dos L.A. Lakers… Talvez mais limpo. O que poderia ser um bom presságio, pensou Francisco. — Leve-nos, Sr. Benjamin. Aos dois. Francisco apontou para trás, para o avô. Este inclinou o próprio boné um pouco mais sobre os olhos. — Olhe! Nós gostamos dos Lakers, também. E o meu avô é um ótimo jardineiro, embora ainda não fale inglês. Mas os jardins são iguais em toda a parte, não? Quer sejam mexicanos ou americanos… Francisco acenou ao avô para se chegar mais à frente. — Além disso, terá dois por um — disse ele. — Eu não cobro nada pelo meu trabalho. O homem sorriu. — OK! Convenceste-me. Mas não sou Sr. Benjamin. Chamem-me Ben. Virou-se para o rapaz. — Tu e o teu avô saltem lá para trás. Sessenta dólares por dia. Francisco assentiu.

A sua respiração acelerou-se. Tanto por um dia de trabalho? A mãe ia ficar tão feliz… No seu emprego não pagavam tanto! Haveria comida extra naquela noite, talvez chorizos. Francisco abriu a porta de trás, atirou para dentro o saco do almoço que a mãe tinha preparado, e apressou o avô a entrar na carrinha à frente dele. Um homem grande e forte tentou entrar também. Francisco empurrou-o para trás. Sentia-se forte. Agora era um trabalhador. — Vamos tratar de jardins — disse ele ao Abuelo enquanto a carrinha arrancava. — Mas eu não sei nada de jardinagem.

Sou carpinteiro. E sempre vivi na cidade. — É muito fácil, vai ver. Francisco acenou através da janela aos carros que passavam. E continuou: — Flores, rosas, e coisas assim… E levantou o boné para uma senhora num carro. “Señora,” disse educadamente, embora ela não pudesse ouvir. A carrinha deixou a autoestrada para entrar numa estrada cheia de curvas, e parou. Uma ladeira conduzia aos quintais de algumas casas novas. Algumas ainda não estavam acabadas. Alguns trabalhadores subiam para cima dos telhados e sentia-se o bom cheiro a alcatrão. O alto da ladeira estava pintalgado com lindas flores brancas e coberto com grossos espigões verdes. Seis grandes latas de lixo pretas encontravam-se lá em baixo. Saíram todos da carrinha, mas Ben deixou o motor a trabalhar. — Preciso que arranque as ervas daninhas desta ladeira — disse ele ao Abuelo. — Certifique-se que arranca todas as raízes. E apontou para as latas do lixo. — Deposite-as ali, por favor. — Está bem. Está bem.

Foi Francisco quem respondeu. — Agora vou tratar de outro assunto — disse Ben. — Venho buscar-vos às três. Vai estar muito calor. O teu avô vai precisar de um chapéu. E tirou um de palha da carrinha. — Gracias! — disse o Abuelo. — See you guys then. Work hard. Have a nice day. — O que é que ele disse? — perguntou o Abuelo. — Ele disse que nos desejava um bom dia. É o que todos dizem por aqui. — O teu inglês é muito bom, meu neto — acrescentou o Abuelo. Francisco assentiu com a cabeça e sorriu. Subiu a ladeira e pendurou o blusão num gradeamento. — Agora — disse ele, — vou mostrar-lhe. Puxou uma das moitas de picos e abanou a sujidade das raízes. — São estas as ervas daninhas. Por favor, não toque nas flores! O avô sorriu. — Bueno. (Está bem) E Francisco pode ver todos os dentes fortes e brancos do avô… Trabalharam durante toda a manhã. Um pequeno cão d’Água escutava-os através do gradeamento e ladrava: Yap, yap, yap.

Um gato cor de laranja rondava furtivamente. Havia uma piscina num dos novos quintais. Francisco ouvia barulho de sapatadas na água e vozes. Os sons da água fizeram-no sentir ainda mais calor. Doíam-lhe os ombros e os braços. Mas pensou como a mãe se sentiria orgulhosa naquela noite… — Sessenta dólares? — diria ela, e abraçaria Francisco e o Abuelo. — É uma fortuna! À hora do almoço, os dois comeram as tortilhas e os tomates, e beberam a garrafa de água que a mãe tinha preparado. Uma hora depois tinham terminado. Que linda parecia a ladeira, apenas com a terra castanha e as bonitas flores! — Muy bonito (muito bonito) — disse o Abuelo. E Francisco concordou: — Sim, ficou muito bonito! Francisco e o avô apertaram as mãos, e o rapaz pensou que nunca se sentira tão bem. Tinha ajudado o avô e também tinha trabalhado muito! Ambos se sentaram na berma à espera da carrinha e, quando esta chegou, levantaram-se e sacudiram a terra das roupas sujas.

