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Blog do Vavá da Luz

CLUBE DA HISTORIA EM : SETE MULHERES VALENTES

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Para todas as mulheres valentes. E também para os seus homens valentes. B. H. Introdução Antigamente, os livros de história marcavam o tempo pelas guerras que os homens combatiam. Os Estados Unidos começaram com a Guerra Revolucionária (Guerra da Revolução Americana, também chamada Guerra da Independência dos Estados Unidos). Depois houve a Guerra de 1812, a Guerra Civil, a Guerra Hispano-Americana, a Primeira Guerra Mundial, a Segunda Guerra Mundial, a Guerra da Coreia, e a Guerra do Vietname.

Mas há outras formas de contar o tempo. A minha mãe não acredita que as guerras tenham mesmo de ser travadas. Ela diz que a História deveria ser a sua história também, e ela conta histórias acerca de todas as mulheres da nossa família que fizeram história não combatendo em guerras. vvv minha tetravó fez coisas muito importantes.

Elizabeth viveu durante a Guerra Revolucionária, mas não combateu nela. Atravessou as montanhas desde a Suíça, e depois atravessou o mar até Filadélfia num veleiro de madeira. Os seus filhos de um e dois anos vieram com ela no barco.

Ela estava grávida do seu terceiro filho. A comida era má. Era difícil dormir com duas criancinhas a chorar. Não havia quartos de banho, mas havia enormes ondas que balançavam o barco para lá e para cá. Elizabeth permaneceu enjoada durante toda a travessia.

Por vezes pensou que ia morrer, mas sobreviveu e teve mais sete filhos. Elizabeth era uma Menonita (Amish). Vestia roupas lisas e adorava Deus de forma rígida. Quando rezava, ajoelhava-se ao lado da cama e cobria a cabeça com um lenço limpo.

Todas as noites até morrer, rezava pelo marido e pelos seus nove filhos. Nós ainda temos um lenço branco que Elizabeth bordou com um elegante “E” branco. a vvv minha trisavó fez coisas maravilhosas. Eliza viveu durante a Guerra de 1812 e a Guerra Civil, mas não combateu nelas. Em vez disso, mudou-se para Ohio numa carroça coberta. Os seus pais falavam alemão, mas ela aprendeu inglês.

Os seus pais eram Menonitas, mas ela casou com um homem que não o era. Trabalhou numa quinta durante toda a sua vida. Mesmo quando estava cansada, ou zangada, ou se sentia sozinha, ela tinha de trabalhar duramente. Guardava um rebanho de ovelhas e fazia cobertores com a sua lã.

Nós ainda temos a sua dobadoira. Fez uma colcha tão grande que chega a cobrir a parede do meu quarto. Os pontos são tão pequenos que dificilmente se podem ver. Fez velas e sabão e pão e manteiga e compota e tudo o mais que agora se pode comprar numa loja.

Fez remédios com ervas e ajudou as suas vizinhas a terem os seus filhos. Uma vez, uma faca afiada escorregou e golpeou-lhe o dedo. Ela usou a outra mão para o coser com uma agulha e linha. Eliza viveu até aos noventa e nove anos de idade. Chegou a ver antes de morrer fotografias de aviões a transportarem pessoas através do céu. vvv minha bisavó fez coisas fantásticas.

Nellie viveu durante a Guerra Hispano-Americana, mas não combateu nela. Trabalhava na quinta da sua mãe e montava um cavalo numa verdadeira sela em vez da habitual sela lateral que, então, era suposto as raparigas usarem. Gostava de pintar e de desenhar, mas não havia nenhum professor de arte nas proximidades. Depois de acabar as tarefas à sexta-feira de manhã, cavalgava todo o dia para a cidade mais próxima e tinha aulas de arte com uma senhora que lá vivia.

No dia seguinte, cavalgava todo o dia para casa a tempo de, à tarde, fazer as respetivas tarefas de sábado. Casou com um pregador, plantou um jardim, teve filhos e tomou conta da sua velha mãe (minha trisavó Eliza), mas já não lhe sobrava tempo para pintar quadros.

Em vez disso, pintou a louça de porcelana em que a sua família comia. Nós ainda temos pratos e chávenas e pires e tigelas – todos pintados com lindas flores de jardim. vvv a autra das minhas bisavós fez coisas muito importantes. Helen viveu durante a Primeira Guerra Mundial, mas não combateu nela.

A minha bisavó foi suficientemente valente para ir para a escola médica quando era muito difícil para as mulheres tornarem-se médicas. Mais tarde foi para a Índia como missionária, mas não salvava almas, salvava pessoas. A minha bisavó abriu um hospital só para mulheres. Ela ajudou a nascer ainda mais bebés do que a minha trisavó Eliza – e ela própria também teve quatro bebés.

Eu ainda tenho o bule de bronze que a minha bisavó usava, e a estátua de um sábio mendigo indiano que ela sempre olhava enquanto bebia o seu chá. Havia muitas doenças entre as mulheres pobres que ela tratava no hospital, e a minha bisavó Helen acabou por morrer jovem. vvv minha avó fez coisas fantásticas. Betty viveu durante a Segunda Guerra Mundial, mas não combateu nela.

