Os seixos mágicos
“Porque é que temos de aprender todas estas estupidezes?”
De todas as queixas e perguntas que ouvi da parte dos alunos durante os meus anos como
professor, esta foi sempre a mais comum. E, de todas as vezes, respondi-lhes contando sempre a
mesma lenda.
Certa noite, um grupo de nómadas que se preparava para dormir viu-se subitamente envolvido por
uma estranha e intensa luz. Embora sobressaltados, imediatamente tomaram consciência de que estavam em
presença de uma manifestação celestial. Ansiosos, aguardaram a mensagem divina que certamente lhes seria
comunicada.
Por fim, a voz falou-lhes:
—Reúnam o maior número de seixos que conseguirem e ponham-nos nos vossos alforges. Viajem
durante todo o dia de amanhã e a noite encontrar-vos-á felizes e encontrar-vos-á desgostosos.
Os nómadas partilharam entre si o desapontamento e a frustração que a mensagem lhes tinha
provocado. Em vez da revelação de uma qualquer verdade universal que lhes trouxesse riqueza, saúde e
sentido para a vida, tinham recebido a indicação de realizarem uma tarefa que não fazia qualquer sentido.
Apesar disso, o impacto e a luz intensa da aparição fizeram com que, na altura, cada um apanhasse
uns quantos seixos do chão e os pusesse nos alforges enquanto resmungavam.
No dia seguinte, viajaram todo o dia. Chegada a noite, abriram os respetivos alforges e descobriram
que cada um dos seixos que haviam apanhado se tinha transformado num belíssimo diamante. Ficaram felizes
por terem diamantes e ficaram desgostosos por não terem apanhado mais seixos.
A pertinência desta lenda foi ilustrada, de forma inequívoca, por uma experiência que tive,
logo no início da minha carreira como professor, com um aluno a quem chamarei Alan.
Quando Alan andava no oitavo ano, já se havia formado em “sarilhos” e tinha uma pósgraduação em “suspensões escolares”. Alan estudara com afinco a cadeira de “acosso escolar” e
estava a tirar o mestrado em “ladroagem”.
Todos os dias, eu obrigava os meus alunos a decorarem uma citação ou reflexão de um
grande pensador. Quando fazia a chamada, iniciava, para cada aluno, uma citação e esperava que
esse aluno a completasse.
— Alice Adams: “Não há falhanço maior do que…”
— “… o de não continuarmos a tentar.” Presente, Professor Schlatter.
Deste modo, lá para o fim do ano letivo, os meus pequenos “encargos” já tinham
memorizado cerca de 150 grandes citações ou pensamentos.
Ninguém se queixava mais desta rotina do que Alan. Isto até ao dia em que acabou expulso
da escola e perdi todo e qualquer contacto com ele durante cinco anos. Certo dia, recebi um
telefonema seu. Estava a frequentar um programa especial numa universidade próxima e tinha
acabado de sair de um período de liberdade condicional.
Alan contou-me que tinha sido colocado num instituto de reabilitação de crianças e jovens
em risco, do qual acabou por ser enviado para um instituto de correção na sequência dos desacatos
que havia provocado. Sentia-se tão enraivecido consigo mesmo que, um dia, pegou numa lâmina
e cortou os pulsos.
No fim do telefonema, confessou:
— Sabe, Professor Schlatter, enquanto estava para ali caído, com a vida literalmente a esvairse do meu corpo, veio-me de repente à memória aquela frase que um dia o senhor me obrigou a
escrever 20 vezes: “Não há falhanço maior do que o de não continuarmos a tentar.” Foi então que
tudo fez sentido para mim! Se sobrevivesse, poderia deixar de ser um falhanço. Mas, se me
deixasse morrer, morreria como um falhado. Assim, reuni as últimas forças, pedi ajuda, e comecei
uma vida nova.
Quando Alan ouvia a citação nas aulas, só conseguia ver nela um seixo. Quando precisou de
orientação num momento de crise, a citação tinha-se transformado num diamante.
Reúnam todos os seixos que conseguirem e poderão contar com um futuro cheio de
diamantes.
John Schlatter