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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM : Tisha, a menina que não podia ir à escola

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CAPÍTULO 1 – Tisha vivia numa pequena aldeia, perto do deserto, com Mamala, a sua mãe. Os irmãos mais velhos já tinham abandonado a cabana da família há muito tempo e o pai partira para um país distante.

Mamala cultivava os seus inhames, tomates e pimentos, enquanto Tisha ia à escola. — Aplica-te — dizia Mamala a Tisha, enquanto a menina fazia os deveres. — Só assim terás, um dia, uma boa profissão. Mas há já algum tempo que o céu se recusava a deixar cair chuva sobre aquela aldeia.

A terra endurecia, os poços secavam e, para encontrar água, os aldeãos tinham de ir cada vez mais longe. — Este ano a mandioca está perdida — afligiam-se os camponeses. — Também se perderam o inhame e o tomate — lamentava Mamala, olhando a horta devastada. Tornou-se difícil encontrar alguma coisa para comer.

Um dia, quando Tisha chegou da escola, a mãe disse-lhe : — Tisha, as nossas cabaças estão vazias. Gastámos toda a colheita do ano passado E sem água, a nova safra está com dificuldades em vingar. Mamala calou-se por momentos, porque as palavras que tinha para dizer não queriam sair. — Tisha, vou ter de usar o pouco dinheiro que nos resta para comprar comida. E, assim sendo, já não vou poder pagar a escola.

As mãos de Mamala contorciam-se, porque, para ela, não havia nada mais importante do que a escola. Mas foi mais o desgosto de Mamala que entristeceu Tisha do que a ideia de não ir às aulas. Bem vistas as coisas, muitos dos seus colegas já tinham saído antes dela, e a menina não conseguia deixar de pensar que agora teria mais tempo para brincar. E deu um beijo a Mamala. — Não te preocupes, porque logo que comece a chover, a colheita será boa e eu volto para a escola. essa mesma noite, Tata Zana bateu à porta de Mamala.

CAPÍTULO 2 -Tata Zana vivia numa aldeia relativamente próxima. Tinha vivido algum tempo na grande cidade e veio de lá cheia de dinheiro. Mandou construir, então, uma bela casa com pequenos blocos de pedra ao lado das cabanas de barro dos seus vizinhos.

E deslocava-se num carro muito aparatoso. Muitos aldeãos admiravam-na por isso. Mas Tisha não gostava dela. Por causa do seu sorriso amarelo. Parecia um crocodilo que fingia dormir. — Como vão as coisas por aqui? — perguntou Tata Zana, entrando em casa de Mamala. — Está tudo bem, está tudo bem — respondeu esta última. Porque, se ainda restava alguma coisa à mãe de Tisha, era o seu orgulho, e ela nunca revelaria a Zana a sua atual situação de miséria.

Ofereceu-lhe de beber e conversaram as duas disto, daquilo e daqueloutro. Por fim, Tata Zana disse: — Venho propor-te uma educação de princesa para a Tisha. Mamala arregalou os olhos. — Conheço uma senhora rica numa cidade distante, explicou Zana. Está à procura de uma rapariga para tomar conta dos filhos de vez em quando. Em troca compromete-se a cuidar da menina e a enviá-la para a melhor escola da cidade. Vais ver, — acrescentou olhando para Tisha — terás belíssimas roupas para vestir e ainda te vais divertir. Tata Zana falava como se Mamala já tivesse autorizado a partida.

Mas a vontade de Mamala não era separar-se de Tisha. No entanto, não conseguia deixar de pensar que lá, na grande cidade, a filha poderia comer até satisfazer a fome. E, principalmente, poderia voltar à escola. Não seria esta uma boa oportunidade para Tisha? Por seu lado, Tisha preferia sentir fome a ter de se afastar da mãe. Mas também não esquecia que, se fosse, a mãe já não teria a preocupação de lhe pôr comida na mesa. E não seria isto um alívio para Mamala? Mamala hesitava e enchia Tata Zana de perguntas: — Como é essa senhora rica? Será meiga com a minha Tisha? Onde fica essa cidade? Depois, fez algumas recomendações: — A Tisha saberá ajudar, mas também vai precisar de tempo para fazer os seus trabalhos para a escola. E não deve andar sozinha na cidade. Tata Zana procurava tranquilizá-la.