Praticou esgrima apenas por brincadeira e jogou basquetebol na primeira equipa de mulheres no seu Estado. Mais tarde foi para França para ter aulas de harpa com um famoso harpista de lá. Depois decidiu ser arquiteta. Quando se dirigia para a sua primeira aula, os homens foram ao seu encontro com uma tabuleta que dizia “Não são permitidos cães, crianças, ou mulheres.” E teve de fazer os exames sozinha numa sala, porque era a única mulher numa escola de homens. A minha avó toda a vida gostou de construções.

Desenhou uma casa para o seu marido e filhos. Depois, construiu-a. Ensinou a estudantes universitários a história da arquitetura. Quando tinha oitenta anos, depois de o marido morrer e dos filhos terem saído de casa e os seus dedos terem ficado demasiado rígidos para tocar harpa, escreveu um livro sobre arquitetura. O livro foi um sucesso, por isso ela escreveu outro sobre construtores.

Este segundo livro foi publicado quando ela tinha oitenta e oito anos de idade. Andar com a minha avó fazia-nos olhar para as paredes e para as janelas de uma forma diferente. Os dois livros que ela escreveu ainda estão na nossa estante, e a sua harpa mais pequena – uma harpa de colo, verde, irlandesa – permanece sobre uma mesa que pertenceu à sua mãe, a minha bisavó Nellie. vvv o aminha outra avó também fez coisas muito importantes. Margaret viveu durante a Guerra da Coreia, mas não combateu nela.

Desde o dia em que nasceu até ao dia em que morreu, viveu sempre na mesma casa, em Queens Boulevard, na cidade de Nova Iorque. Nunca acabou o ensino secundário ou foi para a faculdade, mas era esperta. O seu marido morreu quando os dois filhos eram ainda bebés. Arranjou um emprego como secretária e tomou conta do pai doente, da velha mãe, dos seus seis irmãos e irmãs mais novos, e dos seus dois filhos.

Quando ficou sozinha na casa, em Queens Boulevard, acolheu cães e gatos que tinham sido abandonados e que iriam morrer de fome na rua. Nós não temos nenhuma das coisas da minha avó Margaret, porque ela não tinha muito de seu. Mas temos o que ela tinha de mais precioso – o meu pai. vvv minha mãe fez coisas fantásticas. Viveu durante a Guerra do Vietname, mas não combateu nela.

Lia nos jornais histórias sobre a guerra, e via histórias da TV acerca do conflito. “Nas florestas do outro lado do mundo,” dizia ela, “a Guerra do Vietname matou mulheres e crianças que não eram inimigas de ninguém. Essas mulheres e crianças podíamos ter sido nós,” dizia ela, “se vivêssemos lá.” A minha mão cresceu numa floresta de pinheiros do Alabama. Uma vez que não havia ninguém com quem brincar, inventava histórias para se entreter a si própria. Lembrava-se de contos que tinha ouvido, e foi lembrando narrativas que tinha lido… Quando cresceu, começou a contar histórias a crianças em bibliotecas.

Contou-lhes um bilião de histórias de todos os lugares do mundo… Também cantava baladas. E todas as noites, ela contava-me histórias sobre as mulheres valentes da nossa família – histórias que posso guardar para sempre e passar aos meus filhos. vvvv a au ainda não sou uma mulher, mas posso fazer coisas grandiosas. Posso contar histórias e tomar conta do meu cão e lançar bolas de basquete e tocar flauta e estudar ciências e desenhar e coser remendos vermelhos no meu casaco rasgado.

E farei história da mesma forma que a minha mãe, as minhas avós, as minhas bisavós, as minhas trisavós e as minhas tetravós fizeram. Há um milhão de formas de ser valente. v v v Nota da Autora Este livro começou com a pesquisa da minha mãe sobre a história da nossa família. Sabemos muito pouco sobre a primeira Elizabeth, exceto o que está incluído numa Bíblia da família e alguns outros velhos registos.

Ela morreu jovem, navegou no navio Anderson, e eventualmente estabeleceu-se em Womelsdorf, Pensilvânia, onde a casa de pedra em que viveu e morreu ainda está de pé. Deu à luz o seu nono filho com a idade de cinquenta anos. A sua filha também teve um filho numa idade já avançada, assim como aconteceu com muitas mulheres que sobreviveram aos primeiros anos de idade fértil. Acerca de Eliza, sabemos bastante mais, porque a sua filha Nellie contou várias histórias à sua própria filha Betty, que as passou para mim.

Outros ramos da família deixaram vários vestígios ao longo do tempo, alguns mais evidentes outros menos, mas o padrão da força física, intelectual e espiritual destas mulheres é claro. Elas são, com todas as suas falhas humanas, heroínas não cantadas. E estas são as suas histórias. Betsy Hearne Seven Brave Women New York, Harper Collins Publishers, 1997 (Tradução e adaptação)