Um filho da Deusa, a brincar, sem querer arranhou um cachorrinho. Quando voltou para casa, correu para a sua mãe para lhe dar um beijo. Ao aproximar-se do belo rosto da Deusa, reparou que tinha um arranhão que lhe sulcava a face.
— Mãe – disse o menino –, tens uma ferida na bochecha, o que aconteceu?
Com o olhar terno e amoroso, a Deusa contemplou o filho, e com a voz tingida de melancolia, disse:
— É um arranhão que me fizeste com as unhas.
— Mas, mãe – apressou-se a replicar o rapazinho –, nunca me atreveria a magoar-te. Não há ser que ame mais do que a ti, minha querida mãe.
Um sorriso desenhou-se nos lábios da Deusa.
— Meu filho – disse –, já te esqueceste que hoje de manhã arranhaste um cachorrinho?
— Não, mãe, lembro-me muito bem. Não sei como, arranhei-o, é verdade.
— Ora, meu filho, não sou eu toda a criação? Ao teres arranhado o bichinho, estavas a arranhar-me a mim. Cuida-te de nunca ferir nenhum ser vivo, ou estarás a ferir-me a mim.
Toda a forma de vida é sagrada e deve ser respeitada. Mas são ainda muitos os humanos que não só não respeitam as outras criaturas como lhes infringem dor de forma indesculpável. O comportamento de muitos seres em relação aos outros e em relação aos animais indefesos é verdadeiramente vergonhoso e atroz, e põe em evidência quão pouco evoluímos interiormente, por mais que a ciência tenha avançado.
Ramiro Calle
Os melhores contos espirituais do Oriente
Lisboa, Esfera dos Livros, 2009