Enunciava nomes de ruas e de locais para explicar onde se situava a tal cidade. Mas Mamala não os conhecia; ela nunca tinha saído da aldeia. Tata Zana acabou por dizer: — Confia em mim, Mamala. Mamala olhou para Tisha que lhe sorriu. Então, a mãe suspirou: — Tudo bem. E acrescentou, olhando fixamente Tata Zana: — Conto contigo para que a minha filha seja feliz, Zana. isha aconchegou-se nos braços de Mamala. Deram um abraço muito apertado. E, minutos mais tarde, o carro “maravilha” partiu levando Tisha.

CAPÍTULO 3 Tisha tinha a impressão de que o carro nunca mais ia parar. A cidade era tão longe… Acabou por adormecer até ao momento em que Zana a abanou: — A viagem acabou. O carro estava parado em frente de uma casa magnífica. No jardim brincavam duas crianças. Uma senhora, muito esbelta, saiu. Tata Zana cumprimentou-a e indicou Tisha: — Cá está ela. A senhora observou a menina. — Bem-vinda, pequena. Depois dirigiu-se a Zana: — Espero que isto corra bem.

Com um sorriso tão frio como as escamas de um lagarto, a linda senhora levou as recémchegadas ao interior da casa. Lá dentro, convidou Zana a sentar-se na sala e serviu-lhe sumo de fruta. Quanto a Tisha, a senhora parecia já nem a ver. — Vai beber à cozinha — sussurrou-lhe Tata Zana. E Tisha perdeu-se nos corredores da casa. Quando voltou, Tata Zana estava a contar um maço de notas. Apercebendo-se da presença da menina, escondeu o dinheiro e disse: — Volto para te ver daqui a alguns meses.

Até lá, obedece sempre à senhora. Quando viu o carro afastar-se, o coração de Tisha ficou apertado: Tata Zana era a sua única ligação com a aldeia. Nesse momento, um gato magricela veio roçar-se nas suas pernas. Tisha quis pegar nele ao colo, mas a senhora enxotou-o com um pontapé e suspirou: — Estou arrasada esta noite. Lava as crianças e, depois, prepara o jantar. Ah! E, claro, não vais esquecer-te de limpar a cozinha. Nessa noite Tisha teve dificuldades em adormecer. Seria por estar longe de casa? Ou porque a linda senhora parecia tão diferente da sua mãe? “Amanhã vai correr melhor”, pensava ela para consigo e para ganhar alguma coragem.

E pensava também na alegria que teria Mamala ao imaginá- la brevemente na escola. No dia seguinte, enquanto ajudava as crianças a vestir-se para irem à escola, Tisha perguntou: — Também tenho de usar uma bata para ir à escola? Mas a senhora respondeu: — Hoje não vais, porque tenho convidados esta noite e preciso de ti para preparar tudo.

E Tisha passou o dia a esfregar a casa. No dia seguinte, Tisha perguntou: — É hoje que começo a escola? as a senhora disse: — Não vais ter tempo, porque hoje é dia de mercado. E Tisha teve de carregar cestos pesados, descascar legumes e cozinhar durante todo o dia. No terceiro dia, Tisha atreveu-se a dizer: — Eu queria muito ir à escola. Mas a senhora respondeu: — E já olhaste para o teu vestido tão esburacado? Nessa noite, ao lavar a louça, Tisha deixou cair um prato. A senhora irritou-se: — Sua desajeitada! Meu rico prato! Para castigo, hoje não vais comer nada! A partir desse dia, todas as manhãs Tisha era a primeira a levantar-se naquela casa imensa. E todas as noites era a última a recolher-se para dormir, completamente arrasada.

CAPÍTULO 4 Certa manhã, quando se dirigia para o mercado, esfomeada, Tisha teve uma ideia. No corredor do centro ela reparou numa vendedora que, muitas vezes, lhe sorria simpaticamente.

E que, para além de vender legumes, também cozinhava alguns molhos picantes e almôndegas de tofu. Tisha olhava com avidez os clientes que lambiam os dedos quando já não tinham nada no prato. Se conseguisse regatear os legumes que comprava com o dinheiro da senhora, talvez pudesse comer alguma coisa com as moedas economizadas.