Ben saiu e ficou a olhar fixamente para a ladeira. — Santa Bárbara! — exclamou. — Nunca pensou que pudéssemos fazer um trabalho tão bom, não é verdade? Francisco queria rir mas Ben parecia tão chocado… Foi então que Francisco deu uma pequena corrida e fingiu encestar uma bola. — Tal qual como os Lakers. Nós trabalhamos no duro! — Não posso acreditar! — Ben murmurou. — Vocês … vocês arrancaram todas as plantas e deixaram as ervas daninhas! Francisco aproximou-se do Abuelo. — Mas as flores… — começou ele… Ben apontou furioso. — Aquelas flores são prímulas. Prímulas! Vocês arrancaram os jovens rebentos! Ben tirou o boné dos Lakers e bateu com ele contra a carrinha. — O que foi? Fizemos alguma coisa de errado? — sussurrou o Abuelo para o neto em espanhol.

O bigode de Ben tremia de raiva. — Pensei que tinhas dito que o teu avô era um bom jardineiro! E ele nem sequer conhece uma prímula! Abuelo olhava quer para um quer para o outro. — Diz-me o que está a acontecer, Francisco — pediu. — Deixámos ficar as ervas. E arrancámos as plantas! — respondeu com toda a cautela Francisco em espanhol. Foi bem difícil encarar o avô enquanto falava… — Ele pensou que nós percebíamos de jardinagem — disse o Abuelo. Falava rapidamente e estava zangado. — Mentiste-lhe, não foi? — Nós precisávamos de trabalho… — Mas nós não mentimos, nem sequer por um trabalho! Agora havia mais tristeza do que raiva na voz do Abuelo. — Ah, meu neto! — exclamou.

E pôs a mão no ombro do Francisco. — Pergunta-lhe o que podemos fazer. Diz-lhe que voltaremos amanhã, se ele concordar. Tiraremos as ervas e voltaremos a colocar as plantas. Francisco sentia o seu coração apertado. — Mas… mas Abuelo, será o dobro do trabalho. E amanhã é domingo. Há um jogo dos “Lakers” na TV. E também há a igreja. Ele esperava que a palavra igreja pudesse mudar a decisão do avô… — Faltaremos a ambos, então — disse o avô. — É o preço a pagar pela mentira. Diz ao senhor o que eu disse e pergunta-lhe se as plantas sobreviverão. Ben disse que sim. — As raízes ainda aqui estão.

Se forem replantadas em breve, ficarão bem. E Ben esfregou os olhos. — Em parte a culpa também é minha. Devia ter ficado até que começassem. Mas diz ao teu avô que aprecio a sua oferta e que vos trarei de novo amanhã. Os três entraram na carrinha. Francisco sentou-se junto da janela… em silêncio. Não saudou os carros que passavam. Tinha ajudado o avô a encontrar trabalho mas, no fim, a mentira estragara o dia. As lágrimas faziam-lhe arder a garganta. O parque de estacionamento estava vazio. As latas do lixo estavam a abarrotar de copos de papel e embrulhos de sanduíches. Ben deixou-os sair. — Olhem — disse ele, — se precisam de dinheiro, posso dar-vos metade agora.

E começou a tirar a carteira do bolso. Mas o Abuelo segurou-lhe a mão. — Diz-lhe que recebemos o pagamento amanhã, quando acabarmos. O avô do Francisco e Ben olharam-se nos olhos… As palavras pareciam passear entre eles, embora nada fosse pronunciado. Ben fez deslizar a carteira de novo para dentro do bolso. Francisco suspirou. A mentira tinha levado os “chorizos” (chouriços) também. — Até amanhã. Seis da manhã! — disse Ben. — E diz ao teu avô que eu posso contratar um bom homem… para algo mais do que apenas um dia de trabalho. Francisco deu um pulo de excitação. Mais do que um dia de trabalho! Ben ainda estava a falar. — As coisas importantes, o teu avô já sabe. E eu posso ensinar-lhe jardinagem. Francisco assentiu com a cabeça. Tinha compreendido. Diria ao Abuelo e também lhe iria dizer algo mais. Ele, Francisco, tinha começado a aprender as coisas importantes da vida… Pegou na mão fria e áspera do avô. — Vamos para casa, Abuelo — disse Francisco.

 

Eve Bunting A day’s work New York, Clarion Books, 1994

(Tradução e adaptação)