No livro de geografia de Amédée, há uma imagem que muito o espanta. Vê-se uma rua de Paris coberta por uma espuma branca muito bonita. Algumas crianças fazem bolas com ela, e atiram-na umas às outras, a rir. Outras divertem-se a deslizar sobre ela com um caixote de madeira. E, a um canto, três meninas fazem uma grande estátua, toda branca, com aquela espuma.
— A isso chama-se neve! — explica o professor, escrevendo a palavra no quadro.
Amédée, que mora em África, nunca viu neve.
Por isso, coloca muitas perguntas que fazem sorrir o professor:
— É verdade que a neve cai do céu? Porque é que aqui não há neve? E a neve é doce? É quente? E é pesada?…
O professor responde que a neve é feita de água. Mas Amédée tem dificuldade em compreender: como é que a água pode transformar-se numa bola? Para ele, tudo aquilo não passa de um grande mistério!
“Quando for grande”, diz para si próprio ao fechar o livro, “irei a França para ver como é que é mesmo esta neve.”
Quando chega a casa, Amédée ajuda a mãe a decorar a palmeira diante da porta. O Natal está próximo. É altura de a enfeitar.
Com um fio, Amédée pendura cascas de coco que pintou de todas as cores. Depois, sobe ao topo da árvore para aí fixar uma estrela enorme feita de madeira.
Durante a refeição, ele não para de falar sobre o que viu naquela imagem do livro. E o avô é como ele: não consegue acreditar que a água se transforme numa bola.
— O teu professor devia estar a brincar contigo!
Quanto à mãe, ela repreende-o de forma gentil:
— Vejam só estes dois ignorantes que não querem acreditar em nada, mas que querem explicar tudo. Vamos lá, toca a comer em vez de falar! E tu, Amédée, não te esqueças de que o Natal está a chegar. Pensa mas é no bem que podes fazer à tua volta.
Pois é, amanhã é 24 de dezembro, a véspera do grande dia!
Amédée promete que fará o seu melhor.
Logo pela manhã, depois de se levantar bem cedinho, Amédée vai ao poço encher os baldes de todas as pessoas idosas da aldeia.
Depois, toma conta dos dois gémeos da Senhora Sali enquanto ela cozinha. A Senhora Sali tem muitos filhos e está sempre cheia de trabalho.
Para lhe agradecer, ela dá-lhe uma das grandes panquecas que acaba de fazer.
Embora tenha muita vontade, Amédée não a come. Decide ir levá-la a Doumba Diof, o velho cego que vive sozinho na floresta. É um sábio muito respeitado, mas muita gente tem medo dele… Dizem que tem grandes poderes!
Ao tomar o caminho da floresta, Amédée sente um pouco de medo. Os olhos vazios e brancos do ancião são muito estranhos! Mas diz a si próprio que não se deve ter medo de nada na véspera de Natal.
Doumba Diof fá-lo sentar-se numa esteira e divide a panqueca em duas partes. Como dizem que ele é muito sábio, Amédée tem uma pergunta na ponta da língua:
— Doumba Diof, tu que sabes tantas coisas, fala-me da neve!
— Não se pode falar da neve, meu filho. É preciso vê-la e tocar-lhe.
Amédée fica um pouco desiludido com esta resposta mas não o mostra. Antes de partir, limpa e arruma a cabana porque o velho cego tem dificuldade em fazer tudo isso sozinho. Para lhe agradecer, Doumba Diof oferece-lhe um pequeno pássaro branco numa gaiola de bambu.
Amédée leva-o para a aldeia e mostra-o a todos os seus colegas.
— Foi Doumba Diof quem mo deu!
Os colegas olham para ele com inveja.
— Vai trazer-te felicidade — diz-lhe o avô — porque Doumba Diof é um grande feiticeiro.
Amédée está orgulhoso do seu pássaro. Não se cansa de o admirar.
Mas, na noite de Natal, sente vergonha de manter numa gaiola, como um prisioneiro, quem nasceu para voar livremente…
As palavras da mãe vêm-lhe à memória “Pensa em todo o bem que podes fazer à tua volta.” Então, Amédée dirige-se à praça da aldeia, tira o pássaro da prisão e lança-o no ar. No mesmo instante, como que por encantamento, uma espuma fina cai do céu.
Amédée abre as mãos e sente, pela primeira vez, a carícia mágica dos leves flocos de neve.
Michel Piquemal ; Boiry
Paris, Casterman, 1994