Aproximando-se da vendedora, reuniu alguma coragem e disse: — Os tomates que tem à venda são lindos. Mas ali ao lado estão mais baratos. Se me fizer um preço melhor, levo dois sacos. A vendedora sorriu: — Dois sacos? Isso não chega. Leva três sacos e ainda te ponho alguns de graça.

Tisha ficou desiludida. Claro que ela podia comer os tomates oferecidos, mas isso satisfazia menos do que um prato de tofu com molho. No entanto, era melhor do que nada. Às tantas, a vendedora continuou: — Tens um ar maroto. Faz-me um recado e eu dou-te uma refeição.

Tisha hesitou. Se chegasse tarde, o que diria a senhora? Por outro lado, estava com tanta fome… — Um vizinho vai deixar-me vários quilos de inhame no estacionamento aqui perto — explicou a vendedora. Traz-mos cá e, quando acabares, tens a tua refeição. Tisha achou que era uma proposta razoável. Iria fazer como todas as outras crianças que, por algumas moedas, transportavam produtos à cabeça em enormes bacias. Respondeu pois: — Está bem! Mas, por favor, dê-me de comer primeiro.

A vendedora desatou a rir: Sim, decididamente, tu és bem espertalhona! Serviu-lhe um prato repleto de comida apetitosa. Tisha devorou tudo e nem perdeu tempo a agradecer. No caminho de regresso, Tisha ia cantarolando. É verdade que trabalhou bastante, mas o gosto do molho na língua lembrava-lhe a comida de Mamala… E a vendedora ainda lhe deu algumas moedas. Mal ela entrou em casa, a senhora pôs-se a gritar: — Por onde é que andaste? Há mais de uma hora que estou à tua espera.

E que nódoa de molho é essa? Puxou Tisha pelo braço e apertou-o até a magoar. Tisha deixou então escapar as suas moedas que rolaram pelo chão. — Oh! Dinheiro! Onde é que o arranjaste, minha ladra? Antes que Tisha pudesse explicar, a senhora sacudiu-a impiedosamente. E, quando se decidiu a largá-la, foi para apanhar as moedas que logo desapareceram no seu bolso.

Nessa noite, Tisha não conseguia dormir. Calmamente, foi deslizando para a escuridão do jardim. Entre os ramos de uma laranjeira, brilhavam duas estrelas. A menina aproximou-se. Eram os olhos do gatinho. De repente, no casarão alguém gritou: — Tisha! Tisha! Onde estás? De um salto, o gato deu meia volta. Sem pensar, Tisha foi atrás dele … e deu consigo na rua. Não tinha nada, nem para onde ir.

Mas paciência! Queria fugir! Não conhecia nada naquela cidade, a não ser o mercado. E foi para lá que se dirigiu. O lugar parecia deserto. No entanto, nas soleiras das portas ou encostadas a uma árvore, algumas pessoas dormiam. Tisha encontrou o lugar da “sua” vendedora. Aí, aconchegou-se numa caixa de cartão e, cansada, adormeceu.

No dia seguinte, ainda estava escuro quando sentiu uma mão que lhe tocou no ombro. — O que estás aqui a fazer? Tisha piscou os olhos ainda estremunhada e, de repente, toda a história da véspera lhe veio à cabeça. À sua frente estava a vendedora que a olhava, espantada. Foi então que Tisha viu as nódoas negras no sítio do braço onde a senhora apertou com mais força. E sentiu vergonha.

Mas a vendedora sorriu-lhe e ofereceu-lhe um donut. — Toma! É bom… Depois, como se soubesse o que se tinha passado: — Ninguém tem o direito de te tratar assim. Tens razão em não aceitar isso. Ouve-me bem: vou falar de ti a uma das minhas clientes. Ela ajuda crianças na tua situação. O coração de Tisha ficou apertado. E se a cliente era como Tata Zana? Não fiques preocupada — continuou a vendedora. — O trabalho dela é fazer com que as crianças sejam entregues aos pais.

Chama-se M’ma Yele. Enquanto ela não chega, ajudas-me a tratar da minha barraca. M’ma Yele apareceu ao final da manhã. Trazia muitos e grandes cestos onde cabiam todos os legumes que sobravam na banca da vendedora. — É que devoram tudo, estas crianças! — explicava, rindo. — A minha horta não chega para lhes encher a barriga! A vendedora apresentou-lhe Tisha. — Onde é a tua aldeia?— perguntou-lhe M’ma Yele. — Perto do deserto — respondeu a menina. M’ma Yele sorriu: — O deserto é vastíssimo. Diz-me ao menos que direção devo seguir. Tisha não fazia a mais pequena ideia.

Antes de vir com Tata Zana, ela nunca tinha saído da aldeia. Tal como Mamala e a maior parte dos aldeãos. — Eu vou procurar — prometeu M’ma Yele. — Vou tentar encontrar a tua aldeia e a tua família. CAPÍTULO 5 M’ma Yele levou Tisha para uma cabana enorme e com muita claridade. Viviam lá muitas outras crianças. Quando a menina chegou, todos dançaram e cantaram. — Bem-vinda, Tisha! Ao lado, um grupo de cabras olhava com curiosidade para a nova menina. Naquele lugar, comia-se conforme o apetite; a vida era calma e alegre. No entanto, Tisha não queria ali ficar para sempre.

O seu único desejo era encontrar Mamala, a mãe. Mas, entretanto, não tinha escolha. Tinha de esperar e fazer como as outras crianças: ir à escola todos os dias, ajudar M’ma Yele na cozinha ou na horta, aprender a tratar das cabras. Aos poucos, Tisha foi fazendo amigos.

Aprendeu canções e ria sem parar como acontecia, por vezes, quando estava na sua aldeia. No entanto, e sempre que possível, Tisha procurava a mão de M’ma Yele e perguntava baixinho: — Já encontraste a minha aldeia? Conseguiste ver a minha mãe? E, de todas as vezes, M´ma Yele respondia: — Tens de ter paciência, Tisha, tens de ter muita paciência… Tisha sentia que as lágrimas lhe saltavam aos olhos.

Para não as mostrar, escapava-se para o recinto onde estavam as cabras. Gostava muito de ir para lá. E gostava principalmente de uma cabrinha negra que vinha frequentemente lamber-lhe as mãos. Era a sua favorita. Quando a cabrinha nasceu, a mãe não pôde amamentá-la.

E foi Tisha quem lhe deu o leite até ela poder pastar. ma manhã, M’ma Yele parou a sua carrinha perto do curral. Muito sorridente, apanhou um cabritinho e a cabra preta e meteu-os no veículo. Tisha ficou preocupada. — Para onde levas a minha cabra? — Para tua casa, respondeu M’ma Yele. Queres vir com ela? Quando Mamala viu a camioneta aparecer ao fundo do trilho, começou a correr. Há já algumas semanas, cada vez que a poeira do caminho se levantava, que o seu coração ficava em sobressalto.

E então corria. Mas voltava sempre dececionada. Ainda não era Tisha. Mas Mamala não perdia a esperança! Depois da fuga de Tisha, Tata Zana veio procurar Mamala. E disse-lhe: — A tua filha é uma ingrata. Estava a viver como uma princesa na cidade… Desde então, Mamala só esperava ver de novo Tisha.

Tinha a certeza de que a filha devia ter tido uma boa razão para fugir. E sentia que brevemente se encontrariam. E esse dia chegou, finalmente! Logo que Tisha saltou da camioneta, ela e Mamala apertaram-se forte e demoradamente num abraço que M’ma Yele achou que não terminaria nunca… Só a cabrinha preta conseguiu separá-las. Foi dando pequenas marradas a Tisha como se estivesse a perguntar: — Afinal, onde estamos? Na pequena aldeia, perto do deserto imenso, a chuva continuou a não cair.

Mas nasceram cabritinhos depois do regresso de Tisha. As cabras alimentam-se com ervas secas que encontram pelo caminho. O leite das cabras vai matando a fome dos aldeãos. E Mamala cuida do rebanho, enquanto Tisha vai à escola. Os cabritos vão crescendo e, com eles, cresce também a esperança. Quitterie Simon Pas d’école pour Tisha Toulouse, Milan Jeunesse, 2010 (Tradução e adaptação)